Exemplo da disciplina de biologia de 10º ano
As unidades programáticas de biologia de 10ºano, além de falhas de actualização científica, algumas já notórias à data da sua homologação, em Setembro de 2001, e da falta de definição e de concretização de várias das suas rubricas, por muito que o professor “navegue” entre o que se manda «enfatizar» e «evitar», numa espécie de “nevoeiro” conceptual que a formulação de «aprendizagens essenciais» (em Agosto de 2018) não dissipou minimamente, sofrem ainda de grande artificialismo e arbitrariedade casuística no que devia ter forte e fluida articulação. Ou seja, falham também na pedagogia.
A unidade um (que se segue à unidade zero) tem por linha definidora a «obtenção de matéria». Ali cabem os sistemas membranares das células, os fenómenos das (mais variadas) digestões e a fotossíntese. Não é pouco nem restrito nem bem inter-relacionado. Engole-se.
A unidade dois, sob o tema «distribuição de matéria», alberga o transporte/circulação de fluidos nas plantas e na imensa variedade dos animais. É suposto que os alunos se interessam e motivam por aqueles processos fisiológicos e se inteiram de não poucas das suas minudências e correlações. Não se pode dizer que as propostas pequem por falta de ilusória ambição. Recordo-me de que apenas estudei transporte nas plantas no segundo ano da faculdade…
Na unidade três, o tema é a «transformação e utilização de energia pelos seres vivos». Aqui cabem as fermentações (alcoólica e láctica), em quaisquer seres vivos em que ocorram, e a respiração aeróbia. Na segunda rubrica desta unidade manda-se abordar as «trocas gasosas em seres multicelulares» (em plantas e animais). Como se a fotossíntese, dada na unidade um, não fosse (também) um processo notável de troca de gases: consumo de dióxido de carbono (CO2) e libertação de oxigénio (O2). Ou como se a ascensão de água nas plantas, tratada na unidade dois, não fosse essencialmente uma consequência da transpiração nas folhas, em que as plantas libertam por evaporação mais de 99% da água que absorvem pelas raízes.
A extensa quarta unidade, intitulada «regulação nos seres vivos» (animais e plantas), foi drasticamente podada pela publicação das «aprendizagens essenciais», o que reduziu o programa, e ainda bem, mas deixou-se o «impulso nervoso» sob a recomendação de ser abordado em relação com os transportes através da membrana, da unidade um.
Que coerência tem um programa assim? Que lógica poderá fazer na cabeça dos jovens alunos? A articulação harmoniosa de todos estes conteúdos pode ocorrer na mente de quem já sabe as matérias (em biologia, todos os assuntos podem ser relacionados com quaisquer outros) mas o mesmo não é válido para os alunos.
Sobram, então, algumas perguntas simples: porque se elaborou um programa como este? E, principalmente, porque não se muda (e dura há tanto tempo)? Ainda agora se vão adoptar novos manuais seguindo estes arcaísmos programáticos.
Respondam as capelinhas que decidem por nós. Clareza precisa-se. E não apenas.
José Batista d’Ascenção