Por Pacheco Pereira (excertos do seu artigo de hoje no jornal «Público»)
«Experimentem dizer alto “Ação”. Os mais velhos, que têm a memória de como se diz “Acção”, dirão direito, os mais novos educados já na novilíngua, e os mais velhos modernaços e oficialmente muito obedientes, dirão “A São”. Entrou, pois, a São na campanha eleitoral [...] uma das palavras que ficaram mais estragadas com o novo acordo ortográfico [...].
O Acordo Ortográfico de 1990, pomposamente assinado pela maioria dos países de língua portuguesa, foi um dos maiores desastres diplomáticos dos últimos anos, com países como Angola e Moçambique a continuarem na mesma e todos os outros com diferentes graus de implementação. E, mesmo no Brasil, cada um escreve como quer, o que é aliás um dos factores do dinamismo do português do Brasil, fruto da pujança da sociedade brasileira, para o bem e para o mal.
Os resultados do Acordo foram separar ainda mais, uns dos outros, os países cuja língua oficial é o português e, dentro de cada um, haver na prática duas ortografias, como se vê neste jornal. Mesmo quando todos os passos legais para a sua implementação foram dados, quem escreve português bem, recusa o Acordo. E mais: considera uma questão de princípio escrever com a ortografia antiga, o que torna muito mais radical a divisão. Basta comparar os jornais dos vários países da CPLP para perceber isso, já para não falar de Portugal. Só que em Portugal deu-se um passo, cuja legalidade é contestada, de obrigar instituições, escolas e outras dependências do Estado a usar esse abastardamento da língua portuguesa que é o Acordo de 1990. E isso trouxe, como aliás a decisão de fazer o Acordo, muitos interesses económicos em jogo, que só se têm reforçado e hoje são um lóbi poderoso. [...]
A memória de uma língua, que muitas vezes se traduz na ortografa — e não me venham com o “pharmacia”, que é outra coisa —, faz parte da sua riqueza, [e] nunca impediu ninguém que fale português no Brasil, em Angola, em Moçambique, em Cabo Verde ou na Guiné, de ler Camões, Vieira, Camilo, Eça de Queirós ou Pessoa. Aliás, são mais lidos no Brasil do que cá. O que atenta contra essa capacidade de ler é outra coisa, é o ataque à leitura em papel, é a progressiva desaparição dos livros nas escolas, como se os ecrãs os substituíssem [...]
A diferença entre a São e a Acção tem que ver connosco, com a nossa identidade, com a nossa língua, com a nossa cultura, com a nossa capacidade de falar bem, logo, de pensar bem, logo, de sermos mais fortes. E vamos muito precisar de ser mais fortes nos tempos que aí vêm.»
José Batista d'Ascenção
Como sempre, escreves maravilhosamente. Concordo, contigo, Zé.
ResponderEliminarO texto é de Pacheco Pereira, Regininha. Ambos concordamos com ele, não é? Beijinho.
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