terça-feira, 18 de junho de 2024

Sobre o exame nacional de biologia e geologia (2024, 1ª Fase)

Prova realizada esta manhã. Menos fácil do que terá parecido a alguns alunos (que não usaram o tempo de tolerância). A questão 11 do grupo I seria legítima há quinze anos, quando o programa contemplava a matéria sobre «quimiossíntese»,  na actualidade não tanto, porque foi excluída dos normativos que estipulam os conteúdos a leccionar e, por isso, também deixou de constar nos manuais.

Algumas questões de dificuldade escusada, como a nº 14 do grupo I, ou de complexidade algo artificial, como a nº 17 do mesmo grupo. Há formulações, como uma afirmação da questão 13, que (me parece que) deviam ser mais claras.

No restante, a prova é equilibrada com perguntas bem elaboradas.

José Batista d’Ascenção

terça-feira, 11 de junho de 2024

Desvario da inflação de notas


Texto publicado hoje, no jornal «Público»

Ocorreram as reuniões de avaliação dos alunos do 9º, do 11º e do 12º anos de escolaridade.

Este ano, porventura ainda mais do que nos anteriores, sentiram-se pressões dos alunos e dos pais tão eficazmente que cada vez mais professores parecem transformados em defensores da inflação de classificações.

Desde há vários anos que as pautas de classificação das disciplinas de 12º não sujeitas a exame nacional revelavam uma fartura de vintes, nalguns casos, chocante.

O Prof. David Justino chegou a chamar publicamente a atenção para o caso, mas, depois, que eu me desse conta, calou-se sobre o assunto. Houve ainda umas acções da inspecção em algumas escolas, mas de nada adiantou.

Agora, o mal estendeu-se às próprias disciplinas que têm exame e manifesta-se igualmente no 11º ano e mesmo no 10º.

Basicamente, os professores entusiastas do procedimento advogam-no como medida pedagógica, “argumentando” com a importância de qualquer décima para se entrar no curso pretendido ou para ficar numa universidade mais perto de casa ou, simplesmente, por ser um procedimento de «justiça», para «não prejudicar ninguém».

A escola chegou a este ponto.

Sempre muito disponível para fazer sugestões e emitir opiniões no espaço público, o senhor presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas, Filinto Lima, não terá nada a dizer?

E o senhor presidente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares, Manuel António Pereira?

E organismos como o Conselho Nacional de Escolas?

E o senhor Ministro da Educação, Fernando Alexandre?

José Batista d’Ascenção

segunda-feira, 3 de junho de 2024

Estudos sobre o ensino em Portugal antes e depois do 25 de Abril. Análises reais, umas, e ilusórias ou delirantes, outras. [continuação]

Admiráveis, muitas referências destes livros, como: «Portugal é de longe o país onde os alunos mais consideram os seus professores e mais apreciam a sua disponibilidade» (pg 91, vol. 1). «Este padrão de admiração pela qualidade de trabalho e dedicação dos professores é constante desde 2003» (idem). Revelam-se «duas realidades antagónicas: (…) os alunos parecem idolatrar os professores e (…) os professores acusam falta de respeito e desvalorização da profissão» (ibidem). As mesmas ideias são vincadas mais adiante (pg 106, vol. 1).

Devem ser uns ingratos e insensíveis, estes professores, ainda que, «em relação aos alunos, apresentem poucas queixas» (idem), provavelmente porque sentem e sabem que de nada serviria...

Nem vale a pena interrogarmo-nos sobre aqueles tempos, não muito longínquos, em que era habitual os encarregados de educação irem à escola espancar professores (Carlos Fiolhais publicou um artigo sobre essa matéria, intitulado: «Bate que é professor», em 16/03/2007, no jornal «Público»). Os especialistas da pedagogia não deram por nada. Nem então nem agora, em que, por vezes, são os próprios alunos a fazê-lo no interior da escola, dentro e fora das salas de aula.

De resto, o vol. 1 fecha com chave de ouro: «Somos um caso exemplar em algumas das nossas práticas». (…) «Os nossos filhos e netos são a prova desse caminho.» (pg 108). Salazar, no seu tempo, não seria mais entusiasta do regime educativo que preconizava e impunha.

Outras asserções extraordinárias, por exemplo na pg. 106 do vol. 2: «o país encontra-se estável em termos políticos, a democracia parece ser inabalável»… A segurança destes autores não é proverbial apenas no sector educativo. Pela minha parte, não só não tenho certeza como sinto alguns receios, relativamente a Portugal e ao resto do mundo.

Mais adiante, a propósito de inclusão, refere-se a necessidade de as escolas «se ajustarem a todas as crianças, independentemente das suas condições físicas, sociais, linguísticas e outras (pg. 108, vol. 2), como estabelecido na lei (preâmbulo do dec. lei 54/2018), ignorando a realidade dramática, triste, impotente e ineficaz de certos casos com que convivemos nas escolas.

Muito mais poderia ser anotado. A escola continuará em crise, não sei se por o mundo ser como é e haver quem queira pintá-lo do modo que lhe convém. Também não sei se o mundo está como está por causa da educação, em cuja crise andamos perdidos.

Esta obra é útil, mesmo se nem sempre bem escrita (em particular, não fica bem a um ex-ministro da educação escrever «atingiria-se», pg 35, vol.2), mas não ilumina o âmago das questões principais.

José Batista d’Ascenção

domingo, 2 de junho de 2024

Estudos sobre o ensino em Portugal antes e depois do 25 de Abril revelam mais do que as suas conclusões

Sob coordenação de David Justino, saíram com o jornal «Público», no passado mês de Maio, quatro volumes sobre como foi, como é e como se supõe que deve ser a educação do futuro, de acordo com uma selecção de vários investigadores da área da pedagogia a afins.

Sobre o prefácio, de Sampaio da Nóvoa, fiz reflexão aqui.

A obra abarca dados desde a segunda metade do séc. XIX até à actualidade. Não se pode duvidar do rigor nem do tratamento desses dados, o que lhes confere grande importância e nos obriga ao seu conhecimento.

Já no que respeita à extracção de ilações estritamente pedagógicas, muito para além do controlo do poder político de cada época (decorrente da ideologia e da sociologia vigentes), dos interesses económicos e materiais, assim como do grau de respeito pelos direitos humanos, sobrelevam convicções ou crenças, modas psico-sócio-pedagógicas e motivações de nichos profissionais enfeudados em áreas académicas que querem fazer passar por ciência o que os métodos científicos não legitimam e apresentam-nos como bons resultados que deviam envergonhar-nos.

Detenhamo-nos em algumas afirmações espantosas ao correr destes livrinhos.

…«a universalização do sucesso não está a ser acompanhada pela melhoria das aprendizagens»…, o que «tende a gerar frustração»… (vol 1, pg 17). Pudera, se o sucesso é estatístico, se os estímulos formais e não formais são para se avaliar tudo positivamente, para compor uns gráficos bonitos para a OCDE, independentemente de os alunos saberem ou não, como podia ser de outro modo?

Sobre a própria OCDE se diz que «soube aproveitar o desenvolvimento dos testes PISA para se munir de influência política» (pg 84, vol. 1). Convinha, sobretudo, que se afirmasse como entidade exigente, rigorosa e credível relativamente aos dados que recolhe, [com que alimenta as estatísticas publicadas pela União Europeia e que fornece à UNESCO (pg 85, vol. 1)], e isenta nas influências que pretende exercer em matéria de políticas públicas de educação. A sua importância cresceu de tal modo que tem mesmo um programa («o TALIS») que define o professor “ideal”, «desconsiderando características como autoridade e ensino expositivo» (pg 85, vol.1), donde se pode retirar que o professor ideal nem manda nem explica, e as salas de aula, diferentemente de qualquer espaço humano organizado, vão-se transformando em caos progressivo a que se vai fechando os olhos. 

Lê-se que, olhando ao …«trilho percorrido ao longo de 130 anos»…«poderemos afirmar que a batalha educativa vai sendo ganha, aguardando que os Censos de 2031 o confirmem.» Quem cá estiver, verá. Em qualquer caso, não faltarão gráficos a elucidar o progresso, tão coincidentes com a realidade como os da actualidade, por exemplo no que se refere à assiduidade (as faltas dos alunos não são registadas em documentos como as pautas) e ao sucesso (sabendo-se que os professores quase não podem atribuir classificações negativas …).

José Batista d'Ascenção

(Continua)