sexta-feira, 20 de setembro de 2024

Não educamos as crianças, tornámo-nos escravos delas

E elas - como nós - são escravas dos algoritmos digitais, dos conteúdos e da manipulação das redes sociais, assim como da publicidade e de grupos ou entidades cuja organização manobra desejos e comportamentos, desde tenra idade, à volta do desporto, de festivais de música, de excursões de «finalistas» de todos os ciclos de ensino, mesmo os mais iniciais…, e por aí fora.

Muito precocemente, os pais deixam de ser os principais orientadores da educação das crianças. Não raro por iniciativa comodista dos próprios, quando sossegam os infantes com recurso aos telemóveis e outros apetrechos, de que eles mesmos também são dependentes.

Não vão longe os tempos em que se liam alto histórias às crianças, mas parece. O léxico enriquecia-se, o pensamento faz-se com palavras e, nos petizes mais bem acompanhados, e afortunados, desenvolvia-se o gosto pela leitura, que potenciava as faculdades do raciocínio, da criatividade e da inteligência e alargavam-se os horizontes socio-afectivos e culturais. Tragicamente, quando os meninos começam a juntar as sílabas e deviam iniciar a leitura, pais que antes liam para eles deixam de o fazer, a pretexto de que devem passar a ler sozinhos. É matar à míngua a iniciação à leitura. E perder momentos íntimos de comunhão e partilha. Pior quando se pensa que aceder aos monitores favorece a leitura. É uma percepção errónea, que traz consequências nefastas. Vamos assim produzindo zombies digitais, viciados em jogos ou híper-estimulados a saltitar de comunicação em comunicação, ou entre anúncios ou pequenos vídeos, em que não se demoram, porque nem seriam capazes de ler meia dúzia de linhas que fosse. Algumas redes sociais limitam-se e limitam os seus assinantes a parcas dezenas de caracteres. Trata-se de cretinismo profundo e em expansão. Há meninos que, no fim de 5 ou 6 anos de escolaridade, não conseguem escrever o próprio nome sem erros. E alguns, ainda nos primeiros anos do primeiro ciclo, já reagem violentamente contra educadores infantis e professores. Muitos são prodígios de egoísmo e comodismo, acumulando quilos em proporção às horas que passam agarrados aos teclados. Outros não dormem e andam estremunhados nos tempos que deviam ser de aulas.

A tecnologia e a “inteligência artificial” não podem esvaziar o cérebro (de cada) humano, que tem de aprender o que lhe é fundamental, sob pena de alguém pensar por si – condição a que aspiram todos os ditadores e outros manipuladores.

Vêmo-lo diariamente, a investigação científica (digna do nome) fundamenta-o. Falta prevenir. 

José Batista d’Ascenção

terça-feira, 10 de setembro de 2024

O Senhor Ministro escreveu uma carta aos Professores

Chegou(-me) ontem. É simples e bem intencionada. Grandes e difíceis são os problemas. E a burocracia (habitual) para lidar com eles. Fala até em «libertar os Professores da carga burocrática que os exaura», a carta do Senhor Ministro. Oxalá. Nos conselhos de turma prévios, esta manhã, (ainda) não notei nada. Hábitos antigos.

Na carta é referida também a vontade do governo de «dar aos professores a importância que merecem». Vá lá saber-se porquê, esta parte provoca-me (sempre) reservas.

Mas, o novo ano lectivo e o trabalho com os alunos estão aí. Sinto o (mesmo) nervosismo de sempre.

À tarefa.

José Batista d’Ascenção

domingo, 8 de setembro de 2024

O elogio e a necessidade da leitura

Estamos na abertura de um novo ano lectivo. As escolas de maiores dimensões têm hoje alunos de dezenas de nacionalidades, o que acrescenta problemas novos e difíceis às muitas dificuldades que já tínhamos, que não conseguimos debelar e que continuam a agravar-se.

Uma dessas dificuldades radica no facto generalizado e incontestado de os alunos (os fracos e os bons) lerem pouco ou nada. Refiro-me à literatura e às obras dos autores de qualidade, clássicos ou recentes.

O livro «Ponham-nos a ler!», do especialista em neurociências, Michel Desmurget, põe o dedo na ferida, escalpelizando o assunto de forma documentada e factual, muito diversificada e completa - as referências bibliográficas, em letra miudinha, estendem-se por 53 páginas.

As vantagens dos livros e da leitura em papel, relativamente aos «écrans», não oferecem dúvidas. A sua importância e relevância começam na família, com a leitura partilhada com as crianças, a partir de tenra idade, e reflectem-se na escola e na vida, de modo notório e insubstituível – di-lo a neurologia. Por seu lado, a escola pouco pode fazer, se a batalha não for agradavelmente iniciada no seio familiar.

Os resultados de testes internacionais (PISA, PIRLS) e as análises de fóruns como a Comissão Europeia e a OCDE revelam a degradação que tem ocorrido nas últimas décadas. O trabalho docente confirma-o: muitos alunos, no final do ensino básico e no ensino secundário, têm um léxico muito reduzido e, simplesmente, não entendem o que os professores dizem. O desastre é manifesto, mas são muitos os que o negam. E afecta quase todos os alunos, mas mais os dos estratos socio-económicos desfavorecidos, num fosso que tende a alargar-se e que os especialistas baptizaram como «Efeito [S.] Mateus»: «A quem tem ser-lhe-á dado e terá mais, mas, a quem não tiver, até o que tem lhe será tirado» (227, 231, p).

Não é por acaso que os países nórdicos recuam na opção por manuais digitais. Em Portugal, encarregadas de educação encabeçam um movimento para proibição de telemóveis nas escolas (vide jornal «Público» de 02 de Setembro 2024, 13 p).

Não temos o direito de fazer de cegos. E também não podemos ignorar que cada vez mais professores de hoje e de amanhã são os não-leitores de ontem e de hoje, com consequências terríveis.

Em geral, os académicos das chamadas «ciências da educação» parecem alheios. Mas há uma boa notícia: os dados deste livro provêm, em grande parte, de estudos de investigação pedagógica.

Honra lhes seja.

José Batista d’Ascenção