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Nas duas últimas semanas ocorreu uma espécie de clímax na libertação do ódio aos professores, sob o protagonismo dos líderes políticos, que se elevaram ao seu nível, sendo difícil distinguir os mais brilhantes em hipocrisia e cinismo e aceitar por bons os motivos dos que se julgam vitoriosos. De competência e seriedade estamos conversados, mas também poucos esperariam melhor, ou sequer diferente. Os comentaristas de serviço, alguns muito bem pagos, aproveitaram para martelar as suas doutas opiniões, que conhecíamos de sobejo. Já o povo viu e bateu palmas, função que lhe compete nas guerras em que o entretêm, porque de frustrações anda toda a gente cheia e é preciso descarregar em alguém.
Para além disso há as escolas e o «clima» de «apagada e vil tristeza» em que vão funcionando. Os professores, entre os que aplicadamente se formaram, sem exames feitos por «fax», diplomas obtidos ao domingo ou mediante equivalência a actividades espúrias, e os que se valorizaram a expensas suas, obtendo honestamente mestrados e doutoramentos (são muitos), sendo que também houve alguns que treparam na carreira depois de umas «barrelas» oficialmente legitimadas (promovidas?), envelhecem indistintamente, a maioria tentando ensinar alunos, parte dos quais não quer aprender, pois que, pelo que vê à volta, ninguém valoriza o esforço, o trabalho e o saber. Estes professores também não são muito reconhecidos, porque, «antiquados», insistem em dar aulas e ensinar alunos e alguns prestam-se pouco a actividades vistosas, para a comunidade ver… Questiona-se a formação e competência dos professores em geral, mas ninguém se atreve a por em causa certas instituições formadoras de base e a falta de qualidade de grande parte do que se chama formação contínua… As leis subiram a idade da aposentação (o que era inevitável), mas não se atende às condições da docência encarando a realidade que entra pelos olhos dentro. Ou entraria, se quem decide fosse às escolas. A «inspecção» até vai, mas é tudo calendarizado com grande antecedência e tornado tão artificial quando seja possível. Veja-se que nada resulta da sua acção perante o que devia ser um escândalo (ou crime?) da inflação de «notas», em anos sucessivos, pelas mesmas escolas. Tortuosas como são as leis entre nós, as que regulam a aposentação foram feitas para forçar os professores dos escalões mais altos a abandonar por falta de capacidade de resistência própria, leia-se: estado de saúde, retirando-lhes então metade ou mais do quantitativo que auferem ao serviço. Não devia ser possível expulsar ninguém da profissão docente que queira e esteja em condições físicas e mentais de leccionar, assim como não devia ser legalmente permitido que qualquer professor permaneça ao serviço, perante alunos, sem reunir aquelas condições. Defender o que quer que seja diferente disto é falta de humanismo. Mas também de decência e de sensatez. De resto, há aqueles docentes que se mantêm firmes nas escolas porque, dizem, quando entram na sala de aula e fecham a porta, ainda se sentem professores, face aos seus alunos, apesar de tudo.
Não se pense que o mal das escolas deriva na totalidade do estado de espírito do corpo docente. Na minha escola, só este ano lectivo, ao abrigo da lei da mobilidade, três funcionários pediram transferência para outros sectores do Estado, admitindo eu que tenha sido por ganharem pouco e por terem de lidar com cada vez mais alunos que, pelo barulho e lixo que fazem e pela ausência de regras com que se comportam, arrasam os tímpanos e os neurónios mesmo das pessoas mais serenas e vocacionadas. E os restantes, tão esforçados e competentes como aqueles, não dão sinais perceptíveis de transbordar de felicidade no trabalho…
Há também, e em lugar de primeira importância, as crianças e jovens que devíamos estimular, preparar e ensinar com o maior empenho. Não o estamos a fazer bem, longe disso. O mal começa nos primeiros anos da escolaridade básica e progride até ao fim do ensino secundário (e, necessariamente, até ao ensino dito superior). Pagá-lo-ão quando forem adultos, de forma tão dolorosa quando o sofrem os professores na actualidade. Na actualidade, porque no futuro talvez nem tenhamos professores nem escola pública ou só os tenhamos em certas regiões do país, como na Madeira ou nos Açores, onde a contagem do seu tempo de serviço, por exemplo, se faz de modo diferente dos do Continente. E isto sem arruinar as contas do Estado nem configurar nenhuma situação de inconstitucionalidade. Pelos vistos.
José Batista d’Ascenção
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