sábado, 1 de novembro de 2025

“Patriotas” que desprezam a língua

Excerto de artigo de Pacheco Pereira, no jornal «Público» de hoje, página 10 da versão impressa:

…« esta deterioração da língua vem de cima para baixo, vem de quem tem poder no topo para terminar nesta cloaca de ressentimento e raiva [que são as redes sociais]. O Acordo Ortográfico de 1990 — a que, felizmente, quem gosta da sua língua e do seu país resiste —, para além de um desastre diplomático, uma nulidade em termos de “unificação” do português — posso, por exemplo, num processador de texto, escolher a opção “português de Angola” —, traduziu-se num abastardamento da língua. Esse abastardamento foi retirar-lhe a memória, eliminando os traços da sua origem no latim. Como disse também Pessoa: “A ortografia também é gente. A palavra é completa vista e ouvida. E a gala da transliteração greco-romana veste-ma do seu vero manto régio, pelo qual é senhora e rainha.”»

José Batista d’Ascenção

sábado, 25 de outubro de 2025

Quando os alunos gostam

Faz-se, aprende-se. Aprender sem fazer é conhecimento fragilmente ancorado.

Os meus meninos de 11º ano, deste ano, sabem (agora) bem as fases da divisão celular em que uma célula origina duas geneticamente iguais entre si e iguais à célula de que se formaram.

Sabem porque viram. Sabem porque olharam para as células a dividir-se. O procedimento prático é (aparentemente) simples, mas esbarra frequentemente com frustrações significativas e marcantes. Aconteceu-nos há pouco mais de oito dias: as cebolas que usámos, adquiridas no supermercado, de que queríamos obter os ápices das raízes em crescimento, praticamente não germinaram, após 72 horas a tocar com a base dos bolbos na superfície da água de um copo. Inibidores da germinação usados pelos comerciantes devem ter sido a razão. Uma decepção.

Vingámo-nos na quarta feira passada. A alternativa foi pedir aos meninos que trouxessem cebolinhas do “produtor” ou “biológicas” como eles lhes chamam. Repetido o processo, agora com experiência acrescida de manuseamento técnico, todas as fases do ciclo celular estavam visíveis em cada um dos seis grupos do turno primeiro e do turno segundo. Foi uma satisfação.

Entusiasmados, alguns quiseram repetir. Agradado, estimulei-os.

De imediato, enviei por eles um recado aos seus pais: «o professor ficou muito contente com todos; se algum encarregado de educação duvidar pode vir confirmá-lo em pessoa.»

E deixei que saíssem com a convicção de que este trabalho era bastante fácil.

Porque, com eles, foi. 

José Batista d’Ascenção

quarta-feira, 22 de outubro de 2025

Renego o que escrevi quando escrevi isto

É lá possível! Mas foi, não há dúvida, logo que me mostraram tive que aceitar. Apetece-me dizer que eu (escrevinhador) não era eu (professor). Publicamente o confesso.




Ora veja-se:




    “Polícia”

Alinhavar palavras num soneto

Enquanto os alunos fazem teste

Quebra-cabeças em que me meto

Para evitar que o vazio me moleste


Eu tão sem nada que fazer…

Tão inútil, nesta sessão de vigilância.

E eles tão aplicados, a sofrer!?

Mais um obstáculo, em percurso de errância…


Desejei que a todos corresse bem

E gostava de vê-los contentes ao sair

Mesmo calculando as dificuldades que têm


Porquê esta prova, fazê-los cair?

É assim que chegarão mais além?

Que termine o exame, vão-se distrair!


    No acto de vigilância, cerca das 10 horas do dia 05/06/1995, na Escola Secundária de Maximinos – Braga.

    Lido como “castigo” aos alunos retardatários na entrega da prova.

    José Batista d’Ascenção

quarta-feira, 8 de outubro de 2025

O “livro de instruções” dos seres vivos

Foto de Beatriz Coelho

Os seres vivos são feitos de pequenas unidades (estruturais e funcionais) chamadas células. As células executam miríades de funções biológicas, mediante reacções químicas que, no seu conjunto, constituem o metabolismo celular.

Embora complexas, as células são normalmente tão pequenas que não as conseguimos observar senão com um instrumento óptico chamado microscópio.

Mas como é governada cada célula? Como mantém ela as suas características e executa as suas funções?

Há nas células um suporte físico, bem acautelado, que contém o código do que elas são e do que fazem. É o material genético, uma substância química que dá pelo nome de “ácido desoxirribonucleico” (ADN na sigla em português e DNA na sigla em inglês).

Ora, o DNA pode extrair-se das células por processos “rústicos”. Uma só unidade distendida de DNA (uma molécula, em linguagem química) não é visível a olho nu, mas muitas juntas já o são.

Para isso separam-se e rompem-se as células (com uma trituradora, no caso das células vegetais, como as de polpa de quivi, por exemplo), destroem-se as suas membranas (usa-se detergente para desorganizar as gorduras – fosfolípidos – que, dispostas em bicamada, constituem todas as membranas biológicas), para libertar o conteúdo celular que contém o DNA.

Como as moléculas de DNA têm carga negativa à sua superfície (devido a grupos fosfato) e se repelem quando se aproximam, junta-se sal das cozinhas (NaCl) o qual, dissolvendo-se em água, fornece partículas carregadas, sendo que as positivas (os iões de sódio – Na+) neutralizam as cargas negativas do DNA, permitindo que as moléculas se juntem.

Basta, por isso, proporcionar um meio em que essas moléculas se aglutinem, o que é fácil: a um extracto celular aquoso junta-se etanol frio, em que as moléculas de DNA se reúnem juntinhas umas às outras. Formam-se então “flocos” claros bem visíveis no seio do álcool, que não são mais do que aglomerados de DNA.

Como no topo do tubo de ensaio da figura ao lado.

Foram os alunos da turma C do 11º ano da ESCA que fizeram. 

José Batista d’Ascenção

segunda-feira, 6 de outubro de 2025

Semear e florestar é urgente

Vai quente e seco este início de Outubro. Ditado antigo, do Alto Minho, dizia que «em Outubro pega tudo». Não é o caso agora. As temperaturas em média mais elevadas e a falta de humidade do solo não são, por enquanto, favoráveis à multiplicação das plantas em campo aberto.

Mas, tal como o ano passado, por esta altura (ver aqui), já temos bolotas para a sementeira de carvalhos alvarinho na estufa da Escola Secundária Carlos Amarante. As plantas (carvalhos, pinheiro manso e outras…) a semear em vasos serão, quando suficientemente crescidas, oferecidas a professores e alunos que as queiram plantar, com as indicações básicas dos cuidados na escolha do terreno, da época mais favorável e dos procedimentos básicos. Sobrando, serão entregues a serviços da Câmara Municipal, que as recolhem, e as distribuem ou plantam.

Portugal tem sofrido perda acentuada das suas florestas devido à tragédia dos incêndios sucessivos de cada Verão. Os topos das montanhas vão ficando desertos de coberto vegetal, com as rochas nuas expostas, e o que foi floresta passa a monocultura intensiva de espécimes como o eucalipto, que cresce rápido e proporciona algum retorno financeiro.

O problema da falta de árvores é o agravamento das condições ambientais: temperaturas em média mais elevadas, secas, ondas de calor que destroem as árvores substitutas, em idade muito inferior à que deviam alcançar, e novas plantações massivas com objectivos económicos imediatos ou... o abandono. Repetem-se ciclos que empobrecem a flora, a fauna, a beleza da paisagem, o rendimento e a disponibilidade de oxigénio. E vão aumentando os níveis de dióxido de carbono atmosférico, estímulo para novos aumentos de temperatura, ocorrência de fenómenos meteorológicos extremos e desertificação do interior do país, onde, fora dos tempos festivos, animados pelos emigrantes, parece não haver futuro para as pessoas.

E as crianças e os jovens, tantos deles dependentes dos dispositivos tecnológicos, não são suficientemente educados para a importância das árvores e das florestas. Nem em casa nem na escola nem na sociedade. Precisamos quebrar esta aparente inexorabilidade.

José Batista d’Ascenção

domingo, 14 de setembro de 2025

Os professores são velhos a partir de que idade?

Entre os professores (do ensino básico e secundário) quase não há jovens. Falta na classe docente a energia e a disponibilidade da gente nova e sobra o cansaço e a falta de optimismo de professores curvados ao peso de certo marasmo e decepção, mais do que à usura do tempo/idade. Estes, os mais velhos, são (somos) quase todos. Estão (estamos) entre os cinquenta e cinco e os sessenta e cinco anos e muitos deles (de nós) têm aspecto de (ainda) mais velhos. Mas não estão (estamos) irremediavelmente gastos. Prova-o o rejuvenescimento “automático” de quantos aguentam o suficiente para “saltarem” para a aposentação antes de atingirem o ponto de não retorno da ruína física e/ou psicológica. E são muitos, felizmente.

O “convite” a que permaneçam no activo para além da idade da reforma convence percentualmente poucos, e esses poucos talvez não se mantenham na profissão ou regressem a ela propriamente por se deixarem convencer…

A carência de professores vocacionados, motivados e bem preparados devia dar que pensar. A profissão, que é em si muito bela e nobre, não o é na prática. E pagamo-lo caro. Demasiado caro. Quanto, não me perguntem.

Eu estou relativamente perto do fim do percurso. Agradeço aos muito bons professores que tive o privilégio de ter e aos bons colegas com quem trabalhei e trabalho. E felicito os que no presente estão merecidamente na profissão.

Inspirado nuns e apoiado noutros tentarei levar a bom termo mais um ano lectivo.

Os alunos merecem-no.

José Batista d’Ascenção

terça-feira, 9 de setembro de 2025

De novo na grelha de partida

Primeira metade de Setembro e as sensações tradicionais de ansiedade e expectativa. Depois da acalmia socioprofissional dos docentes, no ano lectivo passado, as bases e o trabalho concreto nas escolas pouco se alteraram.

Há alunos sem algumas aulas, o que não atesta bom trabalho governamental nas décadas recentes, o sucesso dos alunos é em grande parte fictício, a inflação de notas parece não ter antídoto, a prática obscena de copiar alastra como se fosse um direito (facto ignorado por muitos e desvalorizado por não poucos pais…), o barulho nos corredores e nas aulas é um obstáculo à aprendizagem, o uso indevido dos telemóveis é difícil de conter, etc. Tudo isto e não só limita a eficácia da escola, enquanto factor imprescindível de preparação e formação, que começa logo na bizarria de cada disciplina não ter um programa bem definido, e de termos de nos amanhar com umas «aprendizagens essenciais» vagas e artificialmente interligadas…

A burocracia infernal, que os professores, com algum “stress”, agravam (acrescida, por esta altura, das bolandas da «cidadania», que redundará, provavelmente, em águas de bacalhau), enforma o ramalhete do desconsolo.

Porém, há alunos que querem aprender e que os pais prepa(ra)ram para frequentar utilmente a escola. E todos os outros têm o mesmo direito. Aqueles são uma lição e um bálsamo e um estímulo. Por eles e com eles, é nossa obrigação conquistar os demais ou, pelo menos, tentá-lo por todos os meios.

Partamos.

José Batista d’Ascenção