terça-feira, 11 de abril de 2017

As famílias, as escolas, a sociedade e a educação de crianças e jovens

Imagem obtida aqui
Longe do país, sentimo-nos mais portugueses, por olharmos para nós e para os outros de forma mais contrastante. Tinha prometido que durante estes dias nada escreveria que envolvesse os alunos e a escola. E resisti à tentação, até agora... Há já muitos anos (antes do fim do milénio passado), aceitei ir com uma turma de alunos de Braga a Coimbra. Aceitei com relutância, porque me havia apercebido de que a motivação (fortíssima) dos alunos estava não nos pontos de interesse da «lusa Atenas», do Buçaco, etc., mas em passar uma noite fora. Cheguei a propôr que algum pai acompanhasse a visita, o que os pais acharam muito bem, mas causou olhares transtornados de vários alunos… Fui, tentei cumprir eficazmente as minhas funções, mas, por volta da uma da manhã, deitei-me e dormi a sono solto até às sete. Quando desci havia um movimento desusado na zona de recepção e alguém do hotel, contrariado, queria falar comigo: timidamente, pretendia dar-me conhecimento de várias reclamações de hóspedes que se queixavam de que não haviam dormido. E alguns dos reclamantes permaneciam por ali, a extravasar fúria, cheios de vontade de me relatar pormenores que não tinha vontade de ouvir. De momento, procurei manter a calma, e disse-lhes que levaria para dar conhecimento na escola qualquer reclamação por escrito que me apresentassem.
Funcionou. O responsável veio tempo depois trazer-me um papel timbrado com dois parágrafos de reclamação, sendo que um deles referia que os professores acompanhantes (eu e uma colega) tínhamos sido cumpridores na nossa função (era preocupação sua que não nos acontecesse nada a nós, professores…).
Verifiquei logo de seguida e durante o dia que quem não devia ter dormido nada foram alguns (bastantes) alunos. À passagem pelo Buçaco, muitos deles dormiam como pedras, esparramados nos bancos, motivo por que não viram o palácio, nem o jardim nem a mata…
Na escola, a direcção respondeu ao hotel, apresentando desculpas, e deu-se conhecimento aos pais. A preocupação destes (dos que se pronunciaram…), mais que a dos meninos, que pouco se importaram com o assunto, era referir o facto incomum de um hotel se dar ao desagrado e à inconveniência de reclamar, tanto mais que não havia estragos materiais. Quando informei que fui eu que sugeri a reclamação, como forma de matar um problema do momento, não pareceram muito entusiastas do procedimento.
Desde então deixei de ir a visitas de estudo que não caibam entre as sete da manhã e o fim da tarde, de modo a serem feitas num só dia. E mesmo essas, poucas, porque há cada vez mais alunos que supõem que podem viajar em cantorias gritadas em calão, como se professores e motoristas não viajassem com eles. E acham isso normal(íssimo), assim como acham bizarro que alguém exija mínimos de decoro.
Vem isto a propósito de notícias do que se terá passado recentemente em Espanha com um milhar de estudantes portugueses. O que quer que tenha acontecido de mau não me espanta. As famílias, primeiro, a sociedade em geral e as escolas em particular, deixaram-se cair numa situação pantanosa de irresponsabilidade comportamental que as crianças absorvem como esponjas. Elas são como nós as (des)educamos. E manifestam-no descontraidamente, parecendo, nalguns casos, desconhecer completamente as normas mais elementares de civismo, correcção e delicadeza. 
Por outro lado, a ganância de alguma unidade hoteleira a querer ficar com o dinheiro das cauções, também não me parece de todo improvável, dada a rapacidade do negócio e a competição subjacente. Opinião não muito favorável estendo a certas agências de viagens que estimulam os jovens a exigir dos pais estes passeios, em que alguns aproveitam para extravasar instintos e impulsos. E depois há os pais, que gostam sempre de reunir (ainda que inconscientemente) todos os elementos que provem que os seus filhos (afinal) não fazem nada de anormal. [Aqui, aproveito para deixar um desabafo: ainda bem que os professores não participam nestas excursões, mesmo acabando indirectamente afectados na sua imagem, assim como as escolas do país: é inevitável, e só impressiona quem não as frequenta diariamente]
Pensava nisto ontem, quando, nas proximidades de uma escola de crianças pequenas em Sion, na Suíça, às oito da manhã, observava a desenvoltura com que duas meninas maiorzinhas, acompanhadas de um adulto, estavam uma num lado da passadeira e a outra no outro, levantando sinais de trânsito para que os automobilistas parassem quando algum dos pequeninos que chegavam, acompanhados pelos pais, iniciava a travessia até à porta da escola. E ali permaneci uns minutos, observando os carros a afrouxar e a parar, como se na sua frente estivesse a autoridade. E gostei de ver.
Ora, no meu país, isto também devia poder ser possível. Mas, ai!, e se fosse um filho meu, tão pequeno, que fosse para a rua regular o trânsito? Não me daria alguma raiva paternalista, ou um protesto furioso pelo perigo que corria? Pergunto, e não sei responder. Eu, que sou e me sinto português retinto.

José Batista d’Ascenção

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