terça-feira, 24 de outubro de 2017

«E o Azul se fez Homem», de João Alveirinho Dias

(Um livro particularmente útil para professores de biologia e geologia do ensino secundário, e não só…)

Fotografia com cores falsas de um zircão de Jack Hills,
na Austrália Ocidental, cuja datação sugere que tem cerca
de 4374 milhões de anos. Dimensões: 0,4 x 0,2 mm.
Por estes dias, fui lendo o livro «E o Azul se fez Homem. Parte I – A génese do Ambiente», publicado em 2015, em versão PDF descarregada do mural de João Alveirinho Dias na rede social «facebook».
Com um prefácio de comovente humildade, o autor faz um «pedido de desculpas» por usar «conhecimentos em segunda mão e, por vezes, incompletos». Pela minha parte, e depois de ter lido o que li, só tenho a agradecer, e muito, pela «síntese dos factos e das teorias» que tentam «integrar o somatório de todos os conhecimentos num conjunto unificado» em que o ser humano surge como elemento produto e pertença do planeta em que habita.
J. Alveirinho Dias faz uma viagem no tempo e nos acontecimentos que, à luz da ciência, podem ter ocorrido no planeta desde a sua origem, há cerca de 4570 milhões de anos, tentando «constituir uma síntese holística dos conhecimentos sobre o Ambiente e, portanto, sobre a Terra e, consequentemente, sobre o próprio Homem.» Ainda no intróito, Alveirinho Dias, seguindo a teoria Gaia de James Lovelock, refere de forma esclarecedora: «É errado pensar que existe o Homem e a Terra. [A Terra e o Homem] Não são entidades separadas; são uma e única entidade. O Homem é apenas uma das muitas partes integrantes desse sistema complexo que é a Terra. O Homem é apenas uma das 30 milhões de espécies que se estima existirem no nosso planeta, das quais apenas 3 milhões estão cientificamente classificadas.» E mais adiante, explicita: «é ponderoso que conheçamos bastante melhor (todos nós) o ambiente do qual dependemos, e tal só pode ser conseguido através da investigação científica, da circulação transversal das informações assim obtidas e do aumento da literacia científica da sociedade (incluindo, obviamente, a da classe politica e a da população em geral). Quanto melhor conhecermos o ambiente, mais correctos e acertados poderão ser os nossos procedimentos e, por conseguinte, maiores serão as garantias de manutenção dos princípios civilizacionais e da nossa existência.»
Daí por diante, seguem as referências ao modo como o planeta se formou, à origem da Lua, à deriva dos continentes, consequência da energia interna da geosfera, assim como à formação e evolução dos oceanos e da atmosfera. Tudo isso é relacionado entre si e com as primeiras manifestações de vida, a sua diversificação e aumento de complexidade ao longo do tempo, sem esquecer a menção de extinções em massa, como a que foi devida à progressiva oxigenação dos oceanos, em resultado do processo fotossintético, e as razões por que esse enriquecimento em oxigénio provocou a extinção de grande parte dos seres vivos existentes. Cada aspecto com o rigor científico possível, balizado no tempo por meio de datações radiométricas (ver figura acima, retirada do livro), e assente em propostas de explicação de fenómenos e processos, com base no estudo de meteoritos, de vestígios de glaciações, de camadas sedimentares, de fósseis, etc. Até «ao nascimento do “nosso” Ambiente», há cerca de 541 milhões de anos, tempo da «infância do ambiente que conhecemos e que estamos a modificar» perigosamente.
Vale muito a pena ler.
Fico à espera da parte II.
Obrigado ao autor.


Adenda: João Alveirinho Dias é, também, um artista de gabarito em matéria de desenho, revelando um traço “simples”, característico e muito original. Para dar uma ideia fica uma belíssima imagem do Alentejo saída da sua mão.



José Batista d’Ascenção

domingo, 22 de outubro de 2017

Sobre o ensino da Filosofia no ensino secundário

Texto amavelmente cedido pelo Professor Galopim de Carvalho, que aqui se publica com um sentimento de profunda gratidão

METER A FOICE EM SEARA ALHEIA

Porque tive um bom professor de Filosofia, em Évora, no 6º e 7º anos do Liceu (actuais 10º e 11º), António Hortêncio da Piedade Morais, mantive ao longo da vida um certo respeito por uma matéria que nunca aprofundei. Lembro-me de uma frase sua: “a filosofia é, sobretudo, a via que conduz o nosso cérebro ou a nossa mente a pensar sobre o pensamento” e é esta a noção que conservo desta disciplina. Percebe-se assim por que razão os filósofos são, muitas vezes, referidos como pensadores. 
Há dias tive curiosidade em passar os olhos sobre o programa oficial desta disciplina, no nosso ensino secundário, e uma das frases que li e que transcrevo: “Iniciar a discursividade filosófica, prestando particular atenção, nos discursos/textos, à análise das articulações lógico-sintácticas e à análise dos procedimentos retórico-argumentativos”, acentuou-me a convicção de que um discurso tão desnecessariamente rebuscado (que me mostra o elevado nível filosófico de quem o escreveu, mas me deixa dúvidas e perplexo no que respeita a sua qualidade pedagógica) faz fugir “a sete léguas” um qualquer adolescente. A mim, cuja idade pesa mais do que cinco adolescentes, foi o que me aconteceu, fugi.
Com boa vontade, podemos admitir que todos somos filósofos sempre que procuramos saber ou investigar algo, seja sobre minerais ou rochas, borboletas, literatura, castelos, gastronomia, pintura, planetas e satélites, jardinagem ou até mesmo futebol, moda ou tauromaquia. Tudo é sabedoria e tudo é, de facto, para os respectivos cultores, motivo de amor ou interesse. Mas o conceito académico de filosofia é algo mais profundo, a tratar por quem ganhou estatuto para tal. É, por assim dizer, uma sabedoria com uma longa história, vasta e complexa, que abarca a universalidade do conhecimento, que o questiona, explora e, tantas vezes, vai à frente dele.
Como disciplina dos programas escolares do ensino secundário, Filosofia é um ramo do conhecimento como qualquer outro. Afasta muitos alunos porque, como se viu, usa um vocabulário para eles erudito e hermético, fora do seu dia-a-dia. Na realidade, tem um “falar caro” que, se for “trocado por miúdos”, deixa de “meter medo”, passa a ter significado e, até, acredite-se, pelo menos para mim, tem beleza. 
Como filósofo que sou, no estrito sentido de gostar de saber coisas, das mais simples e vulgares, como levantar uma parede de tijolos, ao porquê das ondas de gravidade prevista por Einstein há 100 anos e agora, finalmente, descobertas, não resisto a “meter o nariz e espreitar” este maravilhoso domínio do génio humano.
Fique claro que não pretendo “meter a foice em seara alheia”. Não adquiri preparação académica em filosofia. Limito-me, pois, a procurar tornar acessíveis as leituras que a condição de “arrumado na prateleira”, na situação de aposentado, desde 2001 (há 16 anos, é muito tempo), me vão ensinando. 
Dada esta explicação que me desculpem os leitores mais letrados, professores e outros que, certamente, dispensarão, estas minhas incursões. Mas é que eu sei que são muitos os que esperam de mim estas conversas. E é a pensar neles que vou pondo aqui, todos os dias e “enquanto é tempo” (o horizonte de vida não permite dilatar o tempo), o que aprendi e continuo a aprender, bem como o que meditei ao longo da vida.

A. M. Galopim de Carvalho

Afixado por: José Batista d'Ascenção

sexta-feira, 20 de outubro de 2017

Obrigações fundamentais da Escola

Há quem, sem condições, se esforce quanto pode;
e quem, com boas condições, se recuse a esforçar-se
o que devia.
Imagem colhida aqui.
Em qualquer tempo, em qualquer lugar, há obrigações a que a Escola não pode eximir-se. As crianças, com alimento básico, roupa que vestir e tecto que as acomode mais ou menos confortavelmente, têm direito à frequência de ensino que as deve estimular e preparar para:
- compreenderem perfeitamente a língua materna (ancorada nas suas raízes…) e usá-la com proficiência, pelo que deve ser ensinada com empenho e rigor e… entusiasmo;
- conhecerem e compreenderem a sociedade e as suas origens, começando pela comunidade de pertença, para bem se integrarem, o que implica estudar história;
- aprenderem pelo menos uma língua estrangeira, para melhor comunicarem com o mundo, poderem viajar, adaptar-se a outras culturas e nelas, eventualmente, poderem viver e trabalhar;
- saberem raciocinar, questionar-se e questionar os outros, as instituições e as normas vigentes, o que não dispensa noções de filosofia e enquadramento em valores éticos pessoais e sociais;
- entenderem e apreciarem o funcionamento do mundo natural e dos mecanismos que lhes são intrínsecos, o que remete para conhecimentos básicos de ciências geográfico-naturais (geografia, biologia e geologia) e físico-químicas, as quais, suportadas no conhecimento matemático, permitem compreender os fenómenos regulares decorrentes das leis físicas que regem o planeta e o universo a que pertencemos;
- desenvolverem o gosto e a sensibilidade pelas artes: visuais, musicais ou outras;
- concretizarem com prazer a ideia de um corpo são com mente sã, através da prática de exercício físico e desporto.
Para além das áreas (mais ou menos) disciplinares apontadas, a Escola devia ainda ter como fundo um grande apego aos valores universais de cariz humanista e às grandes realizações culturais da humanidade, em quaisquer áreas: literatura, pintura, escultura, música, etc., etc. 
Podendo e não cumprindo as funções referidas, a Escola peca por negligência.
Mas poder-se-ia pedir isso tudo à Escola?
Em países minimamente desenvolvidos poderia, e não era pedir-lhe demais. Se lhe dessem as devidas condições. Se a Escola servisse para ensinar crianças, como devia servir, mediante a acção dos professores, que para isso foram (ou deviam ter sido) formados. Se fôssemos capazes de delimitar campos de responsabilidade, e se fossem muito bem definidas as funções que a Escola, mesmo que queira, não sabe nem pode desempenhar: acção social (condições de habitação, de alimentação, vestuário, acompanhamento da deficiência profunda, higiene sanitária), serviços de saúde (bem estar psicofisiológico, cuidados de prevenção básicos, tratamento da doença) e apoio psicológico em casos particulares (famílias desestruturadas, problemas de saúde mental, integração de emigrantes, emergências derivadas de catástrofes ou infortúnio, etc.). Se fosse assim, creio que os professores, pela sua parte, e na sua área, estariam à altura, e poderiam e gostariam de ser postos à prova. Mas seria pedir muito, eu sei.
Entre nós, nas condições existentes, lamentavelmente, para além daquela minoria de crianças e jovens que (cor)respondem bem, apesar das insuficiências do sistema escolar, em relação à maior parte dedicamos-lhe uma atenção tão pouco cuidada e ineficaz quanto o zelo com que tratámos as nossas florestas ao longo dos últimos quarenta anos.
Gostaria de morrer sem assistir a consequências mais penosas (ou dramáticas, para as pessoas e para o país), derivadas em parte do modo como crianças e jovens fazem o seu percurso – e o seu “crescimento” -  escolar, do que aquelas de que vou tomando conhecimento ou a que provo diariamente o amargor do sofrimento: veja-se, por exemplo, o que tem sido a acção (e os diplomas académicos e a impunidade) de muitos dos nossos (não muito idosos e bastante malformados) políticos…

José Batista d’Ascenção

domingo, 15 de outubro de 2017

Os alunos que tenho a sorte de ter este ano lectivo

Imagem obtida aqui.
Fez ontem um mês que se iniciaram as aulas. Já conhecia a quase totalidade dos meus alunos desde o ano passado. Conhecer os alunos com quem se trabalha é sempre um factor positivo e, no meu caso, um privilégio (de que não podem beneficiar os meus colegas que frequentemente saltam de escola em escola, atirados, por vezes, para lonjuras incríveis dos locais em que viviam e/ou trabalhavam, como aconteceu com os miseráveis concursos do último Verão).
Este ano sou um privilegiado, repito, e digo porquê: os meus alunos são gente boa, pessoas bem formadas que os pais (que eu não conheço…) educaram como deve ser. É um conforto lidar com jovens humildes, simpáticos, disponíveis e (quase todos) trabalhadores. Para além de mim, e muito antes de mim, mais pessoas lhes devem ter dito que a escola, mesmo (muito) imperfeita, como é, é uma oportunidade de oiro para se prepararem para a vida, para uma profissão (qualquer que seja), para o desempenho da cidadania e, muito importante, é também, especialmente para os mais pobres, a melhor via de melhorarem a sua condição social, ficando em Portugal ou procurando o estrangeiro, como tantos têm feito nos últimos anos (e ainda bem para eles).
Para além do empenho, enquanto dever estrito de cada aluno, é um conforto, para qualquer professor, a sensibilidade (logo que se aperceberam do pormenor de o professor não gostar de apagar quadros – há quem não goste, deste os tempos do giz de cal – este ano há sempre alguém, discretamente lesto, a poupar-lhe esse trabalho), a atenção (uns - bastantes - às matérias de estudo, durante e após as aulas, e todos a pequeninos gestos que tornam a convivência doce: dar conta, solicitamente, de algum pedido feito no fim da aula anterior, dirigir um olá ao professor distraído que segue pelos corredores, apanhar os papéis caídos no chão, não se esquecer de arrumar a cadeira sob a mesa no final de cada aula, etc.), a delicadeza e a amabilidade dos alunos (visíveis na forma como aguardam a entrada na sala, se relacionam uns com os outros e saúdam o professor que chega ou o modo como dele se despedem quando a aula finda, bem como a atitude no decurso de cada lição). Isto é o que devia ser normal e, por esse motivo, dispensar referência. Acontece que é também por essa razão que (infelizmente) deve ser referido.
Há, obviamente, as partes de que não gosto e que é preciso melhorar (e só restam oito meses para isso…). Um dia destes um grupo de vários alunos não fez o trabalho de casa - sim, há professores que não abdicam do trabalho de casa dos alunos, e não é para mal deles -, depois de decorrido tempo suficiente para o terem feito. Foi um desgosto (autêntico, sofrido) com fúria consequente (claramente transmitida, no momento), que teve efeito positivo concreto na maior parte deles (não em todos…). Eles próprios transmitiram (antes de mim) a falha à directora de turma que não os poupou ao correctivo merecido, que aceitaram bem. Cabe aqui realçar o bom trabalho dos directores de turma dos meus alunos deste ano, os quais ouvem com respeito e sem submissão os encarregados de educação, facilitando, e muito, a tarefa dos próprios pais e a dos professores e contribuindo para a boa formação e o melhor rendimento possível dos alunos. A eles, como aos pais dos meus meninos, também estou grato.
Outra coisa de que não gosto é que qualquer dos meus alunos não apresente alguma dúvida porque dá trabalho a explicar de novo ou - tenho essa impressão às vezes - para não “desgostar” o professor que já a explicou ou pediu a alguém que a explicasse mais que uma vez. Inaceitável é igualmente que algum aluno deixe de perguntar porque lhe dá trabalho a ele próprio a aprender…
Por isso, este ano, este pobre professor sofrerá mais ainda do que o costume caso algum aluno chegue ao S. João sem aproveitamento. Cada “nota” menos boa será (sentida como) uma “nota” má atribuída a si próprio e ao seu trabalho. Por consequência há que recorrer a todos os meios honestos e legítimos para evitar essa situação. As aulas de apoio são (mais) uma boa altura para esclarecer dúvidas e fornecer as explicações necessárias. Não faltará tempo, se não faltar a vontade.
Pelo menos da parte do professor e, seguramente, da maior parte dos alunos.
Obrigado.

José Batista d’Ascenção

terça-feira, 10 de outubro de 2017

A formação que os professores precisam mas não têm e aquela a que os condenam inutilmente

Há mais de ano e meio, eu e os meus colegas de grupo disciplinar esforçavamo-nos por fazer chegar ao centro de formação a que a nossa Escola pertence uma série de temas do âmbito específico dos programas que nos cabe leccionar (de biologia e de geologia), aproveitando o que pomposamente fora chamado de “plano de acção estratégica para o biénio 2016-18”, destinado a promover o sucesso escolar. Eram muitos e variados os temas que propusemos, tendo em conta alguns conteúdos que têm sido incluídos nos exames, mas que não constam dos programas vigentes e sobre os quais os professores precisam de actualização. 
Pois nem um só dos temas propostos foi acolhido!, provavelmente porque não há entre os formadores dos centros de formação quem esteja devidamente documentado… Contudo, não é crível que, procurando nas instituições de ensino superior – as entidades que têm indubitável credibilidade científica para actualizar cientificamente os professores do ensino secundário - não fosse possível subsidiar módulos ou pequenos cursos de frequência gratuita para os docentes.
Não obstante, decorreu até hoje, dia 10 de Outubro, o prazo de novas inscrições para formar professores classificadores de provas de exame, com pedido de que os professores se inscrevessem e solicitação às direcções para os estimularem nesse sentido. Hoje, último dia do prazo, foi dado conhecimento da prorrogação do mesmo até dia 13, talvez porque os professores não se interessa(ra)m…
Eu conto-me nesse número e digo porquê: Em tempos fui obrigado a participar em três dessas acções de formação que não só não me serviram para nada (não tiveram qualquer utilidade para a tarefa de classificação de provas, não me ajudaram a ser melhor professor, nem serviram formalmente para progressão na carreira, que está congelada), como ainda me fizeram prisioneiro da tarefa forçada, esforçada e gratuita de classificar provas em tempo de exaustão que entra por Agosto dentro (este ano a entrega das provas classificadas na 2ª fase fez-se no dia 03).
Sendo assim, dispenso(-me de) tal formação. Sem qualquer pena e com grande alívio. 

José Batista d’Ascenção

domingo, 8 de outubro de 2017

Sobre “a (in)utilidade do conhecimento escolar”, por Maria Helena Damião

In: Revista “Visão”, nº 1283, 5-11 Outubro de 2017

Segundo Helena Damião (HD), professora da Faculdade de Psicologia e Educação da Universidade de Coimbra, «são vários os países que se encontram a fazer mudanças no currículo» (…) fazendo «ressurgir questões antigas», entre elas: «o conhecimento a proporcionar às novas gerações: de que tipo deve ser? Como deve ser aprendido?»
Helena Damião diz que «tal como há um século, rejeita-se a tradição com a promessa de inovação, (…): centrada a educação na singularidade do aluno e no seu contexto, prevalece a procura do bem-estar subjectivo e da satisfação imediata, que é também superficial (…) A orientação dessas reformas é preparar seres individualistas, empreendedores em si mesmos, competentes e competitivos num mercado de trabalho incerto» (…)
Diz também que «para certos decisores, académicos e outros agentes (…), essa meta traduz o ideal “humanista” (…) adiantando que, «porém, o que se consolida é uma “humanidade sem humanidades” na expressão do filósofo F. Savater que assinala «o perigo de a história, a filosofia, e a literatura desaparecerem da escola, e de seguida, da nossa cultura.» HD inclui na lista «línguas e artes, bem como vertentes das ciências e da matemática a que não se veja aplicação tecnológica e rentabilidade financeira.»
E pergunta: «Que conhecimento resta então para aprender na escola?», respondendo de seguida: «De modo [a] que o aluno possa desenvolver “competências” tem de ser o “essencial”, afirma-se nos textos das reformas. Esse “essencial” é o funcional e, cada vez mais, o “politicamente correcto”. Impõe-se um “núcleo curricular” formado por matemática, duas línguas e algumas ciências, trespassado por uma componente de cidadania, que, apesar do nome, está longe de o ser. Associa-se-lhe a equívoca ideia de que o aluno é activo, capaz de construir o seu próprio conhecimento se tiver oportunidades de realizar projectos relevantes no quotidiano e se estiver em ambientes agradáveis, nos quais prevalecem metodologias lúdicas, tudo podendo descobrir através de pesquisa» (…) [negro carregado da minha responsabilidade, para sublinhar o que considero ser um engano monumental e deliberado com consequências muito negativas, sobretudo para os alunos filhos das pessoas mais pobres, a quem é mais difícil detectar as falácias da escola e procurar antídotos eficazes contra a sua acção perniciosa].
Continuando, HD invoca livros, artigos e manifestos de pessoas e grupos «preocupados com a progressiva e concertada diluição da memória colectiva, que as ditas reformas ajudam a instalar», relembrando «que à escola cabe fundamentalmente veicular o conhecimento universal, erudito e abstracto, com “valor em si mesmo”, aquele que a humanidade tem construído e que forma a civilização e o pensamento» [e - acrescento eu - que demorou muitos séculos a acumular, devido ao labor de muitos espíritos luminosos excepcionais que nos antecederam]. Aquelas vozes fazem notar que cabe à escola «pugnar para que tal conhecimento esteja ao [alcance] de todos, assegurando o princípio da igualdade, marca da democracia.»
A propósito, HD refere «o delicado estado da cultura clássica, que entre nós se aproxima da extinção. O Latim e o Grego, desaparecidos do ensino básico, não chegarão a estar, neste ano lectivo, numa dezena de escolas com secundário.» [na escola onde trabalho, testemunhei a “morte” das turmas de Latim no ensino secundário, a qual não ocorreu por falta de competência nem de entusiasmo do professor, o meu prezado ex-Colega Pe Júlio Vaz]
Helena Damião finaliza o seu artigo com uma citação do filósofo italiano Nuccio Ordine: «sabotar a cultura e a educação significa sabotar o futuro da Humanidade.»
Também penso assim.
Grato, felicito a Professora Maria Helena Damião.

José Batista d’Ascenção

quinta-feira, 5 de outubro de 2017

Análise da qualidade dos saberes dos alunos portugueses ou a esquizofrenia de tantos «especialistas»?

Imagem da página 12 do jornal «Público» de 05/10/2017
Em Dezembro de 2016, o jornal “Expresso” noticiava:
«As boas notícias no mundo da Educação continuam. Pela primeira vez em seis edições do PISA – o maior estudo nesta área que testa a literacia junto dos alunos de 72 países e regiões –, os estudantes portugueses de 15 anos conseguiram um desempenho significativamente acima da média da OCDE, tanto a ciências, como a leitura. A matemática mantiveram-se na média. Em todos os casos, a evolução é inegável desde que o país começou a participar neste estudo, em 2000, com Portugal a galgar várias posições na comparação internacional.»

Em Novembro de 2016, o jornal “Público” noticiava:
«Portugal ficou à frente da Finlândia nos resultados obtidos pelos alunos do 4.º ano nos testes internacionais de Matemática promovidos pela International Association for the Evaluation of Educational Achievement (IEA), uma cooperativa constituída por organizações públicas e privadas. Este feito foi alcançado em 2015 na sexta edição dos testes que visam avaliar a literacia dos alunos mais novos a Matemática e Ciências, que são conhecidos pela sigla TIMSS (Trends in International Mathematics and Science Study).

Hoje, no jornal “Público” pode ler-se:
«Um susto. É esta a leitura que, em síntese, se pode fazer dos resultados das provas de aferição do ensino básico»… etc.
«Face aos resultados, Ministério da Educação anuncia que vai reforçar formação contínua dos professores do 1º, 2º e 3º ciclos de escolaridade»
Eureka!
E mais não digo.

José Batista d’Ascenção

PS: Hoje, em Portugal, não é dia mundial do professor. Hoje, em Portugal, é apenas um dos 365 dias do ano em que se ofende os professores. Disse.