terça-feira, 23 de julho de 2024

As escolas de vinte(s)

[Texto publicado hoje no jornal «Público», não a imagem]

Na procura de sucesso, ainda que apenas estatístico, coisa que até a OCDE estimula, e que zelosos intervenientes na educação fomentam no terreno, vemos agora escolas progredirem para um “sucesso” de topo de escala que, a ser verdadeiro, traduziria a quase perfeição dessas escolas, dos professores que nelas trabalham, dos alunos que as frequentam e dos seus encarregados de educação. Certos meios de comunicação encarregam-se, por seu lado, de lhes fazer o elogio, em encenações também elas perfeitas. Estes “ecossistemas educativos” correm o risco de vir a não conseguir progredir mais, por terem atingido o cume da excelência, a não ser que se arranjem escalas mais extensas, digamos…

Os vintes às catadupas parece que não levantam objecções.

Quarenta anos de experiência lectiva ininterrupta, em escolas do distrito de Coimbra, de Lisboa, de Leiria, de Viana do Castelo e de Braga, e o conhecimento vívido do que se passa nos conselhos de turma de avaliação, não me permitem partilhar de tal optimismo. Sobram-me dúvidas, muitas.

Aonde nos levará este caminho?

José Batista d’Ascenção

quinta-feira, 18 de julho de 2024

Escola ideal

seria aquela em que coubesse qualquer criança, que fosse estimulada a aprender, a saber e a prosseguir quanto pudesse, obtendo o melhor das suas características e capacidades, em observância de deveres procedimentais claros e formativamente bem definidos.

A investigação psicopedagógica em tempos de paz, após a 2ª guerra mundial, parecia encaminhar-se para grandes ganhos na aprendizagem, alargada a universos cada vez mais vastos e tendentes a erradicar o analfabetismo. Do mesmo modo, as normas de cidadania, em regime democrático, perspectivavam-se em expansão universal, pela bondade intrínseca e pela vontade das pessoas bem formadas, supostamente a maioria. O avanço da ciência, incluindo o conhecimento do cérebro humano, e o desenvolvimento extraordinário da tecnologia digital haviam de trazer resultados auspiciosos, revogando as pedagogias obsoletas dos séculos XIX e anteriores.

Não foi assim. A natureza humana e a psicofisiologia neuronal são incomensuravelmente complexas. A nobreza dos valores e comportamentos não é cumulativa através das gerações, nem anula instintos básicos. Estes morigeram-se na sequência de vivências históricas traumáticas como as guerras, mas recrudescem quando essas memórias se tornam longínquas ou remotas e são normalizadas no imaginário de crianças e adultos pelas vias sócio-comunicacionais, a que se somam jogos virtuais estimuladores de fundos psicológicos violentos.

Pelo meio, a escola perdeu-se. A educação democrática universal, onde se aplicou, falhou. As democracias perdem terreno. As ditaduras retornam com vigor inaudito. Os meios de terror vão das armas à informação (verdadeira, falsa ou nem uma coisa nem outra…) e aumentam vertiginosamente.

Tacteamos.

Muita humildade e muito trabalho e determinação, precisam-se.

José Batista d’Ascenção

quinta-feira, 4 de julho de 2024

Para aonde vais, «escola pública»?


Terminou no início da semana a classificação dos exames nacionais de biologia e geologia. Das provas que me couberam 60% têm negativa, tendencialmente muito baixa. Tomara que fosse outro o panorama a nível nacional, mas tenho receio. A prova não era perfeita, nem os critérios nem as respectivas especificações. Mas o mal não vem da prova, nem dos exames em geral. Se se pretende que os meninos tenham competências, então têm que ser competentes em qualquer exame bem feito, de qualquer disciplina.

Também não alinho no refrão que aponta a pandemia como causa principal. A situação da escola e da aprendizagem degrada-se devido a factores múltiplos que transformaram a sala de aula numa amálgama quase sem hierarquia, onde os meninos estão permanentemente ligados à rede, presos a solicitações diversas, raramente coincidentes com os assuntos (que deviam ser os) das lições. A realidade é esta, queiramos ou não.

Aprende-se pouco, em consequência. Como há uma luta feroz pelas «notas», os meninos pressionam os professores. Os seus pais fazem o mesmo, através dos directores de turma ou das direcções, pessoalmente ou enviando «e-mails», nem sempre com cortesia. Também podem queixar-se a instâncias hierárquicas exteriores à escola, até de forma anónima. Ou apresentar recursos para revisão das classificações, que podem resumir-se ao desejo de ter melhores médias ou invocar a facilidade de entrar nalgum curso. Por vezes, o recurso confirma a «ameaça» previamente dirigida a algum professor…

De tudo isto resulta um clima de pouca humildade, serenidade e persistência, coroado com pautas carregadas de notas altas, particularmente em disciplinas não sujeitas a exame.

Depois, no ensino superior, muitos estudantes precisam de apoio psicológico. Porque será?

Quem pára a bola de neve?

José Batista d’Ascenção