Com o fim de Agosto, aproxima-se o término do Verão, que aos alunos acaba a parecer longo, aos pais se afigura uma eternidade e para os professores constitui uma preocupação retomada. É o tempo do regresso à Escola, com os custos próprios do recomeço.
Aparentemente, os estudantes frequentam as aulas com um grande à-vontade, os bons alunos com a determinação de aprender e com a consciência de que têm que aplicar-se mesmo nas disciplinas que não são as suas preferidas, e alguns dos menos bons alunos com a descontracção, por vezes excessiva, que deriva de tanto lhes interessar que seja assim como assado, ignorando a sua responsabilidade perante os pais, que nem sempre os acompanham de perto, e assumindo que os professores os não intimidam, seja na exigência de atenção e de estudo, seja no cumprimento das convenientes normas de disciplina. A todos eles, porém, não é indiferente o início do ano lectivo. Na realidade, o regresso às aulas traz motivos de ansiedade para a generalidade dos alunos, especialmente para os mais pequeninos ou grandinhos que vão para a (ou para uma) escola pela primeira vez. Para jovens com idades entre os 11-17 anos, que ingressam numa nova escola, particularmente se não integrados em grupos ou, pelo menos, com alguém conhecido, os primeiros contactos, em particular para os mais tímidos, podem ser dolorosos. Conhecer e afeiçoar-se a novos espaços, colegas, funcionários e professores pode trazer dificuldades de monta, com uma dimensão que só os próprios conhecem, mas que não é pequena… nem simples.
Os pais, quando têm trabalho, e nenhum deles fica em casa, terminado o mês das férias, preocupam-se com o acompanhamento dos filhos que, dormindo as manhãs, ficam o resto dos dias agarrados aos dispositivos tecnológicos ou circulam ou frequentam espaços que estão (ou que eles sentem que estão) fora do seu controlo. E na situação dramática em que os pais estão desempregados, esse facto tenderá a agravar alguma tensão com a presença constante dos filhos em casa, num ambiente nem sequer favorável a uma saudável partilha das tarefas domésticas. Em qualquer dos casos, as condições podem não ser propícias ao diálogo fácil entre gerações, cavando algum afastamento entre os mais velhos e os mais novos. Já nem se fala dos avós, muitos dos quais vivem dias de solidão, afastados (fisicamente) de filhos e netos, havendo também os que passaram à condição de pais dos filhos dos filhos, os levam e trazem da escola e lhes preparam e servem as refeições. Uma sorte, nestes casos, cuja importância nem sempre é devidamente valorizada pelos adultos (pais), excepto quando esse bem inestimável, pela lei da vida ou por outros factores, se interrompe. Também estes avós se tornam mais imprescindíveis em tempos de aulas, quando há que retomar horários e adquirir rotinas.
Os professores (aqueles que ainda o podem ser…) terminam cada ano lectivo a almejar pelas férias, acalentando a esperança de que vão descansar e retemperar forças e ânimo, que viram minguar cada dia e cada semana dos meses anteriores. É muito difícil ser professor na actualidade. A profissão está muito desvalorizada aos olhos de todos (até dos próprios…) e o esforço que os docentes despendem rouba-lhes energia e ânimo, quantas vezes recorrendo a antidepressivos para poderem continuar. Com uma formação em psicopedagogia a roçar o “romantismo”, cedo os professores percebem que as exigências do ofício obrigam a recursos e procedimentos que não constam dos “manuais”. Para os docentes que pertencem aos lugares do quadro, a vida parece facilitada, mas as aparências iludem. Muitos professores com mais de 30 anos de profissão sentem-se sozinhos, a cumprir ordens e legislação em que ninguém acredita, normalmente para se obterem estatísticas (mais ou menos caseiras) em que se acredita menos ainda. A estes professores nem o cumprimento dos programas curriculares lhes serve de refrigério, tão pouco importante parece ser a boa leccionação de conteúdos concretos: a “boa imagem” de um professor na escola pode passar ao lado da qualidade das aulas que dá, o que não se compreende!
Os docentes mais jovens, cuja energia, disponibilidade e actualização de conhecimentos é fundamental para a vitalidade e eficácia das escolas, têm um papel (muito) mais difícil ainda do que o dos professores mais velhos. Desde logo a incerteza sobre se vão e onde vão ser colocados. O ano passado, a minha colega Paula C. fazia diariamente um pouco mais de 100 Km para vir trabalhar e outros tantos para regressar a casa. Levantava-se cedíssimo para deixar preparado o necessário para um filho criança, que, nos dias úteis, só via acordado, durante poucas horas, à noite. Estes professores, quando são colocados, como os seus horários são os últimos a serem compostos (é necessário, anteriormente, distribuir o serviço pelos recursos humanos fixos…) frequentemente ficam com várias disciplinas e com os tempos lectivos “espalhados” no horário, o que implica esforço acrescido. Há ainda o inconveniente terrível de só muito em cima da hora saberem o que vão leccionar, facto que pode tornar-se ciclópico, em termos da necessária preparação. Se a isto juntarmos a eventual necessidade de procurar alojamento, o quadro torna-se muito complicado.
Chegada a abertura das aulas há sempre, da parte dos professores, a expectativa de como serão e como vão reagir os alunos (nos casos em que não há continuidade). E da parte dos alunos passa-se algo da mesma natureza. Este misto complexo de relações inicia-se e desenvolve-se num universo intrincado de linhas psicopedagógicas a que os funcionários, os pais e a direcção das escolas podem ser quase alheios. De alguma forma é um “corpo a corpo” que dói, de modo particular, a cada um, mas em que cada qual se pode reinventar, em momentos compensadores. Potenciar esses momentos, é mister dos professores.
Vem aí o novo ano lectivo. Saibamos vivê-lo, construí-lo e merecê-lo:
- os alunos e seus pais;
- nós, os professores e a Escola.
José Batista d’Ascenção
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