segunda-feira, 9 de dezembro de 2024

Ortografia e a dor de ser professor

Trata-se de alunos de 12º ano, para todos os efeitos, alunos pré-universitários. São simpáticos, meigos e educados, embora suponham que podem conversar continuamente durante as aulas e, claro, pensam também que copiar nos testes é um procedimento banal, não condenável. Professores como eu têm uma pedagogia esquisita na opinião deles, é convicção minha.

Terminei a correcção dos segundos testes deste primeiro período. Um aluno, que tirou 18,4 (a segunda melhor nota), escreveu «impocível», «cituação» e «projenitores». Um outro, que tirou 11, redigiu «triçomia» e «penagem» (em vez de plumagem). Para muitos, a construção frásica é cheia de aleijões. Poucos escrevem bem, admito que por influência principalmente dos pais e dos professores do ensino infantil, que deviam receber prémios.

Não se deduza que inflacionei as notas, que variam entre 4 e 19.

A escola chegou ao estado em que está e não pára por aqui, se os meus temores se confirmarem.

O que devo fazer: Emigrar? Organizar uma manifestação ruidosa nas escadas do parlamento? Injuriar alguém?

Ou, simplesmente, guardar segredo?

José Batista d’Ascenção

P.S.: A dor dos professores pode ter origens diversas. Há quase década e meia, o jornal «Público» publicou um texto meu sobre o tema. Talvez o afixe aqui, para se poder aquilatar da evolução do «estado da síndrome».

terça-feira, 26 de novembro de 2024

“Botânica, Camões e Cultura”, pelo Prof. Jorge Paiva

Eram alunos de artes e (maioritariamente) de ciências. Eram professores, de vários grupos disciplinares. Limitámos as presenças porque é acanhado o auditório da Escola Secundária Carlos Amarante.

Imediatamente antes de o Professor “abrir o livro”, a introdução fez-se pela voz e viola de Margarida Corsino, entoando a “Senhora do Almortão”, na versão que fala de maçãs camoesas. Um deleite.

Seguiram-se as palavras e as imagens trazidas pelo Professor. Um regalo. Sobre a mesa espraiavam-se várias especiarias, como as dos tempos da «carreira da Índia», já lá vão quinhentos anos.

O tempo voava. O auditório ficou imerso no tema. Um tema sem fim, o que tornou a especificidade da sessão (ainda) mais preciosa.

A culminar, a distribuição do postal de Natal (de 2024) do Professor Jorge Paiva. Uma mensagem pungente, associada à imagem belíssima do Narcissus poeticus.

Bem a propósito, a música, a lição e a mensagem de Natal, homenageando o nosso Poeta maior, em ano de comemoração do quinto centenário do seu nascimento, e pugnando pela defesa do ambiente.

Há manhãs felizes.

José Batista d’Ascenção

quarta-feira, 20 de novembro de 2024

Caixa de «tetris»

Nunca, até um dia desta semana, em quatro décadas de ensino, um característico objecto de laboratório de biologia, tinha, que eu soubesse, merecido designação tão bizarra. Por mais de uma vez, na última aula laboratorial, designara eu as caixas de Petri antes da sua utilização. E não só as tinha chamado pelo nome, como o tinha escrito no quadro, noutra aula, em finais de Setembro (dia 26).

Donde pode, então, ter-se originado a confusão? Os alunos (porque foi mais do que um…) não sabem. Eu também não, por isso coloco a única hipótese que me ocorre.

Nos anos mais recentes, manuais, editoras e certos professores carregam no apelo ao que chamam «gamificação», que praticam com entusiasmo. Trata-se do uso de jogos para promover a aprendizagem. Vai daí, a coisa generalizou-se, porque é muito estimulante, senão da aprendizagem, pelo menos do jogo, mais ou menos viciante que possa ser.

Ora, «tetris» é nome de jogo comum em dispositivos electrónicos. Haverá relação?

Professores como eu não são adeptos da «gamificação». A ideia não é nova e já merecia dúvidas a Almeida Garret, quando escreveu: «Não sou grande apaixonado… do ensino por meio de brincos e bonitos. Digo que não sou apaixonado do excesso a que se tem levado»… [In: «Da Educação», MDCCCXXIX].

Assim vamos aonde não devíamos ou deixamos de ir ao que devia ser o mais importante.

E quem se importa?

José Batista d’Ascenção

sábado, 9 de novembro de 2024

Aulas de cidadania – e se acabássemos com elas?

Em minha opinião, a cidadania, como a educação, em geral, é mais algo que se pratica e de que se dá o exemplo, diariamente, do que matéria para ensinar em (doses de) aulas específicas. A introdução de uma disciplina de cidadania nos currículos escolares logo redundou em descrédito e tem dado azo a disputas políticas que não apoiam nem prestigiam as instituições escolares.

Para os alunos, as aulas de cidadania são tempos de aborrecimento e para os professores são igualmente pouco estimulantes porque não conseguem que as matérias e a acção que desenvolvem sejam levadas a sério. Por outro lado, como a escola tem de ser legal e formalmente uma «escola de sucesso», menos se admite que o aproveitamento em aulas a que não se dá importância possa ser avaliado negativamente, donde, há meninos que, não se comportando nelas de modo propriamente exemplar, têm tão boas classificações como os outros, o que só aumenta o descrédito.

Esta é a realidade que temos, sedimentada no tempo e na experiência. Convinha que atentássemos nela e fôssemos capazes de ser consequentes.

Os professores fazem educação e cidadania quando são educados, ensinam bem, com a cabeça e com o peito, cumprem as normas de cidadania e exigem conhecimentos e comportamentos em conformidade, apoiados na lei, no funcionamento das hierarquias e - muito importante - na vontade expressa da generalidade dos encarregados de educação.

Então, toda a acção escolar será de verdadeira cidadania.  

José Batista d’Ascenção

quarta-feira, 30 de outubro de 2024

MENDEL – «O Pai da Hereditariedade». Alguns dados biográficos.

Para alunos de biologia de 12º ano de escolaridade

Gregor Mendel nasceu em 1822 numa região que pertencia à Áustria, na cidade de Heizendorf, e que hoje pertence à República Checa. Foi padre, mas a atividade a que mais se dedicou foi a de professor do ensino liceal, atual ensino secundário.

Em 1840, tirou o curso dos liceus (atuais escolas secundárias) e depois pretendeu entrar para a Universidade, mas não tinha recursos para prosseguir estudos. Um professor sugeriu-lhe então que entrasse para um convento para que pudesse continuar a estudar.

Em 1843, entrou para um convento, em Brünn (Brno, em português), passando a chamar-se Gregor (o seu nome de nascença era João, João Mendel). Nesse convento fez estudos de Teologia e simultaneamente também estudou no liceu local, que era um liceu clerical.

Em 1849 ficou como professor no liceu da localidade, onde ensinou grego e matemática.

Em 1850 foi fazer exame para professor efetivo do ensino secundário, mas desistiu.

Em 1851, o superior do convento chegou à conclusão de que Mendel tinha qualidades excecionais para o estudo de Ciências Naturais e mandou-o estudar para a Universidade de Viena. Tinha então 29 anos. Aí tirou o curso que hoje poderíamos fazer corresponder ao de Biologia.

Em 1853 regressou à sua cidade – Brünn, e, como professor não efetivo, ensinou Ciências Naturais no liceu.

Em 1856 apresentou-se de novo a exame para professor efetivo do ensino secundário, mas tornou a desistir. Até 1858 ensinou no liceu de Brünn.

As suas experiências sobre hereditariedade foram iniciadas em 1862 no jardim do convento e foram realizadas com ervilheiras da espécie Pisum sativum, durante quatro anos. Em 1866, Mendel analisou os resultados dessas experiências e apresentou-os num trabalho intitulado “Experiências de Hibridação nas Plantas”, trabalho que contém as leis da hereditariedade. Nesse título, Mendel mostrou-se modesto, pois podia ter escolhido outro com mais impacto, como por exemplo: “Descoberta das Leis da Hereditariedade”.

A publicação do trabalho de Mendel foi feita numa revista local de Ciências Naturais sem grande importância. Daí que, durante mais de 30 anos, esse trabalho se tivesse mantido desconhecido. Devido à sua pequena divulgação, os autores contemporâneos de Mendel desconheciam-no, como era o caso de Charles Darwin (mais velho do que Mendel 13 anos – nasceu em 1809 - e que morreu 2 anos antes dele, em 1882).

Em 1868, Mendel foi nomeado abade do convento e quase suspendeu as suas experiências. Em 1871 viria a trabalhar com outra planta, a Hieracium pilosella, tendo obtido resultados que não conseguiu interpretar...

A atividade experimental de Mendel durou apenas nove anos, de 1862 a 1871, e o período mais importante decorreu entre 1862 e 1866.

Mendel tinha uma boa preparação matemática e tinha lido os trabalhos de outros autores sobre hereditariedade [casos de Georg Heinrich Koelreuter (alemão), Karl Friedrich von Gaertner (alemão), Charles Naudin (francês) e Darwin], pelo que possuía muitos elementos que lhe foram úteis e justificam o seu êxito. Outro aspeto que também lhe foi favorável foi o facto de ter escolhido uma planta que tinha todas as vantagens para o tipo de experiências a que se propusera.

Em 1884 morreu com 62 anos.

Os naturalistas contemporâneos de Mendel não compreenderam o seu grande mérito científico. Só em 1900, três investigadores redescobriram os seus trabalhos, de forma simultânea e independente. Foram eles o holandês Hugo de Vries, o alemão Carl Correns e o austríaco Tschermak-Seysenegg. Realizando estudos sobre variabilidade de plantas, ao lerem a obra de Gregor Mendel, reconheceram a sua importância para a interpretação dos dados que haviam obtido. As leis da hereditariedade foram redescobertas e divulgadas. Com cavalheirismo científico, aqueles investigadores resgataram o defunto monge do anonimato e elevaram-no à merecida condição de «pai das leis da hereditariedade».

José Batista d'Ascenção

quarta-feira, 23 de outubro de 2024

Botânica, Camões e Cultura, por Jorge Paiva


Em Camões, o sublime que engrandece.


Botânica, Jorge Paiva esclarece.


Cada um de nós disfruta e enriquece.



500 anos depois.


José Batista d'Ascenção

quarta-feira, 16 de outubro de 2024

Ainda há coisas boas no ensino

Um dos tempos de apoio (às minhas disciplinas) é às Quartas e começa a hora imprópria: 14.05 h.

Chegou afogueada, com quinze minutos de atraso, preocupada em justificar-se: a fila da cantina era longa, comeu à pressa, e viera directamente, de tal modo que deixara a mochila na biblioteca.

Sosseguei-a, disse-lhe que, se precisasse de algum material, podia ir buscá-lo e que, depois, me dava conta das suas dúvidas sobre a matéria. Tudo sem correr.

Pouco demorou. Trazia as dificuldades bem elencadas. Deu tempo para esclarecê-la e elogiar-lhe o esforço.

Não compareceu mais ninguém, afinal, o teste é “só” para a semana… Ela precata-se com tempo. Vai passar a trazer que comer de casa, para comparecer com mais frequência, disse-me, num sorriso aberto.

Ficou contente por se sentir esclarecida, agradeceu e despediu-se.

De nada, retorqui, e pedi-lhe para não ficar aflita – basta pedir ajuda.

Só, permaneci um minuto a saborear o gosto de me sentir útil – o troféu profissional que mais desejo.

Hoje foi um dia compensador.

José Batista d’Ascenção