domingo, 5 de janeiro de 2020

Os filhos não são nossos, somos apenas os pais deles

Imagem da «google»: aqui.
Quando os filhos são pequeninos, em casais com uma ou duas crianças, como é comum nas famílias do mundo «desenvolvido», a preocupação dos pais com os seus infantes torna-se (ou tornou-se…) particularmente próxima, incisiva e dirigista, porventura demasiado. Ainda há três quartos de século, em Portugal, as proles eram frequentemente numerosas, o pai constituía uma figura algo distante e a mãe, via de regra, não tinha mãos a medir.
Em muitos casos, também faziam de mães as irmãs mais velhas ainda que com poucos anos de diferença para os mais pequenos. Isso fazia com que as crianças crescessem sem uma «mãe-galinha» super-atenta a todos os pormenores, o que não fazia mal nenhum.
Também não fazia mal nenhum que meninos e meninas, conforme a idade, desempenhassem pequenas tarefas, como fazer algum recado, ir comprar o pão ou o leite, arrumar os seus brinquedos (quando os tinham), ou (ajudar a) arrumar o quarto e por a mesa ou levantá-la, etc., para além do tempo dedicado aos trabalhos escolares, de parte dos que iam à escola (os outros trabalhavam). Saliente-se que a realização de afazeres como aqueles deve distinguir-se do conceito de exploração infantil, em tarefas que deviam caber a adultos, que então acontecia. Também não devia poder estender-se até ao roubo do tempo de brincar, necessário à aprendizagem e formação das crianças, como também acontecia.
Nos tempos de agora, alguns pais, sensíveis e inseguros face à (nova) pressão social que recusa tudo aquilo que possa ser bem ou mal associado a trabalho infantil, tornaram-se escravos dos seus filhos, libertando-os de quaisquer tarefas que não os deveres escolares, quer pela influência dos novos padrões socioculturais, quer pela ideia de os proteger de contrariedades, sofrimentos ou dificuldades ou «ensinamentos» a que a vida os sujeitou a si mesmos.
Daí também a exigência de alguns de que os seus meninos sejam uns «ases» na escola, na mira de uma formatura salvífica, em proventos e estatuto. De preferência em cursos que supõem como via para o efeito. E então podem tornar-se quase uns tiranos na exigência de «notas» altas, particularmente no ensino secundário, a fim de abrir as portas das universidades aos seus herdeiros. O que na infância começa com hiperprotecção pode prolongar-se como vigilância e exigência na adolescência, resultando, eventualmente, num extremar de aspectos negativos. Os professores do ensino secundário notam isso nalgumas turmas de bons alunos. Nessas turmas, os alunos esforçados, para continuarem a ser bons, como se não bastasse o esforço, sofrem as «passas do Algarve» com e por acção… dos seus pais (alguns dos quais nunca se destacaram na sua vida pessoal, escolar ou profissional, nem revelam sinais – agora diz-se «evidências» - de que isso possa vir a acontecer no resto das suas vidas).
Naturalmente, há interesse fundamental em que os pais acompanhem os seus filhos e se interessem por eles. Mas assiste a cada criança e a cada jovem o direito (efectivo, coarctado ou sonegado), de crescer de acordo com a sua personalidade, capacidades e aspirações. O que não é fácil.
Mas deve ser o ideal da Educação.

José Batista d’Ascenção

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