terça-feira, 25 de abril de 2017

A (boa) formação que os professores pagam e que frequentam dispondo do que poderia (e deveria) ser o seu tempo de repouso (ou de preparação de aulas e testes, etc. …)

Em meu entender, a formação contínua de professores do ensino básico e secundário tem sido genérica e globalmente fraca, parece(-me) não ter dado frutos apreciáveis e talvez, até, em certos casos, tenha sido propagadora daquilo que, em extensão do conceito, me atrevo a apelidar de «pseudociência».
Mas não é sempre assim, felizmente. No passado fim-de-semana, decorreu em Coimbra o VII congresso da APPBG, subordinado ao tema «Tectónica de Placas», em que interveio um naipe de conferencistas e guias de visitas de campo do mais fino escol de que o país dispõe.
O primeiro interveniente foi o Professor Galopim de Carvalho que começou pela condição primeira: os professores devem servir para ensinar e é preciso ensinar bem, porque as crianças e jovens interessam-se e entendem, se o fizermos com a qualidade e paixão de que os professores são capazes, se os programas forem de molde a permiti-lo, se as tarefas burocráticas deixarem de esmagar os docentes, se os exames não contemplarem perguntas que ele próprio, Galopim de Carvalho, não percebe bem o que pretendem, assim como não entende a necessidade de recurso a ratoeiras inqualificáveis, etc. Na sua linguagem de rara clareza e incisão, tão diplomática e afectiva quanto cristalina e dirigida, soube pôr os pontos nos is como mais ninguém faria, o que fez explodir em palmas os muitos professores presentes.
Outro veterano, da área da biologia, da botânica, concretamente, o Professor Jorge Paiva, o único especialista vindo de fora da geologia, proporcionou uma conferência em que a fitogeografia surgiu muito bem relacionada com a deriva continental, de forma tão curiosa quanto interessante.
O dia de sábado foi muito bem preenchido desde as nove da manhã até ao fim da tarde, com almoço (rápido e bom) no local, sempre com o tempo a faltar para os palestrantes satisfazerem o interesse dos participantes. Não foi tempo perdido, nem os professores esmoreceram na sua vontade de aprender.
O dia de domingo, 23, foi dedicado a visitas de campo, três à escolha: à Península de Peniche, ao Maciço Calcário Estremenho e ao Anticlinal de Valongo e praias de Lavadores (V. N. Gaia).
Porque me ficava a caminho de casa, optei pela Visita a Valongo, guiada pelos Professores António Guerner Dias e Maria Anjos Ribeiro, do Departamento de Geociências da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto.
Esta visita iniciou-se pela exposição “No rasto das trilobites”, patente no Museu Municipal de Valongo, onde vai ficar vários meses e pode ser visitada por alunos das escolas secundárias. De seguida, subiu-se ao alto de Sta Justa, onde pudemos observar os quartzitos puros, mais resistentes à erosão, com filões de quartzo e “manchas” de óxidos de ferro e vazios cúbicos (com arestas na ordem de 1 cm) resultantes da meteorização e erosão dos cristais de pirite que os ocupavam, possivelmente os três indicadores da presença de ouro de que os romanos se serviram para situarem as diversas minas que exploraram na região.
«Fojo das Pombas»
Foi uma dessas minas (às dezenas), a do «Fojo das Pombas», que visitámos a seguir: devidamente equipados, com capacete e lâmpada, com uma guia bem preparada, descemos por galerias, corredores e poços, a dezenas de metros de profundidade, de onde avistámos poços mais profundos ainda. Estas minas são visitáveis, mediante marcação através da câmara municipal, tendo que aguardar-se até haver número de visitantes que o justifique (mais ou menos dez pessoas de cada vez).
Atrasados, porque os professores queriam ver, ver, ver e saber, saber, saber, passaria das 14.30 h quando fomos almoçar. Com alguma pressa, porque era preciso ir à praia de Lavadores, um museu e laboratório natural com os três tipos principais de rochas: sedimentares, metamórficas e magmáticas, ali, cheias de «pormaiores» reveladores da sua formação (e deformação, no caso das metamórficas), muito bem explicitados pelos excelentes guias que nenhuma curiosidade manifestada deixaram por esclarecer.
Praia de Lavadores - O Prof. Guerner explica...
Mas o tempo fugia. Seriam 18.00 horas e havia quem tivesse que chegar a Portimão ou a Chaves, para preparar a trouxa, dormir e estar a dar aulas às 08.20 h de ontem. Eu era um desses, mas estava em casa às 19.30 h, depois de deixar a colega Manuela Miranda na estação rodoviária de Braga, a mascar umas bolachas, fazendo tempo para apanhar o autocarro das 20.30 h para Chaves. E estava contente, a Manuela. Como eu. E os três blocos de noventa que encaixei na manhã de ontem, com os meus alunos de 10º ano, pareceram-me até menos difíceis de conduzir do que habitualmente.
Ficou-me um pouco cara, esta «acção de formação», mas valeu bem o dinheiro.
À APPBG, aos «formadores» e aos colegas «formandos», especialmente àqueles com quem na juventude me formei e que revi, depois de décadas, deixo um abraço sentido de parabéns, amizade e agradecimento.

José Batista d’Ascenção

PS: Hoje é uma data especial, de grande significado para mim. O escrito que antes redigi fica também como homenagem minha ao 25 de Abril, o Dia da Liberdade.

segunda-feira, 24 de abril de 2017

Congratulações a alunos que são algo mais que (simples) alunos, no caso, pela participação nas olimpíadas da biologia.

Conheceram-se no final da semana passada os resultados da participação dos alunos das escolas portuguesas na segunda eliminatória das olimpíadas da biologia. Na escola Secundária Carlos Amarante (ESCA) – Braga, apuraram-se «para a grande final que decorrerá no dia 06 de Maio na Universidade de Trás-os-Montes e Alto-Douro (UTAD), em Vila Real», dois alunos de 12º ano de escolaridade: a Maria Soares Marques Figueiredo Portela, reincidente nestas andanças, que o ano passado, em Setembro, foi ao Brasil e trouxe para Portugal uma medalha de prata, e o João Ricardo Alves Coelho.
Estão de parabéns, a Maria e o João e os professores que lhes têm ensinado biologia. Está igualmente de parabéns a ESCA e os professores organizadores da participação nas olimpíadas.
Na ESCA, muitos alunos têm participado com sucesso em actividades científicas diversas, por exemplo na Universidade do Minho e em encontros de robótica, de drones, etc., o que muito os enriquece, servindo também como exemplo e estímulo para os restantes. Isto é tanto mais importante quanto, a todo o momento, temos notícias de acontecimentos tristes nas escolas e fora delas, às vezes no estrangeiro…, protagonizados por alunos a quem os pais, os professores e a sociedade em geral, não foram capazes de incutir certos valores de elevação e de dignidade desejáveis… As chamadas “praxes” universitárias” são outro exemplo deplorável, e às vezes macabro, da animalidade que parece contaminar até o que deviam ser os cérebros escorreitos dos nossos alunos mais bem preparados. Atenção, sublinho o “parece”, porquanto os alunos realmente bons são injustamente metidos no caldo, quando, simplesmente, não são normalmente eles que estão envolvidos em comportamentos soezes, de que a sensibilidade e a inteligência, naturalmente, os afastam.
No caso específico da participação dos alunos da ESCA nas olimpíadas da biologia, considerando o número relativamente elevado de inscritos e os resultados que têm sido obtidos, há sério e fundamentado motivo de reflexão para matérias como a desejável adequação das provas dos exames nacionais de biologia e geologia: objectividade e clareza das questões, respeito pelo âmbito dos programas, definição de critérios de classificação, atribuição de cotações e, até, a operacionalidade do processo concreto de «correcção» dos exames (a cargo de certos professores «condenados» gratuitamente a essa função), exames cuja concepção é, aos meus olhos, altamente criticável (apesar de eu ser, desde sempre, defensor da existência de exames). E não é porque os testes das olimpíadas da biologia sejam absolutamente irrepreensíveis ou que não contenham questões que possam escapar ao definido nos programas (o que, neste caso, até se compreende, já há alunos que sabem mais, há sim senhor!), mas porque demonstram cabalmente que é possível e desejável, tanto quanto é necessário, melhorar os exames nacionais de biologia e geologia, os quais, mais que revelar que os alunos não estão preparados ou que os professores não são (suficientemente) competentes, mostram também, ou principalmente, que as pessoas e entidades responsáveis pela sua elaboração pertencem (aparentemente) a uma galáxia diferente daquela em que se situam e funcionam as escolas e os alunos.
E não havia necessidade…

José Batista d’Ascenção

segunda-feira, 17 de abril de 2017

O MOCHO, A PEGA E O PAPAGAIO FALAM DE MINERAIS, ROCHAS E FÓSSEIS


Por A. M. Galopim de Carvalho


Apresentação de um projecto

Era sempre ao fim da tarde, no grande Jardim Zoológico. 
Nos meses em que os dias são mais compridos, entre o fechar dos portões e a hora em que o sono os transportava para a manhã seguinte, o mocho, a pega e o papagaio tinham artes de sair das prisões de rede, onde passavam a maior parte do seu tempo, para se juntarem em animadas conversas. 
O local de reunião era um daqueles recantos destinados às merendas dos visitantes que preferem comer ali o farnel que traziam de casa. Os restaurantes são caros e só os mais endinheirados é que aqui satisfaziam o apetite, sempre muito, nestas visitas. Um pouco afastados do bulício, estes locais, com mesas e bancos de pedra à disposição do público, tinham para estas aves o atractivo de, ao fim de um dia de visitas, ficarem cheios de restos de comida, não só nos contentores ali colocados para os receber, como descuidadamente deixados sobre as mesas ou caídos no chão.
Ali reunidos, o mocho, a pega e o papagaio não estavam sós. Tinham uma audiência variada, em que havia melros, pombos, pardais frequentadores do mesmo jardim, mas gozando do privilégio de serem livres. Faziam ali os seus ninhos e tocas, nas muitas árvores à sua disposição, não lhes faltava comida e podiam sair se e quando quisessem. Também eles poderiam escolher a liberdade e transpor os muros que os isolavam da cidade. Tinham asas, era fácil fazê-lo. Mas o problema era o das refeições que, ali, tinham sempre a horas certas. Não eram como os pombos, os melros e os pardais, há muito adaptados à vida urbana. Além das aves, também ali apareciam, em busca dos já referidos restos de comida, esquilos, lagartos, lagartixas e, até, uma toupeira.

Apanágio da sua espécie, o mocho desta ficção é uma ave muito inteligente, lê tudo o que seja livros de divulgação científica. Tem um interesse muito especial pelas ciências da Terra, fala com propriedade do muito que sabe e, como um professor que se preza, gosta de ensinar. A pega e o papagaio não lhe ficam atrás em dotes intelectuais. Ela lê muito menos, gosta mais de aprender pela experiência e ouvindo falar quem sabe. Ele, praticamente, não lê mas não pára de falar. Fala, fala, fala mesmo daquilo que não sabe. Foi assim que a natureza o criou em terras do Brasil. Tem muito respeito pela sabedoria do mocho e ouve-o sempre com muita atenção e interesse.
- O meu nome vulgar é mocho-galego, mas os cientistas referem-se a mim pelo meu nome em latim, Athene noctua (Scopoli, 1769) – Começou esta ave a conversa com os seus companheiros. - Sou um animal nocturno mas gosto de observar o crepúsculo.
- O crepúsculo? O que é isso? – Perguntou, de imediato, o papagaio.
- O crepúsculo – adiantou-se a pega – é este lento escurecer do fim do dia e do começo da noite.
- Continuando, – retomou o mocho a sua apresentação - sou um dos muitos representantes da fauna portuguesa e os meus semelhantes estendem-se pela Europa, grande parte da Ásia e pelo Norte de África. Alimento-me da bicharada que consigo apanhar, entre insectos, lagartixas, pequenas cobras, outros passarinhos e ratinhos do campo. Só falta dizer que a minha espécie faz os seus ninhos em tocas nas árvores, em rochedos ou, se for preciso, num velho edifício abandonado e em ruínas.
- Eu sou a pega-rabuda. Sou aparentada com os corvos, mas mais pequena. E tenho estas manchas brancas no peito e nas asas que me distinguem deles, que são todos pretos como o carvão. A minha espécie tem a mesma distribuição geográfica que a do nosso amigo mocho e, além disso, ocupa ainda a parte ocidental da América do Norte.
- Mas também tens nome científico. – Interrompeu o mocho.
- Claro que tenho. Chamo-me Pica pica (Lineu, 1758) e, calcula tu, que pelo facto de eu comer de tudo, dá-se o nome de “pica” a uma doença que refere o comportamento anormal de certas pessoas que comem coisas que não são de comer.
- Quando dizes que comes de tudo, que tudo é esse? – Perguntou o papagaio.
- É muita coisa. São insectos, ratinhos do campo, ovos que procuro nos ninhos de outras aves, sementes de cereais e outros alimentos de origem vegetal. Vivemos, de preferência em zonas agrícolas, mas também em parques e jardins como este. E tu? - Virou-se ela para o papagaio. – Também tens nome em latim?
- Claro que tenho. Sou o Amazona aestiva (Lineu, 1758) fui trazido da Amazónia, no Brasil, e sou conhecido em todo o mundo porque posso aprender a falar como as pessoas.
- E tu sabes quem é que te deu esse nome? – Interrompeu o mocho.
- Não faço ideia, mas gostava de saber. E também gostava de saber porque é que tenho de ter um nome em latim
- Este teu nome, o da pega e os de uma grande quantidade de animais e plantas foram dados por um naturalista e médico sueco do século XVIII, de nome Carl von Linné, muito citado nas escolas portuguesas por Lineu, o seu nome dito e escrito em português.
O meu foi proposto pelo naturalista e médico italiano, do século XVIII, Giovanni Antonio Scopoli.
- Dizem-se naturalistas, porque estudavam ciências naturais. - Acrescentou a pega, toda interessada na conversa.
- Sim, mas das ciências naturais só se interessou verdadeiramente pela botânica e pela zoologia. – Continuou o mocho. - Como era hábito entre os cientistas desse tempo, os resultados dos seus estudos eram apresentados em textos eruditos, geralmente escritos em latim e até o seu próprio nome tinha uma versão na língua clássica dos romanos. É por isso que aparece muitas vezes referido como Carolus Linnaeus.
- Lineu – adiantou-se a pega – é considerado o pai da taxonomia e da nomenclatura binomial de plantas e animais ainda em uso. 
- Espera lá. – Interrompeu o papagaio, aflito com tantos nomes desconhecidos. – Explica lá o significado desses palavrões.
- Taxonomia é uma palavra erudita, de origem grega, que quer dizer classificação. Pensa no nosso caso, todos os três somos seres vivos. Certo? De entre os seres vivos somos animais, não somos vegetais, que são um outro grande grupo. Entre os animais há os vertebrados e os invertebrados. Nós somos vertebrados e diz-se assim porque temos vértebras. Os invertebrados são os insectos e as aranhas os caracóis e muitos outros. Estás a seguir o raciocínio?
- Sim, podes continuar.
Em linhas muito gerais, posso dizer que no grupo dos vertebrados estão os peixes, os batráquios, os répteis, as aves, que somos nós, e os mamíferos, cinco grandes grupos ou classes, como é mais correcto dizer. Todas as classes se dividem em ordens, as ordens em famílias, as famílias em géneros e os géneros em espécies. Nós pertencemos à mesma classe mas somos de famílias e géneros diferentes. Eu sou da família Corvidae e do género Pica, tu és da família Psittacidae e do género Amazona e aqui o nosso amigo mocho, é da família Strigidae e do género Athene. Não interessa que decores estes nomes, Só os cito para exemplificar o que expliquei sobre a taxonomia.
- E nomenclatura binomial? O que é isso?
- Nomenclatura binomial é o conjunto de normas que regulam a atribuição de nomes científicos às espécies de animais e plantas. Diz-se binominal porque, como o termo indica, cada espécie é identificada por dois nomes: o nome do género seguido do que designa a espécie. O meu nome completo é Pica pica, o teu é Amazona aestiva e o deste nosso mestre é Athene noctua.

Feita a apresentação dos três principais protagonistas desta ficção, iremos conhecer, em próximos textos, as conversas que travam entre si e com os seus interessados espectadores.

Afixado por José Batista d'Ascenção

terça-feira, 11 de abril de 2017

As famílias, as escolas, a sociedade e a educação de crianças e jovens

Imagem obtida aqui
Longe do país, sentimo-nos mais portugueses, por olharmos para nós e para os outros de forma mais contrastante. Tinha prometido que durante estes dias nada escreveria que envolvesse os alunos e a escola. E resisti à tentação, até agora... Há já muitos anos (antes do fim do milénio passado), aceitei ir com uma turma de alunos de Braga a Coimbra. Aceitei com relutância, porque me havia apercebido de que a motivação (fortíssima) dos alunos estava não nos pontos de interesse da «lusa Atenas», do Buçaco, etc., mas em passar uma noite fora. Cheguei a propôr que algum pai acompanhasse a visita, o que os pais acharam muito bem, mas causou olhares transtornados de vários alunos… Fui, tentei cumprir eficazmente as minhas funções, mas, por volta da uma da manhã, deitei-me e dormi a sono solto até às sete. Quando desci havia um movimento desusado na zona de recepção e alguém do hotel, contrariado, queria falar comigo: timidamente, pretendia dar-me conhecimento de várias reclamações de hóspedes que se queixavam de que não haviam dormido. E alguns dos reclamantes permaneciam por ali, a extravasar fúria, cheios de vontade de me relatar pormenores que não tinha vontade de ouvir. De momento, procurei manter a calma, e disse-lhes que levaria para dar conhecimento na escola qualquer reclamação por escrito que me apresentassem.
Funcionou. O responsável veio tempo depois trazer-me um papel timbrado com dois parágrafos de reclamação, sendo que um deles referia que os professores acompanhantes (eu e uma colega) tínhamos sido cumpridores na nossa função (era preocupação sua que não nos acontecesse nada a nós, professores…).
Verifiquei logo de seguida e durante o dia que quem não devia ter dormido nada foram alguns (bastantes) alunos. À passagem pelo Buçaco, muitos deles dormiam como pedras, esparramados nos bancos, motivo por que não viram o palácio, nem o jardim nem a mata…
Na escola, a direcção respondeu ao hotel, apresentando desculpas, e deu-se conhecimento aos pais. A preocupação destes (dos que se pronunciaram…), mais que a dos meninos, que pouco se importaram com o assunto, era referir o facto incomum de um hotel se dar ao desagrado e à inconveniência de reclamar, tanto mais que não havia estragos materiais. Quando informei que fui eu que sugeri a reclamação, como forma de matar um problema do momento, não pareceram muito entusiastas do procedimento.
Desde então deixei de ir a visitas de estudo que não caibam entre as sete da manhã e o fim da tarde, de modo a serem feitas num só dia. E mesmo essas, poucas, porque há cada vez mais alunos que supõem que podem viajar em cantorias gritadas em calão, como se professores e motoristas não viajassem com eles. E acham isso normal(íssimo), assim como acham bizarro que alguém exija mínimos de decoro.
Vem isto a propósito de notícias do que se terá passado recentemente em Espanha com um milhar de estudantes portugueses. O que quer que tenha acontecido de mau não me espanta. As famílias, primeiro, a sociedade em geral e as escolas em particular, deixaram-se cair numa situação pantanosa de irresponsabilidade comportamental que as crianças absorvem como esponjas. Elas são como nós as (des)educamos. E manifestam-no descontraidamente, parecendo, nalguns casos, desconhecer completamente as normas mais elementares de civismo, correcção e delicadeza. 
Por outro lado, a ganância de alguma unidade hoteleira a querer ficar com o dinheiro das cauções, também não me parece de todo improvável, dada a rapacidade do negócio e a competição subjacente. Opinião não muito favorável estendo a certas agências de viagens que estimulam os jovens a exigir dos pais estes passeios, em que alguns aproveitam para extravasar instintos e impulsos. E depois há os pais, que gostam sempre de reunir (ainda que inconscientemente) todos os elementos que provem que os seus filhos (afinal) não fazem nada de anormal. [Aqui, aproveito para deixar um desabafo: ainda bem que os professores não participam nestas excursões, mesmo acabando indirectamente afectados na sua imagem, assim como as escolas do país: é inevitável, e só impressiona quem não as frequenta diariamente]
Pensava nisto ontem, quando, nas proximidades de uma escola de crianças pequenas em Sion, na Suíça, às oito da manhã, observava a desenvoltura com que duas meninas maiorzinhas, acompanhadas de um adulto, estavam uma num lado da passadeira e a outra no outro, levantando sinais de trânsito para que os automobilistas parassem quando algum dos pequeninos que chegavam, acompanhados pelos pais, iniciava a travessia até à porta da escola. E ali permaneci uns minutos, observando os carros a afrouxar e a parar, como se na sua frente estivesse a autoridade. E gostei de ver.
Ora, no meu país, isto também devia poder ser possível. Mas, ai!, e se fosse um filho meu, tão pequeno, que fosse para a rua regular o trânsito? Não me daria alguma raiva paternalista, ou um protesto furioso pelo perigo que corria? Pergunto, e não sei responder. Eu, que sou e me sinto português retinto.

José Batista d’Ascenção