Teve lugar esta tarde, às 15.00 horas, no auditório da Escola Secundária Carlos Amarante (ESCA), em Braga, uma conferência proferida pelo Professor Doutor Jorge Paiva, sobre o aumento da biodiversidade urbana, que se acentua desde as últimas décadas do século XX, por oposição à diminuição da biodiversidade em meio rural, com esclarecimento das razões que justificam esses factos.
Numa sala (algo limitada, é certo) onde se apinhavam cento e quarenta pessoas, entre alunos de 10º, de 11º e de 12º ano e professores, ilustrada com belas fotografias, apenas com a identificação (científica) necessária, a sessão decorreu com os participantes presos às imagens e às palavras do orador. Alguns ahs! de surpresa, brilho nos olhos e sorrisos abertos enquanto o tempo voava. E no fim, parecia que faltavam as palavras para as perguntas que alguns queriam fazer, mas ninguém se levantava. Os alunos gostaram muito. Gostaram mesmo, disseram eles, na hora e depois. E tinham perguntas, que acabaram por fazer. E a que obtiveram respostas. Alguns sentiram necessidade de pedir que o Professor Paiva os escutasse em particular, no final. E assim se fez. Mas nenhum deles tinha pressa de sair, isso não, e foi agradável de ver.
Na dúvida sobre se poderia haver algumas reticências à publicação de imagens de alunos, insere-se neste texto apenas uma fotografia documental, com o Professor Jorge Paiva a esclarecer uma questão colocada por eles. Fica assim, para já, podendo este apontamento ser sujeito a reedição.
Adianta-se apenas um grande obrigado aos professores do grupo de Biologia e Geologia da ESCA, com destaque para a Professora Paula Jacinto, que, além de colaborar na organização, elaborou o cartaz e decorou o espaço, e ao Professor António Carlos que fez a cobertura fotográfica da sessão. Nota de gratidão também para todos os professores e alunos que estiveram presentes. E um grande grande obrigado, naturalmente, ao Doutor Jorge Paiva.
Segue-se resumo da conferência, fornecido antecipadamente pelo autor:
RESUMO
Em Portugal, não constituía preocupação autárquica a relevância da biodiversidade urbana. Os autarcas apenas se preocupavam em plantar árvores nalgumas artérias, em intercalarem alguns espaços ajardinados entre o denso casario e, por vezes, em aproveitar subúrbios, ainda ruralizados, para Parques Urbanos, como aconteceu, por exemplo, com o Parque Florestal de Monsanto em Lisboa e, mais recentemente, com o Parque da Paz em Almada.
A função mais relevante das árvores das artérias urbanas não é embelezarem ou sombrearem, mas despoluírem, pelo oxigénio (O2) que produzem e pelo gás carbónico (CO2) que consomem. Por não ser esta a percepção de muitos autarcas (infelizmente, há ainda muito quem continue retrógrado) é que a maioria das árvores das nossas artérias urbanas são exóticas (por exemplo, em Coimbra, das cerca de sete dezenas de espécies de árvores plantadas nas ruas, apenas cerca de uma dúzia são nativas) e são drasticamente podadas. Aliás, na maioria das vezes, não são podas, são “derrotas”. Actualmente, há já bastantes autarquias a plantarem árvores nativas, como, por exemplo, carvalhos (Quercus spp.), medronheiros (Arbutus unedo) e azereiros (Prunus lusitanica).
Muitos animais, particularmente aves, répteis, anfíbios e insectos, habitam os amplos espaços urbanos arborizados. Por exemplo, no Jardim Botânico de Coimbra foram inventariadas, na década de 80, cerca de meia centena de aves, algumas pouco comuns, como o dom-fafe (Pyrrhula pyrrhula), outras raramente vistas no meio urbano, como a perdiz-comum (Alectoris rufa) e o mocho-real (Bubo bubo).
Particularmente, a microfauna das áreas verdes urbanas lusitanas está ainda tão mal estudada que basta dar o exemplo de terem sido descobertas, muito recentemente (publicadas em 2009), duas espécies de aranhas, novas para a ciência, uma (Tegenaria barrientosi) no Jardim Botânico de Coimbra e outra (Tegenaria incogsnita) no Parque Florestal de Monsanto (Lisboa).
A agricultura intensiva implicou o derrube de grande número de árvores e a poluição química dos campos, o que provocou uma diminuição drástica do número de insectos, vermes e pequenos mamíferos. Assim, não só muitas aves como até mamíferos procuraram refúgio, como também alimentação nos espaços verdes urbanos. Alguns desses animais passaram até a ter novos nomes vulgares como, por exemplo, a raposa (Vulpes vulpes) que, em Inglaterra, é conhecida como “fox” e a urbana como “city fox”.
Por isso, é comum vermos nos jardins, parques e artérias urbanas muitas aves dos campos, que passaram a ter toda a vivência (do nascimento à morte) fora do meio rural, habitual da espécie, como, por exemplo, melros (Turdus merula). O melro urbano não só tem já hábitos distintos do rural, chegando a não migrar, reproduz-se mais cedo, como também tem várias posturas anuais, com poucos ovos, em vez de uma única, com mais ovos. Até algumas aves de rapina se tornaram urbanas, nidificando nas varandas de prédios, como o falcão-peregrino (Falco peregrinus), actualmente bastante comum nas cidades europeias.
Em Coimbra, actualmente, já se observam, com relativa facilidade, lebres (Lepus europaeus), raposas (Vulpes vulpes), genetas (Genetta genetta), doninhas (Mustela nivalis) e lontras (Lutra lutra), tendo até já ocorrido (1996) o atropelamento de um javali (Sus scrofa) próximo da entrada principal do Hospital da Universidade e no dia 17 Outubro de 2013, às 7 da manhã, foi atropelado um na Avenida do Brasil, na Figueira da Foz.
Em Londres, já é relativamente fácil observarem-se texugos (Meles meles) e, em alguns parques de grande dimensão, como, por exemplo, Richmond Park, veados (Cervus elaphus).
Noutros continentes também ocorrem no meio urbano animais tipicamente selvagens, como o coiote (Canis latrans) e o puma (Puma concolor) na América; o urso-pardo-asiático (Ursus arctos subsp. lasiotus) e o leopardo-asiático (Panthera pardus subsp. fusca) na Ásia; o canguru-gigante (Macropus giganteus) e a cacatua-rosada (Eolophus roseicapilla) na Austrália.
Em Portugal, além da fauna e flora nativas, aumentou muito o número de árvores e arbustos exóticos plantados nas áreas verdes mais recentes dos meios urbanos, bem como de animais exóticos, particularmente aves, como a rola-turca (Streptopelia decaoto), já muito frequente, e outras, muitas escapadas de gaiolas, como, por exemplo o barulhento piriquito-de-colar (Psittacula krameri).
Jorge Paiva. Biólogo
Centro de Ecologia Funcional. Departamento de Ciências da Vida. Universidade de Coimbra
jaropa@bot.uc.pt
José Batista d'Ascenção