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Maria Filomena Mónica foi sempre uma voz interessada e interveniente no que respeita ao nosso sistema escolar. Grande apreciador que sou das suas opiniões, e sabendo que há bastantes meses se encontra doente, ao reler o seu livro “A Sala de Aula”, editado pela Fundação Manuel dos Santos e publicado em 2014, detive-me sobre um assunto que não é devidamente discutido, a páginas 180-191, e decidi respigar daí os extractos que se seguem. Faço-o em homenagem e gratidão a Maria Filomena Mónica.
«Quanto à avaliação externa das escolas, a situação é negra. O relatório oficial, intitulado “Avaliação Externa das Escolas 2011/13” é uma análise pretensiosa de 231 escolas»… [em que se pode observar] «o lugar subalterno que a aprendizagem ocupa na lista de prioridades. É verdade que o relatório refere, à cabeça, o facto de as instâncias internacionais terem afirmado que os dois factores mais importantes no êxito escolar são a qualidade dos professores e as práticas de sala de aula, mas, logo a seguir, deparamo-nos com uma série de bizarrias.»
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[Lê-se nas conclusões desse relatório:] «As escolas observadas registaram uma preponderância do nível Muito Bom em “Liderança e Gestão” e Bom em “Resultados e Prestação do Serviço Educativo”. Se as escolas fossem empresas, o primeiro item faria sentido; não sendo o caso, é disparatado.» …
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«Feito a pedido, este tipo de avaliação contribuirá, quando muito, para a satisfação de algumas reivindicações.» … [Revela alguém de uma escola:] «as avaliações externas de escola não são bem uma inspecção, porque são solicitadas pelas próprias escolas, com vista à obtenção de maior prestígio e ainda da obtenção de uma percentagem elevada de classificações de Muito Bom e de Excelente nos domínios avaliados, desta forma conferindo algumas benesses, como um maior crédito de horas para projectos» [etc.]
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[Um membro da direcção de uma escola refere, relativamente aos dias em que decorre uma "inspecção":] «Temos de mostrar o que fazemos melhor, tentamos contornar o que corre menos bem, procuramos arranjar justificação para os números, que contam mais que tudo, e acabamos por ficar sem tempo para o trabalho que deveríamos estar a fazer no dia-a-dia. (…) Tivemos de organizar muita documentação solicitada … (entre outros, Projecto Educativo da Escola, Projecto Curricular de Escola, Regulamento Interno da Escola, quatro Projectos Curriculares de Turma). Os três primeiros são considerados documentos estratégicos da escola. Dão muito trabalho (…) os superiores pressupõem que estes documentos estão na base da nossa acção. Isto tudo (…) para nada: (…) a maioria dos alunos, pais, funcionários e até muitos professores não lhes dão importância. Há excelentes professores que não perdem tempo a ler qualquer um desses documentos» (…) os pais … querem uma escola exigente, rigorosa, que apoie os seus filhos (…), mas não que lhes enviem para casa papéis que não entendem.»
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[Os elementos da direcção das escolas ouvidos] «exprimem opiniões idênticas: as avaliações em nada contribuem para melhorar as escolas.
Uma avaliação séria exige um corpo de inspectores bem remunerados, prestigiados e sobretudo independentes do Ministério. Ora, em Portugal, a Ispecção-Geral do Ensino faz parte da burocracia central, … É o governo quem manda nos inspectores e no objecto a avaliar. Sendo isto assim, a independência dos inspectores é nula.»
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«Em Portugal, os inspectores são funcionários públicos. E funcionários públicos menores. Alguém se lembra de um relatório redigido por um inspector? Alguém se recorda de uma polémica suscitada por uma inspecção? Alguém é capaz de citar uma frase de um inspector sobre a escola?»
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… «A 12 de Julho de 2012, o ministro Nuno Crato» confirmou no cargo de inspector-geral um jovem de 45 anos, natural de Portalegre, cujas habilitações eram: «Licenciatura em Línguas e Literaturas Modernas pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, um “Curso de Especialização em Inspecção da Educação” tirado na Universidade Católica e dois minicursos, um em “Auditoria e Processos e Sistemas de Informação” e o outro em “Especialização e Inspecção, Auditoria, Avaliação e Fiscalização”, ambos feitos no Instituto Nacional de Administração. Frequentou ainda um curso de “Gestão e Administração Escolar” (150 horas), no Centro de formação de Professores da Arrábida. Quanto ao percurso profissional, não é mais rico: (…) [aquele] inspector-geral apenas lecionou durante três anos. … Visto os inspectores pouco mais receberem do que os professores … interroguei-me sobre quais os motivos que podem levar alguém a candidatar-se ao cargo. Não tardei a encontrar a resposta: não dar aulas.»
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[Interrogada, uma professora, confirmou a] «minha suspeita: “Os inspectores são, regra geral, professores que não gostam de ensinar e que optaram pela carreira de inspectores para fugir à prática lectiva, uma coisa que todos sabemos, mas que não dizemos em voz alta.”»
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A finalizar, Maria Filomena Mónica, confessando não ter soluções mágicas, afirma, no entanto: «se quisermos dar autonomia às escolas, temos de dispor de uma Inspecção-Geral à prova de bala. As escolas têm de ter independência, mas esta só lhes pode ser outorgada se existir um corpo de inpectores que vigie o que acontece no terreno».
José Batista d’Ascenção