sábado, 18 de fevereiro de 2017

Educação: retorno ao que se revelou dispensável, ignorando os problemas que ninguém quer ver?

Tempos de formação cívica, sim. Compete à escola, que devia ter o prestígio, a autoridade, as condições e os meios, ensinar às crianças (e exigir-lhes) as regras que é necessário que elas aprendam (também) na escola. Porém, a educação começa em casa (ainda no berço) e ninguém espere da escola o milagre da alteração de comportamentos que estão de tal modo enraizados no proceder de certas crianças e jovens que escapam à esfera da eficácia possível nos estabelecimentos escolares. Exemplos simples: há meninos que chegam sistematicamente atrasados às aulas de início de turno porque são trazidos de automóvel pelo pai ou pela mãe, ou que usam o telemóvel na aula porque o pai ou a mãe os estão a contactar por essa via.
Já não digo o mesmo do que decidiram chamar “área de projecto”, área não disciplinar que foi extensiva ao ensino secundário, durante anos, na sequência de outra ideia a que tinham posto o nome de “área-escola”, e que não deu frutos efectivos que a recomendem. Há quem diga que sim, mas não é o que eu posso testemunhar. Sou sim testemunha de várias situações indesejáveis, embora como interveniente marginal, que vivi de perto. Num caso, tive que votar pela manutenção da nota de uma distinta professora de C. Física e Química (Julita Capelo, de seu nome) na classificação de uma extraordinária maquete que incluía um aerogerador funcional, executado à escala, mas em que a professora nunca conseguiu ver os alunos a trabalhar, mesmo quando os procurou na morada que eles lhe indicaram, por mais que uma vez, dado que a peça era demasiado grande para ser levada para a sala de aula. Fez valimento a posição da professora, quer no conselho de turma quer no conselho pedagógico, ao qual eu pertencia. Noutro caso, também no conselho pedagógico, tive que votar pela manutenção das “notas” de mais de metade dos alunos de uma mesma turma (dezoito!), que pretendiam classificações desajustadas, fruto de uma certa ideia de que aquela área não disciplinar devia ser contemplada com valorações a roçar o topo da escala. Não andei diferente do colectivo e a pretensão não foi contemplada. Mas calhou-me redigir a acta, em tempo muito curto, para se fazer seguir as fundamentações para os senhores encarregados de educação. O conselho pedagógico teve que se fazer em duas longas sessões, em dias diferentes (porque um só não chegava…), e então escrevi, escrevi dezenas de páginas. Como o documento tinha que ser lido perante todos, lá o fiz com a pressa que pude, num tempo que reduzi a cinquenta e cinco minutos, segundo cronometragem revelada no momento por um colega do conselho. Num outro caso, ainda mais indesejável, porque a (minha) colega professora deu liberdade aos meninos para contactarem com personalidades ou instituições exteriores à escola, como devia, calhou que um grupo de alunos se viu envolvido com uma suposta personalidade que acabou a pedir e a receber dinheiro dos elementos da turma. Perante a incredulidade da professora, que lhe pediu satisfações, acabaria a docente acusada (pela própria infractora) em tribunal e o caso foi a julgamento. Acabou absolvida, como não podia deixar de ter sido, mas, se a mim me custou ir depor como testemunha, mais me custou toda a situação e o sofrimento da colega, que ela não merecia e de que devia estar preservada.
Esta “área não disciplinar” tinha umas normas tão curiosas que, embora sem qualquer programa que a definisse, admitia que os alunos fossem a exame. Que eu saiba nunca nenhum foi, em escola alguma do país. Não sei que tipo de prova se poderia fazer e muito menos como se deveria ou poderia classificar…
Face ao que escrevi, os alunos não se devem envolver em projectos de âmbito escolar? Claro que devem, mas em matérias ancoradas nos conteúdos das diversas disciplinas, para ampliarem os seus conhecimentos e os relacionarem com os das áreas mais diversas… Projectos no vazio é que não.
De resto, as escolas públicas envolvem-se em projectos e procuram a interdisciplinaridade possível, preparando bem os alunos nesse âmbito, como o reconhecem estudos feitos por universidades tão conceituadas como a Universidade do Porto.
Medidas desejáveis que parecem liminarmente afastadas do horizonte são, por exemplo, a extinção dos mega-agrupamentos, a obrigatoriedade de as aulas, excepto as práticas, não poderem prolongar-se por mais de cinquenta minutos seguidos sem fazer intervalos de dez, ou a reversão das horas mortas que os professores são obrigados a passar inutilmente nas escolas, ou a frequência obrigatória de reuniões para discutir coisa nenhuma ou pior que isso…
E os professores vão definhando, dia-a-dia, no ânimo e na saúde, em escala progressiva. Com que objectivo?

José Batista d’Ascenção

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