quinta-feira, 9 de janeiro de 2020

Eu quis ser professor, mas não avaliador de professores

Imagem obtida aqui.
Algo tarde, já na universidade, optei por ser professor, depois de, muito jovem, sonhar em vir a ser investigador ou jornalista. Também coloquei a hipótese de ser padre, para poder estudar sem consumir os pobres recursos da família, mas o meu pai, com fracas simpatias no e pelo «clero» da aldeia, reagiu de tal forma que matou de pronto a vocação que eu não tinha – só vantagens. Na sequência, e depois de muitas congeminações, lá segui para o liceu, o lugar que não devia ser frequentado por meninos pobres, como me foi dito por pessoas de «respeito» e aos meus pais também.
No liceu Nacional de Castelo Branco viria a ter professores de que muito gostei, como a Dra Maria José Beirão ou o Dr Vicente Sanches, entre vários outros, que me fizeram apreciar a profissão. Terminados o liceu e o «ano propedêutico», nova angústia sobre se poderia ir para a universidade. Admiti ir para a tropa e ficar por lá, para o que pedi ao inspeccionador que me fez os testes de audição (já na altura não ouvia bem…) que pusesse tudo na perfeição porque me interessava ser «chamado». E ele, perante a seriedade do meu pedido, mostrou-me o que seriam os pontos normais do audiograma e ali os uniu em gráfico bem acima da minha realidade auditiva. Porém, o que eu mais queria era ir para a universidade, em Coimbra. E, à última da hora, fui, na dúvida sobre quanto tempo me aguentaria. Nas férias trabalhava como aprendiz de electricista, limitei os gastos ao mínimo, comi sempre nas cantinas (e comi bem, talvez demasiado a cada refeição, porque as reduzi ao almoço e ao jantar) e completei o curso no tempo devido, sem disciplinas em atraso em qualquer ano. Como gostava de ciências, cursei biologia, e gostei.
Fiz-me então professor do ensino básico e secundário, com preferência pelo secundário. Passei a ver-me e a sentir-me como professor. A profissão era bonita e eu acreditava que podia desempenhá-la com competência. E vi-me sempre como professor de crianças e jovens, isto é, dando aulas, que é, em meu entender, a única função que justifica o nome ou título de professor. Em várias escolas me propuseram que fizesse parte de direcções. Nunca quis. Também nunca me inclinei para funções como as de orientador de estágio, por exemplo. Aceitei cargos de coordenação, mas sempre com o fito posto na actividade lectiva, principalmente a minha. E sempre pensei, como ainda hoje, que a formação de base dos professores devia ser muito consistente, larga e profunda e o acesso à profissão muito rigoroso. Tive, desde o início, algumas dúvidas quanto à qualidade da formação na parte pedagógica, devido ao que me parecia ser a falta de fundamentação científica e de conformidade com a realidade, dúvidas que se acentuaram quando, já professor, via essa componente ser feita a posteriori, para completar ou acrescentar habilitações, em condições precárias. E desgostei-me com o modo de recrutamento de docentes com habilitação suficiente durante longos anos. Outro tanto me aconteceu com o nível geral das acções de formação a que, mais tarde, os professores passaram a ser obrigados.   
Na última década passou a ser-me atribuída a função de avaliador de professores, da minha escola, nos primeiros anos, e da minha e de outras escolas o ano passado e neste. Custou-me particularmente ter que avaliar uma colega com mais tempo de serviço do que eu e posicionada em escalão superior àquele em que eu me situava. Valeu-me, nesse caso, o incentivo da própria para que me sentisse menos desconfortável. Felizmente, todos os casos me correram bem. Tive sorte. Mas, porque não gosto eu da função?
Penso que a avaliação dos professores em exercício é necessária, mas restringida a factores objectivos: cumprimento dos programas, registo de assiduidade (sem penalização dos casos de doença comprovada), resultados dos alunos (quando indubitavelmente correlacionados com o trabalho do professor, porque há casos em que pode não o ser…) e acções ou realizações pedagógicas formativas ou culturais de interesse consensual (e menos aqueloutras conhecidas como «folclore»…). A avaliação externa actual, mediante observação de aulas, é melhor do que a que havia apenas internamente, mas não vejo como torná-la uniforme nos critérios e na sua aplicação e, portanto, equitativa. A avaliação interna, feita por colegas da mesma escola, dificilmente escapa à influência involuntária de simpatias e preferências ou incompatibilidades e dá muita importância a actividades não lectivas, cujo proveito para os alunos me parece longínquo e muito difícil de medir.
Acresce outro problema: como os professores com avaliações menos boas continuam a leccionar a muitas turmas, que incluem os alunos mais difíceis e com mais dificuldades, resulta que essas avaliações não contribuem em nada para que aqueles alunos e outros que se lhes hão-de seguir passem a aprender melhor. Por isso, penso que as menções de excelente deveriam ser atribuídas quase exclusivamente a professores que leccionam a um número mínimo de alunos, 50, por hipótese, no 3º ciclo e no ensino secundário, durante todos e cada um dos anos do período em avaliação. E, obtida essa menção, ela deveria obrigar à continuação do trabalho lectivo com idêntico mínimo alunos. Ou não é para isso que devem servir os melhores professores?
No que me respeita: em vez de avaliar colegas, tomara eu sentir-me satisfeito com cada aula que dou.

José Batista d’Ascenção

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