quinta-feira, 18 de julho de 2019

Sucesso escolar por decreto, mediante (e sob pena de) burocracia (infernizante)

Na escola pública em Portugal não passa governo que não implemente, como agora se diz, inovação atrás de inovação, a pretexto do que é necessário melhorar, mas frequentemente com resultados que ou não são avaliados ou, quando visivelmente pouco abonatórios, são varridos para debaixo do tapete, sem responsabilizar quem impôs a sua execução, por vezes de modo autista ao longo de muitos anos.
Vai daí, decretam-se novas inovações, não raro com as mesmas ideias sob outras roupagens.
Vem isto a propósito do diploma legal que pretende promover «o sucesso educativo e, por essa via, a igualdade de oportunidades». O que devia estar bem. Até porque, «os dados disponíveis mostram (…) que nem todos os alunos veem garantido o direito à aprendizagem e ao sucesso educativo». Além do mais, tem «a escola de «preparar os alunos, que serão jovens e adultos em 2030, para empregos ainda não criados, para tecnologias ainda não inventadas, para a resolução de problemas que ainda se desconhecem», dispõe judiciosamente a mesma lei.
Há ingénuos (como eu) que pensam que a melhor forma de preparar o futuro é as crianças e jovens aprenderem quem somos, adquirirem conhecimento filosófico e científico consolidado e serem capazes de se exprimir e de (se) questionar correctamente. Para além disso, são imprescindíveis princípios e valores éticos, os quais, mais que instilados por via discursiva (olhai para o que digo…) são interiorizados pelo exemplo, pela responsabilização e, preferencialmente, pela assunção espontânea de responsabilidade (não olheis para o que faço…). Doutra forma não preparamos ninguém para os problemas a enfrentar, conhecidos ou desconhecidos, antes acrescentamos mais problemas - previsíveis e imprevisíveis - à partida e para o futuro.
Os curricula do ensino básico e secundário visam «garantir que todos os alunos (…) alcançam as competências definidas no Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória». E mais diz a dita lei que o «acesso ao currículo por todos os alunos» (…) assenta «no reconhecimento de que todos têm capacidade de aprendizagem e de desenvolvimento em todas as áreas de estudo».
Todos, em todas as áreas de estudo? Sim. É o que diz a lei. Já a realidade, o que nos diz, o que (nos) mostra?
Momentos antes de rascunhar este texto passei por uma rua da cidade onde vivo e vi um vulto humano rodeado de uma mala e uns sacos, deitado no chão, sob um cobertor. Não estipula a (nossa) lei fundamental (ponto 1 do artigo 65 da Constituição da República Portuguesa) que todos têm direito a uma habitação condigna?
Maldita realidade, às vezes.
Que ganhamos em negá-la, na letra da lei?

José Batista d’Ascenção

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