Évora, 15 de Novembro de 2016
Na Associação de Solidariedade Social dos Professores
Nos domínios do conhecimento em que me permito dar o meu testemunho e a minha opinião, posso afirmar - quem, a nível político, tem decidido sobre o maior ou menor interesse das matérias curriculares referentes à disciplina de Geologia, mostrou desconhecer a real importância deste domínio como motor de desenvolvimento e bem-estar, mas também como componente da formação cultural dos portugueses. Desconheço o que se passa noutras disciplinas, mas presumo que há pontos comuns com as considerações que aqui vos deixo.
Como é público, insisto em afirmar que, no panorama das nossas escolas, e com as sempre necessárias e honrosas excepções, a disciplina sobre a qual me permito opinar limita-se a um conjunto de matérias desarticuladas e desinseridas de um contexto unificador, tidas por desinteressantes e, até, fastidiosas. São muitos os professores mal habilitados que as debitam sem entusiasmo, por dever de ofício. São muitos os que, sem capacidade crítica, seguem o estereotipado e igualmente acrítico manual adoptado, que o aluno decora por obrigação de um programa de mérito discutível, e que lança no caixote do esquecimento, passado que foi o exame final.
Tem sido este o quadro nas nossas escolas, onde a Geologia sempre foi subalternizada. Foi este o quadro em que cresceram e se formaram a imensa maioria das mulheres e dos homens que hoje temos na política, na administração, nas empresas, no ensino, na cultura, na comunicação social, no cidadão comum.
É preciso e urgente olhar para esta realidade que se vive nas nossas escolas. É preciso e urgente que o Ministério da Educação chame a si meia dúzia de professores desta disciplina capazes de proceder à necessária e profunda revisão de tudo o que se relacione com o ensino desta área curricular, a começar nos programas, passando pelos livros e outros manuais adoptados (que envolvem interesses instalados), pela formulação dos questionários nos chamados pontos de exame sem esquecer a necessária e conveniente formação dos respectivos professores.
Sempre disse e insisto em dizer que o professor deve saber muito, mas muito mais do que o estipulado no programa da disciplina que deve ter, por missão, ensinar. Não pode, de maneira nenhuma, ser um mero transmissor das noções, tantas vezes, insisto em dizer, estereotipadas e acríticas dos manuais de ensino.
E esse muito mais está na abrangência dos seus conhecimentos, não necessariamente especializados ou de ponta (indispensáveis no ensino superior), mas ao nível de uma sólida cultura científica e humanística. E isso vem de trás, da formação cívica que adquiriu, do modo como passou pela escola, pela universidade e do proveito que tirou desse privilégio, numa sociedade plena de desigualdades como tem sido a nossa. Mas esses conhecimentos, todos sabemos, estão ao seu alcance nas bibliotecas das escolas e, agora mais do que nunca, na inesgotável, imediata e acessível via “on line”.
Para tal, os professores necessitam de tempo e, desgraçadamente, forçados a múltiplas tarefas paralelas do ensino, tempo é coisa que os professores não têm. Afigura-se-me pois que, para além de uma necessária e profunda revisão de tudo o que se relacione com o ensino desta área curricular (e, certamente, de outras), há que libertar os professores de, praticamente, todas as tarefas que não sejam as de ensinar.
É bom lembrar que cidadania e conhecimento são indissociáveis e, assim, este tem forçosamente de ser democrático. Em complemento da sua nobre missão de ensinar, o professor deve fazer sentir esta realidade aos seus alunos, em especial aos mais desprotegidos e atingidos pela exclusão social que grassa em tantas escolas marcadas pela suburbanidade crescente que caracteriza as sociedades desenvolvimentistas.
O sistema social e político dominante na sociedade capitalista continua a promover e alargar o fosso entre os que estudam, e assim aspiram e conquistam o direito à cidadania, e os outros. Transmitir esta mensagem aos jovens é um dever moral, essencial na luta contra o insucesso escolar e pelo direito a uma condição humana de maior dignidade. Não é fácil, mas não é impossível esta tarefa.
Há que saber ganhar a confiança dos alunos e, também, o seu afecto. Feliz do estudante que goste da convivência com o seu professor. Essa relação é decisiva na sua atitude face à escola e ao gosto de aprender. Duplamente feliz se esse professor estiver à altura do seu papel que, para além de educacional, é, sobretudo, social.
A. M. Galopim de Carvalho
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