quinta-feira, 10 de junho de 2021

Planos de recuperação de aprendizagens - quantos?

Este ano lectivo e o anterior foram muito perturbados pela interrupção das aulas presenciais e pela ilusão da eficácia do ensino à distância.

Nas disciplinas de biologia e geologia (do ensino secundário), a componente laboratorial, mesmo com as insuficiências habituais, ficou comprometida em prejuízo dos alunos.

Assim mesmo, a perda destas e de outras aprendizagens tem consequências dramáticas? Em minha opinião, não.

Pior do que as falhas havidas, que são reais, são os problemas estruturais crónicos e endémicos do sistema de ensino, que vamos camuflando com remendos sobre remendos e compondo com estatísticas de trazer por casa, quais “cancros” tratados com improvisos e mezinhas de eficiência nula. Tantos são, e entre eles:

- programas mal concebidos, já desactualizados antes ainda de entrarem em vigor, há duas décadas ou quase. Como o de 10ºano, na parte de biologia. Não se percebe porque é que ninguém quer mexer naquela relíquia…;

- a falta de prioridade a conteúdos lectivos determinantes para a compreensão do mundo, da vida e da história. Não são poucas as escolas em que tudo parece ser mais importante do que a aprendizagem que devia ter lugar nas salas de aula;

- o reconhecimento da imprescindibilidade de normas claras e universais de disciplina e de serenidade nas escolas;

- a sobrecarga de actividades burocráticas dos professores, cuja função devia (con)centrar-se nas tarefas de ensinar alunos (vejam-se as longas ordens de trabalhos das convocatórias dos conselhos de turma e a “língua de pau” dos extensos conteúdos das respectivas actas);

- as enchentes de «mails» das mais diversas proveniências (direcções, serviços do ministério, centros de formação, editoras, encarregados de educação; alunos, etc.), todos os dias úteis, sábados, domingos e feriados, a qualquer hora do dia ou da noite, como se os professores não tivessem mais que fazer;

- o descrédito das avaliações dos alunos, dos professores e do funcionamento das escolas;

- o vazio de conteúdo (e de orientações concretas e úteis) das «aprendizagens essenciais» em documentos distintos dos velhos programas, surgidas tarde e mal, quando, muito bem redigidas e articuladas,  deviam integrar programas novos;

- a concepção de exames para os quais o cumprimento estrito do programa (de biologia e geologia) não prepara(ria) convenientemente os alunos;

Etc.

Não precisamos de planos de recuperação sucessivos e sobrepostos, mais formais que funcionais. Bastariam condições mínimas que não esgotassem energias e recursos nem matassem o gosto de trabalhar.

José Batista d’Ascenção

4 comentários:

  1. Bravo! Apreciei imenso! Haja quem diga o que verdade!

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  2. Uma análise certeira das condições estruturais daquilo que desfaz a escola na sua relação com os saberes relevantes, desfaz os laços e o ânimo que ainda a fazem funcionar e que comprometem a justiça social e o futuro das novas gerações. Obrigado.

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    1. Eu é que agradeço a lucidez da análise que o seu comentário comporta. Um abraço.

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