A despeito do discurso formal e oficial, seja pela positiva, seja pela negativa, a realidade das escolas escapa em grande parte ao que fica nos registos escritos e, não raro, tão mais profundamente quanto mais assertiva é a redacção de actas e relatórios… É algo difusamente consensual, que muitos só afirmam em privado e talvez por isso funcione (tão bem!) como segredo universalmente partilhado.
O assunto deste texto é o que passou a fazer regra em muitas escolas em matéria de avaliação no segundo ano da leccionação das disciplinas bienais: algumas pessoas, sobretudo pais de alunos e professores (do ensino secundário!), particularmente quando eles próprios são pais de alunos, não querem, nem ao jeito nem à força, que no décimo primeiro ano se exija aos alunos que tenham presente e possam ser chamados a responder sobre matéria do ano anterior da disciplina (que por alguma razão é bienal), porque dizem - pasme-se! - que os alunos já foram classificados nessa matéria. Como se o saber se pudesse ou devesse fazer para despejar num dado teste de avaliação, numa dada data, e depois já pudesse seguir para as profundas do esquecimento e da indiferença, uma vez que… já foi testado (por vezes na sequência de barrigadas de estudo pontuais). Ou seja, não se aprende para se saber (e ficar a saber), mesmo o que é basilar, genérico e fundamental, mas para ultrapassar obstáculos que possam atrapalhar a obtenção de um salvo-conduto rumo ao curso pretendido. A este curioso efeito não é alheio o facto de (ainda) se (continuar a) lutar à centésima para a entrada em certos cursos do ensino superior, como os de medicina. A perversidade da situação torna-se mais acentuada pelo facto de aquela luta se resumir a uma minoria de alunos, porquanto a generalidade deles não aspira, por não poder nem querer, ao ensino médico universitário.
Chegámos aqui
Além de triste, dado que protagonizada principalmente (!) por professores, esta situação bizarra configura um atentado a qualquer noção de pedagogia digna do nome, ao mesmo tempo que empurra os docentes para uma situação em que eles próprios não merecem o respeito… deles mesmos, quanto mais de terceiros. E é também profundamente doloroso, porque alguns desses professores supõem que assim ficam mais próximos (mais amigos?…) dos alunos, quando o mais provável é que eles os desprezem, tanto quanto desprezam a importância do que esses professores lhes ensina(ra)m (ou deviam ter efectivamente ensinado) e a necessidade (e a conveniência e o dever) de que seja, a todo o momento, se for oportuno ou necessário, (re)avaliar.
Aspectos como este passam ao lado do ministério da educação e das inspecções realizadas nas escolas, ocupados que estão com motivos algo etéreos e, sobretudo, com estatísticas que revelem… sucesso.
E no entanto, nas escolas onde tais práticas ainda não conseguiram penetrar, porque há professores que o não admitem, os dados de sucesso verdadeiro, sejam quais forem os “rankings” que se fizerem, são públicos e notórios. Refiro-me, em concreto, ao que se passa no domínio das disciplinas de biologia/geologia na Escola Secundária José Falcão e na Escola Secundária Infanta D. Maria, ambas em Coimbra. Àquelas Escolas, e em particular aos (meus colegas) professores de biologia e geologia que lá trabalham, os meus parabéns.
José Batista d’Ascenção
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