quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

Resultados em exames nacionais: causa ou consequência da desigualdade social?

Notícias vindas a público, na rede e na pág. 14 da versão impressa do jornal «Público» de hoje, por exemplo, dão conta de perturbações que os exames nacionais estão a provocar nas escolas, sobretudo na promoção de «desigualdades sociais entre os alunos», onde o «grande beneficiário é o mercado de explicações» que a bolsa dos mais pobres não permite pagar. O estudo constitui a tese de doutoramento da «especialista em Administração e Políticas Educativas da Universidade de Aveiro», Andreia Gouveia.
Não sei se o estudo advoga o fim dos exames.
Pela minha parte defendo a realização dos exames nos finais do ensino básico e do ensino secundário, por razões que me dispenso de adiantar.
Mas, pensando no que se passa com os exames nacionais da disciplina de biologia e geologia do ensino secundário, concordo inteiramente que, tal como estão a ser elaborados, não constituem um factor benéfico da aprendizagem. Para que o fossem teriam que:
- respeitar os programas, especialmente no que determinam especificamente (claro que é desejável que os programas estejam bem elaborados e não é o caso, longe disso. Do de biologia de 10º ano, por exemplo, costumo dizer, para resumir, que mais parece ter sido feito para impedir que os alunos aprendam e que os professores consigam ensiná-los. Não percebo por que é que os programas da disciplina se mantêm assim, e receio que, quando os mudarem, ainda consigam pô-los pior. Gato escaldado…);
- ser muito bem elaborados, fazendo uso de linguagem clara, rigorosa e precisa, nos textos introdutórios e nas questões (o que nem sempre acontece);
- não recorrerem a jogos de palavras com carácter algo charadístico e a armadilhas dispensáveis, cuja detecção não revela nenhuns conhecimentos ou aptidões significativas dos alunos;
- evitar erros que nunca são aceites como erros e que os classificadores das provas têm que ignorar, funcionando de modo mecânico, na suposição - ilusória, a meu ver - de que o processo é uniforme e coerente.
Se os exames estiverem bem feitos, e tiverem apenas objectivos pedagógicos, não consigo vislumbrar em que é que eles podem ser causa de desigualdade social. O que eu gostava é que os exames não fossem (eventualmente) eliminados com o objectivo de esconder as desigualdades sociais que existem no acesso à educação e ao conhecimento, que é (ou devia ser) um direito de todos.
Não tenho nada contra as explicações (em que nunca ganhei um centavo/cêntimo), mas tenho tudo contra as más explicações.
E reconheço que exames difíceis (às vezes artificialmente difíceis) podem constituir um factor potenciador de negócios. A esse propósito, ocorre-me que é o próprio IAVE que também tem negócios editoriais nessa área, que apresenta ou public(it)a de modo curioso, como referi aqui.
Ora, se a escola cumprisse a sua função, as explicações deviam ser prestadas dentro dela (só que ali têm que chamar-se «apoio», e às vezes «apoio pedagógico acrescido», o que revela as nossas dificuldades em nomear a realidade…).
De resto, eu sempre supus que a Escola devia existir exactamente para isso.

José Batista d’Ascenção

segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

A Inversão das Biodiversidades Urbana e Rural

Teve lugar esta tarde, às 15.00 horas, no auditório da Escola Secundária Carlos Amarante (ESCA), em Braga, uma conferência proferida pelo Professor Doutor Jorge Paiva, sobre o aumento da biodiversidade urbana, que se acentua desde as últimas décadas do século XX, por oposição à diminuição da biodiversidade em meio rural, com esclarecimento das razões que justificam esses factos.
Numa sala (algo limitada, é certo) onde se apinhavam cento e quarenta pessoas, entre alunos de 10º, de 11º e de 12º ano e professores, ilustrada com belas fotografias, apenas com a identificação (científica) necessária, a sessão decorreu com os participantes presos às imagens e às palavras do orador. Alguns ahs! de surpresa, brilho nos olhos e sorrisos abertos enquanto o tempo voava. E no fim, parecia que faltavam as palavras para as perguntas que alguns queriam fazer, mas ninguém se levantava. Os alunos gostaram muito. Gostaram mesmo, disseram eles, na hora e depois. E tinham perguntas, que acabaram por fazer. E a que obtiveram respostas. Alguns sentiram necessidade de pedir que o Professor Paiva os escutasse em particular, no final. E assim se fez. Mas nenhum deles tinha pressa de sair, isso não, e foi agradável de ver.
Na dúvida sobre se poderia haver algumas reticências à publicação de imagens de alunos, insere-se neste texto apenas uma fotografia documental, com o Professor Jorge Paiva a esclarecer uma questão colocada por eles. Fica assim, para já, podendo este apontamento ser sujeito a reedição.
Adianta-se apenas um grande obrigado aos professores do grupo de Biologia e Geologia da ESCA, com destaque para a Professora Paula Jacinto, que, além de colaborar na organização, elaborou o cartaz e decorou o espaço, e ao Professor António Carlos que fez a cobertura fotográfica da sessão. Nota de gratidão também para todos os professores e alunos que estiveram presentes. E um grande grande obrigado, naturalmente, ao Doutor Jorge Paiva.
Segue-se resumo da conferência, fornecido antecipadamente pelo autor:

RESUMO
Em Portugal, não constituía preocupação autárquica a relevância da biodiversidade urbana. Os autarcas apenas se preocupavam em plantar árvores nalgumas artérias, em intercalarem alguns espaços ajardinados entre o denso casario e, por vezes, em aproveitar subúrbios, ainda ruralizados, para Parques Urbanos, como aconteceu, por exemplo, com o Parque Florestal de Monsanto em Lisboa e, mais recentemente, com o Parque da Paz em Almada. 
A função mais relevante das árvores das artérias urbanas não é embelezarem ou sombrearem, mas despoluírem, pelo oxigénio (O2) que produzem e pelo gás carbónico (CO2) que consomem. Por não ser esta a percepção de muitos autarcas (infelizmente, há ainda muito quem continue retrógrado) é que a maioria das árvores das nossas artérias urbanas são exóticas (por exemplo, em Coimbra, das cerca de sete dezenas de espécies de árvores plantadas nas ruas, apenas cerca de uma dúzia são nativas) e são drasticamente podadas. Aliás, na maioria das vezes, não são podas, são “derrotas”. Actualmente, há já bastantes autarquias a plantarem árvores nativas, como, por exemplo, carvalhos (Quercus spp.), medronheiros (Arbutus unedo)  e azereiros (Prunus lusitanica).
Muitos animais, particularmente aves, répteis, anfíbios e insectos, habitam os amplos espaços urbanos arborizados. Por exemplo, no Jardim Botânico de Coimbra foram inventariadas, na década de 80, cerca de meia centena de aves, algumas pouco comuns, como o dom-fafe (Pyrrhula pyrrhula), outras raramente vistas no meio urbano, como a perdiz-comum (Alectoris rufa) e o mocho-real (Bubo bubo). 
Particularmente, a microfauna das áreas verdes urbanas lusitanas está ainda tão mal estudada que basta dar o exemplo de terem sido descobertas, muito recentemente (publicadas em 2009), duas espécies de aranhas, novas para a ciência, uma (Tegenaria barrientosi) no Jardim Botânico de Coimbra e outra (Tegenaria incogsnita) no Parque Florestal de Monsanto (Lisboa).
A agricultura intensiva implicou o derrube de grande número de árvores e a poluição química dos campos, o que provocou uma diminuição drástica do número de insectos, vermes e pequenos mamíferos. Assim, não só muitas aves como até mamíferos procuraram refúgio, como também alimentação nos espaços verdes urbanos. Alguns desses animais passaram até a ter novos nomes vulgares como, por exemplo, a raposa (Vulpes vulpes) que, em Inglaterra, é conhecida como “fox” e a urbana como “city fox”.
Por isso, é comum vermos nos jardins, parques e artérias urbanas muitas aves dos campos, que passaram a ter toda a vivência (do nascimento à morte) fora do meio rural, habitual da espécie, como, por exemplo, melros (Turdus merula). O melro urbano não só tem já hábitos distintos do rural, chegando a não migrar, reproduz-se mais cedo, como também tem várias posturas anuais, com poucos ovos, em vez de uma única, com mais ovos. Até algumas aves de rapina se tornaram urbanas, nidificando nas varandas de prédios, como o falcão-peregrino (Falco peregrinus), actualmente bastante comum nas cidades europeias.
Em Coimbra, actualmente, já se observam, com relativa facilidade, lebres (Lepus europaeus), raposas (Vulpes vulpes), genetas (Genetta genetta), doninhas (Mustela nivalis) e lontras (Lutra lutra), tendo até já ocorrido (1996) o atropelamento de um javali (Sus scrofa) próximo da entrada principal do Hospital da Universidade e no dia 17 Outubro de 2013, às 7 da manhã, foi atropelado um na Avenida do Brasil, na Figueira da Foz. 
Em Londres, já é relativamente fácil observarem-se texugos (Meles meles) e, em alguns parques de grande dimensão, como, por exemplo, Richmond Park, veados (Cervus elaphus).
Noutros continentes também ocorrem no meio urbano animais tipicamente selvagens, como o coiote (Canis latrans) e o puma (Puma concolor) na América; o urso-pardo-asiático (Ursus arctos subsp. lasiotus) e o leopardo-asiático (Panthera pardus subsp. fusca) na Ásia; o canguru-gigante (Macropus giganteus) e a cacatua-rosada (Eolophus roseicapilla) na Austrália.
Em Portugal, além da fauna e flora nativas, aumentou muito o número de árvores e arbustos exóticos plantados nas áreas verdes mais recentes dos meios urbanos, bem como de animais exóticos, particularmente aves, como a rola-turca (Streptopelia decaoto), já muito frequente, e outras,  muitas escapadas de gaiolas, como, por exemplo o barulhento piriquito-de-colar (Psittacula krameri).

Jorge Paiva. Biólogo
Centro de Ecologia Funcional. Departamento de Ciências da Vida. Universidade de Coimbra
jaropa@bot.uc.pt

José Batista d'Ascenção

domingo, 28 de janeiro de 2018

Biodiversidade, com belas imagens (fotos) em exposição…

Está aberta à comunidade escolar, na biblioteca da Escola Secundária Carlos Amarante (ESCA), em Braga, uma exposição sobre biodiversidade, sobretudo de aves, com inclusão de exemplares de mamíferos, de anfíbios e de insectos, motivada por uma conferência sobre o aumento da biodiversidade urbana (que tem vindo a registar-se nos tempos recentes), a proferir pelo Professor Doutor Jorge Paiva, amanhã, segunda-feira, dia 29 do mês em curso, às 15 horas, no auditório da ESCA.
As fotografias são, na sua maioria, da autoria do Professor António Carlos (do grupo de Educação Física da ESCA), dinamizador do clube de fotografia da escola, mas também da Professora Graça Borges, do mesmo grupo de Educação Física da nossa Escola e do fotógrafo João Nave. O Professor António Carlos leu e releu artigo competente do Doutor Jorge Paiva e fez-se à procura e ao trabalho, durante meses. O trabalho científico de identificação e nomenclatura coube à Professora Paula Jacinto, de Biologia e Geologia, também da ESCA.
O fotógrafo: Prof. António Carlos
De grande qualidade e rigor documental, todas as fotografias têm interesse técnico, científico, artístico e cultural. Por motivos de limitação do espaço e de estruturas de suporte, muitas outras fotografias, tantas como as que estão expostas, ficaram (ainda) por mostrar. E foi difícil escolher, muito difícil, o que atesta a valia de cada exemplar e de todo o acervo relativo ao tema.
Tendo tomado conhecimento da história de captação de algumas das fotos, nalguns casos obtidas próximo da escola (e noutros não…) soube, por exemplo, que a fotografia de um guarda-rios (Alcedo atthis) foi tirada na foz do rio Cávado, ao fim de uma espera de cerca de três horas, com lodo até aos joelhos e chuva a cair. E quando parecia que todo o tempo tinha sido em vão, surgiu aquela ave magnificamente colorida a posar para a câmara e a resgatar o dia. A prova está ao lado, sendo que é uma fraca fotografia de telefone móvel do quadro exposto, desmerecendo a bonita imagem que está debaixo do vidro acessível aos olhos de qualquer visitante (sem o indesejável reflexo de luz).
O «guarda-rios»
Deleitado fiquei eu em frente a cada uma das molduras, que não me canso de olhar. Por exemplo, a do «alfaiate» (Gerris lacustris) sobre a «toalha líquida» elucida maravilhosamente um facto chamado «tensão superficial» da água devido às suas características moleculares: como a molécula de água (H2O) é constituída por dois átomos de hidrogénio e um de oxigénio, acontece que, por ter mais carga positiva no núcleo, o átomo de oxigénio puxa mais para si os electrões (diz-se que é mais electronegativo) do que os átomos de hidrogénio (que são menos electronegativos), donde resulta que a distribuição espacial de electrões na molécula é desigual, «adensando» a carga negativa do lado do oxigénio e «aligeirando-a» do lado dos hidrogénios. Então, cada molécula de água, cuja carga total é (obviamente) neutra, funciona como um pequeno íman em relação às que lhe estão próximas, sendo que as diferentes moléculas se atraem pelas zonas de polaridade oposta. Em consequência as moléculas de água apresentam uma certa coesão entre si. Porém, a força de atracção das moléculas à superfície é diferente da força que ocorre entre as moléculas abaixo da superfície, porque aí as moléculas de água são atraídas por outras em todas as direcções e com a mesma força. Como as moléculas à superfície apenas são puxadas por outras ao lado e abaixo, isso causa a contracção superficial do líquido, transformando-o numa espécie de película elástica.
Na foto ao centro: o «alfaiate»
Como o «alfaiate» é leve e tem umas patas longas, as extremidades destas assentam na superfície líquida e empurram-na para baixo, criando depressões («covas»…) muito bem visíveis na foto ao lado. Assim, os «afaiates» não nadam, eles caminham ou correm na superfície da água sem «molhar os pés». E aquelas «covinhas» desfazem-se de imediato, logo que o animal levanta cada uma das extremidades, tal como acontece com as deformidades causadas pelos nossos pés quando, sobre um colchão, os levantamos.
Deliciado fiquei também com a fotografia de uma rã que é uma lição multi-ilustrada sobre o mimetismo relativamente à cor do substrato em que o animal se encontra. Vá ver quem duvide e peça explicação, se não estiver a perceber…
Esta exposição vai permanecer na biblioteca da ESCA o tempo que se justificar. E, como alguém sugeriu no momento da montagem, talvez fosse bom divulgá-la e abri-la a quaisquer interessados e não apenas aos chamados elementos da comunidade educativa. Todos ganhavam.
Um grande obrigado aos fotógrafos, Professores António Carlos e Graça Borges e a João Nave, e à Professora Paula Jacinto.

José Batista d’Ascenção

terça-feira, 23 de janeiro de 2018

Um dia diferente na minha escola

Modelos de estrutura da Terra, realizados por alunos
Decorreu ontem o «Dia do Agrupamento de Escolas Carlos Amarante», em Braga. Comemora-se este dia em honra do patrono, na sequência do que já se fazia antes envolvendo apenas a Escola Secundária Calos Amarante, agora a escola-sede. É um dia diferente, em que as aulas se interrompem e as salas e outros espaços se enchem de actividades diversas dirigidas toda a comunidade: aulas abertas, experiências em laboratórios, exposições de trabalhos de alunos, jogos didácticos, projecção de filmes, palestras, concursos, feiras de minerais e de artigos usados, demonstrações de software, de robótica e de electrónica, oficina de mecânica, actividades para crianças de jardins-de-infância e alunos do ensino básico, torneios desportivos e de damas, entre outros. Todas as áreas disciplinares se envolvem e são alunos que estão em cada sala como protagonistas das realizações de demonstração, exposição ou interacção com os visitantes: para além dos mais pequeninos, turmas de alunos do ensino básico de outras escolas do agrupamento ou de escolas vizinhas de outros agrupamentos.
Explicando a morfofisiologia do coração
Faz sempre parte das comemorações de um dia como este a homenagem aos professores e funcionários que se aposentaram no último ano (cada vez em menor número) e a entrega de diplomas de mérito («académico» e/ou «humano») aos alunos que se distinguiram no ano anterior. A Associação de Pais e Encarregados de Educação e a Comissão de Antigos Alunos são entidades sempre envolvidas nas realizações deste dia comemorativo.
Findo o dia, uma boa parte dos professores permaneceu para o jantar, que fechou a jornada. Esta manhã, todos os que se encontravam na escola manifestavam boa disposição e ninguém referiu o trabalho (causador de «cansaço bom») a preparar, a montar, a realizar e a desmontar, sem descurar (muito…) a preparação das aulas e dar seguimento à mais nobre função da escola.
Valeu a pena. E os professores rejuvenescem com tal cansaço porque sentem que é assim e assim deve ser.

Órgãos internos do coelho




















José Batista d’Ascenção

terça-feira, 16 de janeiro de 2018

Ouvir os alunos

Imagem obtida aqui
Já a destempo, releio uma notícia do jornal «Público» de ontem, dia 15, na página 12, sobre o modo como uma escola (do Agrupamento de Escolas de Caneças), discutiu o que chamaram «Dia do Perfil do Aluno» (uma iniciativa promovida pelo Ministério da Educação e pela Federação Nacional de Associações de Estudantes dos Ensinos Básico e Secundário), no sentido de discutir «o que pode ser feito para fomentar a aquisição de competências que devem orientar a aprendizagem». Esta iniciativa dá curso ao que foi proposto há cerca de um ano por um grupo de trabalho coordenado por Guilherme d'Oliveira Martins.
Segundo a notícia, uma aluna de 12 anos, a frequentar o 7º ano de escolaridade, que beneficia do «regime de flexibilidade curricular que a escola adoptou» refere que aquele regime é «algo que lhe agrada», embora afirme em forma de lamento: «apesar de estarmos sempre em grupos e haver gente que não trabalha…»
A experiência que decorre naquela escola, na opinião de um professor coordenador, revela «já aspectos positivos e negativos» (como não?), mas, segundo diz, «ainda é cedo para avaliar os resultados», sendo que «ainda se nota algum desnorte, tanto para os professores como para os alunos», adiantando que, quanto aos pais, «a maioria acha que faz sentido». Aquele projecto, visto com agrado pela Direcção daquele Agrupamento de Escolas, será para continuar no próximo ano, dando continuidade no 8º ano, e iniciando-o no 10º ano de escolaridade.
Desejo as maiores felicidades.
Na minha escola, que não adoptou aquele regime, não ouvi falar do assunto. Noutras escolas onde também decorre o mesmo projecto-piloto, a discussão havida ter-se-á limitado aos professores coordenadores e a um ou outro agente externo ligado ao processo.
Alguma coisa deve ser feita para melhorar o aproveitamento das crianças e jovens. Pelo meu lado, apenas desejo que não se ficcionem os resultados e que não se sucedam experiências, por norma não devidamente avaliadas, sem que nunca se sedimentem princípios e metodologias e práticas que se revelem fecundos, pelo menos em parte.
Para mim, a organização da sociedade e da escola penalizam sobretudo os filhos das pessoas (mais) pobres, que não podem e/ou não sabem aceder a apoios ou a acções (explicações, livros, museus, viagens…) para compreenderem o funcionamento da natureza e do mundo, nem têm influências sociais, nem heranças materiais que lhes facilitem a vida, em que vão vegetar como deserdados da sorte. Para estes meninos, que em Portugal são, talvez, a maioria, a escola tem deveres acrescidos, a que não pode eximir-se. Mas não é via admissível enganar estes alunos e os seus pais com metodologias que passam por cima do que é fundamental que aprendam ministrando-lhe barrelas facilitistas ou deixando-os à deriva, a fazerem coisa nenhuma, e forçando os professores a avaliá-los com notações positivas, como se tivessem competências que não atingiram. Isso é indigno. Antes a clareza da doença do que a mistificação miserável da cura, com fim trágico.
Na peça jornalística acima citada, uma menina de 12º ano da mesma escola afirma que «aquela iniciativa mostra que os miúdos mais pequenos têm uma voz que pode ser ouvida». Outra aluna defende que “os alunos têm mais a dizer do que as pessoas pensam”.
Não é difícil concordar: a voz dos alunos deve ser escutada, no que dizem e naquilo que nem sequer verbalizam e, muito particularmente, no que expressam e põe a nu as fragilidades, as falhas e, até, a hipocrisia dos adultos, assim como a sua (nossa) cegueira para enxergar coisas óbvias.
Enfim, não sobrou muito daquela notícia. Mas é o suficiente para eu me sentir grato às alunas que emitiram a sua opinião.

José Batista d’Ascenção

quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

O rendimento escolar melhora e o das raparigas é melhor que o dos rapazes

Dados divulgados hoje pelo Ministério da Educação (decorrentes de análise do percurso dos alunos do 3º ciclo e do ensino secundário pela DGEEC) mostram que a percentagem de alunos que nunca reprovaram nenhum ano e que tiveram positiva nos exames nacionais, no ano lectivo passado, aumentou (de 40 para 46% no 9º ano e de 37 para 42% no 12º ano), sendo que as raparigas obtêm melhores resultados do que os rapazes [No 3.º ciclo, a maioria das raparigas (51%) teve um percurso de sucesso contra 41% dos rapazes, e no secundário as mulheres também registaram melhores resultados (47% contra 37% dos homens)]. Outra verificação é que os jovens de famílias carenciadas têm um percurso escolar com mais reprovações. [notícia lida aqui]

Quanto ao aumento do rendimento escolar, saúda-se, por ser bom que assim seja e desejável que  a tendência se mantenha.
Já em relação ao melhor aproveitamento das raparigas face ao dos rapazes, tirando o interesse da quantificação, não há novidade, sabíamo-lo. Os teóricos é que ainda não começaram a sugerir remédios para a situação (o que, tendo em conta o experimentalismo voluntarioso do ensino em Portugal, não é necessariamente mau) e os políticos não sabem o que fazer (e é melhor que não inventem). Há professores que têm algumas ideias para discussão: Adequação e adaptação dos curricula e dos programas? Modificação da sequência de leccionação de certas rubricas programáticas? Exercícios de treino diferentes sobre determinadas matérias? Abordagem diferenciada de alguns conteúdos?... Mas não creio que alguém esteja interessado em ouvi-los.
E sobre as dificuldades maiores dos alunos provenientes de famílias pobres, não era preciso estudo nenhum para concluir que é assim...

José Batista d'Ascenção

segunda-feira, 1 de janeiro de 2018

Recomeço das aulas - vencer bem o segundo período

Inicio este segundo período com uma curta reflexão, por enquanto em monólogo interior, e pensando nos meus alunos. Mas derramo-a à vista de todos, para que, esquadrinhando-a, mais se salientem os pontos fracos, que é preciso resolver, e mais me aproxime das soluções a encontrar. Que isto de ter alunos é abraçar uma luta que nunca está ganha, uma porfia em alcançar certa luz que, por mais que se queira, deixa sempre algo no escuro da percepção, do entendimento, da compreensão e do estímulo de que resultam o afecto e a confiança que tornam profícua ou comprometem, às vezes definitivamente, a interacção pedagógica. Se o professor e o(s) aluno(s) não remarem na mesma direcção, com objectivos comuns, é mais ingrato o papel de um e do(s) outro(s) e menos feliz o resultado alcançado.
Os que já atingiram bom rendimento, e, por exemplo, tiveram dezoito ou dezanove (poucos), não inspiram preocupação. Esses alunos sabem o que têm a fazer e, normalmente, fazem-no com gosto ou, pelo menos, com aplicação. O mérito dos resultados depende deles (muitíssimo mais do que do professor, pois que, se não fosse assim, todos, como eles, os teriam alcançado facilmente), pelo que o que há a fazer é optimizar o mais possível o trabalho e as estratégias para manter e, se possível, subir o nível que já alcançaram.
Todos os que obtiveram notas positivas abaixo da excelência devem estar animados, ou para a atingir ou para melhorar a sua prestação tanto quanto lhes for possível. Aqui, a ajuda do professor pode ser muito importante, sendo fundamental que, em nenhuma circunstância, a sua acção se transforme em acréscimo de dificuldade nem, muito menos, em motivo de desânimo. Mas cabe também a cada aluno fazer um esforço para colocar e esclarecer as dúvidas, expondo-as na aula, sem vergonha (motivo de vergonha e de tristeza – ou mesmo de culpa – seria escondê-las, como se fossem crime!), ou vindo às aulas de apoio ou pedindo uma explicação individual ou em grupo restrito, em tempo a agendar, na nossa bela biblioteca, tão bem servida como está de mesas de trabalho, de espaço, de luz e de ambiente.
E há aqueles (felizmente em pequeno número) que (ainda) não atingiram um rendimento positivo. Estes casos, em meu juízo, não se traduzem apenas num fracasso dos próprios. Esse fracasso é também meu. E aquela «nota» de «seis», que causou discordância de uma colega professora no conselho de turma, é também uma «nota de seis» no meu trabalho, que não foi eficaz naquele caso: Porque não entusiasmei aquele aluno? Porque não o despertei para as matérias que ensino? Porque não «acedi» à profundeza das suas dúvidas, das suas dificuldades ou dos seus interesses? Não sei responder a mim próprio. Sei, porém, que há muitíssimas outras variáveis a influenciar a equação que não dependem de mim, o que não invalida que me pese que as minhas explicações e os meus desafios nunca tenham feito brilhar os olhos daquele menino… Naturalmente, estou disponível para trabalhar com ele e com os demais de modo a que melhorem. E as melhoras são possíveis, em meu entendimento. Naquele caso e, por maioria de razão, nos outros. Todo o tempo é tempo. Cá estou, com a disponibilidade de sempre, meus caros. Não receiem. Não hesitem. Ajudem-me a ajudar-vos. O que não gosto é de aldrabar resultados.
A finalizar, e entre parêntesis, confesso: ao longo destes anos todos, fica(-me) a triste impressão de que, para muitos agentes, mais por causa dos gastos, e por outras razões que (a meu ver) não colhem, do que por verdadeira preocupação com a preparação dos alunos, o importante é que todos passem. O caso é que todos os professores, suponho, gostam que os seus alunos aprendam, saibam e… passem! Se, porém, for forçoso obter aprovação em quaisquer circunstâncias, faça quem manda o favor de o assumir e produzam-se leis que estipulem que todos progridem (excepto se os próprios ou os seus encarregados de educação não o desejarem, já agora) independentemente das classificações, que são coisa diferente e necessária. Induzir ou conduzir, por quaisquer meios, os professores à batota é que não – é mau para todos e impossível para alguns.
Fim de parêntesis.
Mas o sentido desta conversa é outro: Temos menos de meio ano para o fim das aulas. E era bom que todos se pudessem divertir tão intensa quanto merecidamente por alturas do S. João.
Ao trabalho, até lá.

José Batista d’Ascenção