domingo, 8 de setembro de 2024

O elogio e a necessidade da leitura

Estamos na abertura de um novo ano lectivo. As escolas de maiores dimensões têm hoje alunos de dezenas de nacionalidades, o que acrescenta problemas novos e difíceis às muitas dificuldades que já tínhamos, que não conseguimos debelar e que continuam a agravar-se.

Uma dessas dificuldades radica no facto generalizado e incontestado de os alunos (os fracos e os bons) lerem pouco ou nada. Refiro-me à literatura e às obras dos autores de qualidade, clássicos ou recentes.

O livro «Ponham-nos a ler!», do especialista em neurociências, Michel Desmurget, põe o dedo na ferida, escalpelizando o assunto de forma documentada e factual, muito diversificada e completa - as referências bibliográficas, em letra miudinha, estendem-se por 53 páginas.

As vantagens dos livros e da leitura em papel, relativamente aos «écrans», não oferecem dúvidas. A sua importância e relevância começam na família, com a leitura partilhada com as crianças, a partir de tenra idade, e reflectem-se na escola e na vida, de modo notório e insubstituível – di-lo a neurologia. Por seu lado, a escola pouco pode fazer, se a batalha não for agradavelmente iniciada no seio familiar.

Os resultados de testes internacionais (PISA, PIRLS) e as análises de fóruns como a Comissão Europeia e a OCDE revelam a degradação que tem ocorrido nas últimas décadas. O trabalho docente confirma-o: muitos alunos, no final do ensino básico e no ensino secundário, têm um léxico muito reduzido e, simplesmente, não entendem o que os professores dizem. O desastre é manifesto, mas são muitos os que o negam. E afecta quase todos os alunos, mas mais os dos estratos socio-económicos desfavorecidos, num fosso que tende a alargar-se e que os especialistas baptizaram como «Efeito [S.] Mateus»: «A quem tem ser-lhe-á dado e terá mais, mas, a quem não tiver, até o que tem lhe será tirado» (227, 231, p).

Não é por acaso que os países nórdicos recuam na opção por manuais digitais. Em Portugal, encarregadas de educação encabeçam um movimento para proibição de telemóveis nas escolas (vide jornal «Público» de 02 de Setembro 2024, 13 p).

Não temos o direito de fazer de cegos. E também não podemos ignorar que cada vez mais professores de hoje e de amanhã são os não-leitores de ontem e de hoje, com consequências terríveis.

Em geral, os académicos das chamadas «ciências da educação» parecem alheios. Mas há uma boa notícia: os dados deste livro provêm, em grande parte, de estudos de investigação pedagógica.

Honra lhes seja.

José Batista d’Ascenção

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