domingo, 4 de fevereiro de 2018

A Escola de hoje: competição por alunos, inflação de notas, «rankings» e negócios

Médias de exame e classificações internas. In jornal «Público»
Condições de vida difíceis e muito pouco atractivas, particularmente no interior do país, que se foi desertificando, levaram muitas pessoas a deslocar-se para as cidades do litoral, onde a vida não é mais fácil e, por isso, ultimamente, a emigração (nos) levou até os jovens academicamente bem preparados. Por estas e por outras razões, a natalidade em Portugal é muito baixa e o número de crianças que entram nas escolas decresceu acentuadamente nas últimas décadas. Das idades do 1º ciclo para as seguintes, há uma onda de decréscimo de alunos que põe as escolas às moscas e faz sobrar professores, que desesperam por um horário disponível.
Entretanto, como se havia cavado um fosso entre os governantes e as organizações sindicais com forte implantação, como era a que representava maioritariamente os professores, os actores políticos do que se chamou o «arco da governação» passaram a ter como prioridade quebrar os docentes de qualquer jeito, ignorando que muitos deles sentiam genuína vontade de que muitas coisas no ensino pudessem ser modificadas para melhor. Quando Maria de Lurdes Rodrigues chegou ao ministério da educação, desde o presidente da república ao governo, passando pelo maior partido da oposição, todos a elegeram como heroína improvável, rejubilando com prodígios de incompetência e irresponsabilidade que ajoujaram a docência até hoje, numa marcha que já vinha de antes e conduziu a escola pública para a irrelevância, a que ainda se não vê o fim. No deve e haver, ninguém, excepto, talvez, o ensino privado, ganhou com isso…
Aqui chegados, uma das grandes prioridades das escolas, senão a primeira, é ter alunos. E, dado que muitos pais o que querem é que os seus filhos progridam e que cheguem às universidades de qualquer maneira, para o que é preciso «notas» numa pauta, «dar boas notas» passou a determinar a equação, enquanto «finalidade» de muitos encarregados de educação e via de cativação de alunos por parte das escolas. Já os próprios alunos prestam-se, por vezes, ao papel de agentes de «notificação» informal junto de professores, dando(-lhes) a saber que, não havendo «boas» classificações, mudam de escola.
Em consequência, médias de 19 e até de 20 não são actualmente uma raridade, como se o número de génios tivesse disparado entre os nossos jovens. Não é por acaso. Claro que para esta tendência contribuem outras razões, desde certas políticas de «promoção do sucesso», traduzidas em pressão sobre a atribuição de classificações pelos professores, até ao aumento da burocracia obrigatória associada a planos (teóricos) de recuperação a cargo dos docentes, quando os resultados não aparecem, e a justificações pormenorizadas perante quaisquer reclamações, mesmo que infundadas, dos encarregados de educação. Num quadro assim, nem vale a pena falar da dificuldade que é colocar os alunos a fazerem testes individualmente, em salas pequenas, sobrelotadas, com os alunos sentados juntos, quase «obrigados» a copiarem uns pelos outros…
Claro que quanto pior funciona a escola pública, mais aumenta a procura de escolas privadas, algumas de qualidade e outras longe disso, seleccionando os alunos pelo poder de compra e pelas capacidades de fazerem boa figura, o que aumenta o prestígio dessas escolas e a possibilidade de atraírem mais alunos. Ensinar alunos com dificuldades e/ou indisciplinados fica para a escola pública, condenada socialmente pelos insucessos, até por aqueles que tenta ensinar.
A fazer opinião sobre a matéria tem especial responsabilidade a comunicação social, particularmente a escrita, que perde leitores continuamente e tem que fazer pela vida. Não espanta que tenham surgido as listagens chamadas «rankings», como se se tivesse encontrado um meio justo de premiar e aclamar escolas, rebaixando outras como se padecessem de lepra e precisassem de expiar a sua culpa perante arraiais de vozearia tão arrogante quando infundada. Mas também há quem enquadre os ditos «rankings» em análises de grande interesse, de modo muito sério, como é o caso do jornal «Público». Em destacável de 48 páginas, publicado ontem, ali se dá conta da «luta a cada ano para não perder alunos» por parte de algumas escolas, da dificuldade das escolas públicas em «garantir o sucesso dos seus alunos, quando este é medido pela ausência de retenções», da importância do «contexto socio-económico dos alunos» e da «inflação das notas internas dos alunos» que é «sistemática» ao longo de anos, enquanto prática de algumas escolas, sobretudo privadas, segundo diferentes especialistas, e, consequentemente, das questões que se levantam «do ponto de vista da entrada num curso superior».
Fonte: jornal «Público»
Este tópico merece análise detalhada, por Conceição A. Silva, nas páginas 10 e 11, com dados muito elucidativos, que mostram que «a inflação das notas pode conduzir a injustiças graves no acesso ao ensino superior, em que o mérito do aluno assume um papel secundário face à sua escola de origem», sendo que também há casos de subavaliação, os quais, como os de sobreavaliação, dependem essencialmente dos «critérios de exigência de cada docente ou do grupo de docentes de uma escola». Igualmente importante, na mesma análise, a referência a estudos da Católica Porto Business School e da Faculdade de Engenharia do Porto, que constatam que «os alunos que entraram em vantagem no ensino superior não têm necessariamente o melhor desempenho universitário»… Por exemplo, «num universo de 10.000 alunos da Universidade do Porto e da Universidade Católica do Porto, os alunos provenientes de escolas privadas entram posicionados acima da média de entrada do curso num determinado ano, mas terminam o primeiro ano em desvantagem, com menos disciplinas feitas em média e com notas abaixo da média do curso»…
Enfim, o trabalho do jornal «Público» merece respeito, tanto quanto os dados merecem reflexão. O tema é inesgotável e há muitos aspectos da vida das escolas sobre os quais não se faz luz e ninguém discute… Parecem clandestinos, mas são dolorosamente reais.

José Batista d’Ascenção

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