quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

“Auto-avaliação” – Um mito com consequências

O primeiro período lectivo aproxima-se do fim. Mais uma vez, em tantas escolas do nosso país, às últimas aulas de cada disciplina há-de corresponder o sumário: “auto-avaliação”.
Por força do hábito, novamente vou deixar os alunos mais ou menos embaraçados, não porque escreva aquele sumário, mas porque fico absolutamente calado, face aos que queiram “auto-avaliar-se”. E aos que pretendem que me pronuncie refiro que o conceito “auto-avaliação” significa: avaliação do próprio pelo próprio. Se insistem, opto por perguntar quais são os elementos que eles mais valorizam na avaliação. Ao que invariavelmente respondem: os testes! A seguir pergunto-lhes quem fez as perguntas dos testes e as respectivas cotações, e eles respondem: o professor! Após o que faço mais uma pergunta: quem corrige e atribui a pontuação às respostas? De novo me respondem: o professor!
Nesta altura já alguns deixam escapar que a “auto-avaliação” é ilusória, que não existe realmente… Então, se o ensejo o permite, pergunto-lhes se acham que alguém deve ser juiz em causa própria, isto é, se é com avaliação, juízos e decisões dos interessados que se conseguem condições de objectividade, de imparcialidade e de isenção, de que dependem o rigor e a equidade.
Se houver espanto ou incredulidade, pergunto-lhes se acham que as provas desportivas dispensam os árbitros e se, na falta inesperada do juiz da partida, pode recorrer-se a um membro suplente de qualquer das equipas para dirigir o jogo…
Aqui chegados, normalmente a plateia está rendida, e podemos ir mais longe. Passamos por isso a considerar certos papéis de alunos e professores, para chegarmos à conclusão, mais ou menos consensual, de que se o aluno está a aprender é porque ainda não sabe (o que precisa que lhe ensinem) e portanto não deve, nem devia poder, pronunciar-se sobre o seu grau de conhecimentos, nas matérias específicas em que é aprendiz. A avaliação de conteúdos surge assim como competência de execução criteriosa, muitas vezes difícil e mesmo dolorosa, cuja responsabilidade (ou ónus?...) deve recair exclusivamente sobre os professores.
Então, falta apenas acrescentar que, definidas claramente as funções de professores e alunos, a estes assiste o direito de conhecerem com exactidão o tipo de conteúdos e objectivos de cada disciplina, bem como os critérios de avaliação a que estão sujeitos. Devem igualmente usufruir do direito de reclamação sobre as classificações que lhes são atribuídas, mediante fundamentação apresentada pelos encarregados de educação, como já acontece.
Para os alunos basta. Com eles facilmente me tenho entendido. Gostaria era de perguntar a quem superintende a Educação no meu país e aos que se arrogam a capacidade de definir as grandes linhas filosóficas e pedagógicas do ensino, até quando é que os professores vão poder continuar a provocar desconforto e contrariedade em certos alunos, às vezes criancinhas do primeiro ciclo do ensino básico!, obrigando-os a pronunciarem-se sobre a classificação de que se acham merecedores…

Nota: Este texto foi publicado exactamente assim no jornal “Público” de 22 de Novembro de 2002, na página 5. Porque nem as circunstâncias se alteraram (para melhor) nem eu deixei de pensar o que pensava, decidi (re)publicá-lo aqui.

José Batista d’Ascenção

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