“Tenho a certeza
que os professores de Portugal são dos melhores do mundo"…,
disse o
Presidente Marcelo, em 17/09/2018, na inauguração das obras de
requalificação
da Escola Secundária de Celorico de Basto. Aqui.
Outros confortos, bem pequeninos,
produzem um efeito mais efectivo.
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Quarta-feira é um dia pesado para os alunos de uma das minhas turmas (e para mim). Eles (e eu) entram(os) às 08.20 horas, nesse dia, e terminam(os) ao fim da tarde, já noite, no Inverno. Ontem, Quinta-feira, havia teste [e se passássemos a fazer os ditos sem marcação, para medirmos o que os alunos sabem realmente, sem as «barrigadas» de estudo da véspera? – Nem pensar, era o fim do mundo!] e os alunos daquela turma, muito interessados, queriam esclarecer dúvidas, que tinham «aos montes». Por isso, alguns deles compareceram à sessão de apoio desse dia. E muito bem. Era isso que devia acontecer todas as Quartas-feiras, naquela hora.
Contudo, há uma menina que pratica «ballet» e que precisa treinar e actuar, o que a impede de ir à escola em certos dias. O trabalho dela é, assim, mais pesado (ainda) do que o dos colegas de turma. Dada a sua limitação de tempo pediu que, nessa Quarta-feira, ficássemos a esclarecer as suas dificuldades para lá da hora do fim do turno da tarde, após as 18.25 horas. E ficámos, pois então. Cansada, ela, e, não menos cansado, o professor. Ela, porque queria esforçar-se tanto quanto lhe fosse possível e o professor pelo prazer de poder sentir-se útil, que não há prémio mais estimulante para quem ensina do que o interesse manifesto, sobretudo se sofrido, de quem quer aprender.
Donde se prova, se dúvidas houvesse, que não é pela falta de alunos interessados que a escola falha. Há-os, e são muitos. Convinha que puséssemos os olhos neles.
Mas isso foi ao fim da tarde. Nessa Quarta, logo ao primeiro intervalo da manhã, por volta das dez, passando pelo bar, perguntava à directora se o esboço da autorização dos encarregados de educação para levar alunos a uma conferência sobre a floresta amazónica, a proferir pelo Prof. Jorge Paiva, no próximo dia 08 de Janeiro, estava conforme, e se me era permitido fazê-la seguir para a reprografia. Olhou-me e disse-me que não tinha tido tempo de ler (como os outros três colegas para quem também mandara o mesmo texto…), mas que sim, que tinha permissão (nem ela nem os colegas sabem da minha necessidade cada vez maior de que alguém leia e me alerte para as falhas do que redijo…). Nisto, a colega Aurora procurava-me para ver se seria possível uma permuta que lhe permitisse leccionar certa matéria e, ao mesmo tempo, dava-me conta de que a lâmpada do projector da sala onde acabara de dar aula, com uma turma que eu ia ter no tempo a seguir, nessa mesma sala, havia «explodido». Como também precisava de projectar umas imagens, saltei da preocupação dela para a minha preocupação com a lição que tinha que iniciar daí a cinco minutos. Numa corrida fui à portaria, procurar o sr Silva, para lhe perguntar se havia lâmpadas disponíveis e se ele poderia ir, mesmo durante o tempo de aula, fazer a substituição. Voltei à sala de professores, peguei na pasta e segui para a dita sala, a pensar em como me ia desenvencilhar. Chegado lá, o sr Silva, no alto de uma cadeira, preparava o projector afixado no tecto, mudando a lâmpada e ajustando a imagem. «Tudo sobre rodas». E a aula fluiu. Saído dela, corri para a reprografia, onde tinha papelada formal necessária (planificação e grelha de aula a observar noutra escola), que o sr Álvaro me estendia prontamente. Recolhi-a, agradeci e segui.
Regressado à sala de professores, dirigiu-se-me simpaticamente a coordenadora de departamento, para me dizer que era necessário que me disponibilizasse para também ser avaliador interno (de colegas), função que (muito) me aflige. Colhido de surpresa, tentei argumentar com a minha falta de energia para a sobrecarga, a que ela contrapôs a facilidade da tarefa, de mais a mais já a fazendo «para fora», tudo com uma amabilidade tal que me senti encravado. A minha hesitação foi tomada por aceitação, recebi um beijo em cada face, e senti-me mais encravado ainda.
Sentei-me, coligi uns registos, olhei o relógio e decidi ir almoçar qualquer coisa, ali próximo, antes da primeira sessão de apoio. Aguardava a comida e, ao lado, o meu colega José Cidade, já aposentado, brincava com o benefício dos professores no activo, os quais são tão privilegiados que ainda se dão ao luxo de ir comer fora.
De estômago composto, regressei à escola para o turno da tarde, que foi longo e lento, por entre apoios e aulas.
Ao final do dia, de gatas, pensei no conjunto de privilégios que é o meu: ter (ainda) alguma saúde, ter trabalho, ter pão e ter alguém que me trata com carinho, além de poder fazer algumas coisas de que gosto e que dão sentido à (minha) existência.
Não que a vida de um professor seja um mar de rosas. Não é. Mas há muitos aspectos bonitos na profissão. E vale a pena reparar neles (até para compensar certas faltas e falhas), mesmo num dia a correr.
José Batista d’Ascenção