quinta-feira, 12 de abril de 2018

Quem decide o que ensinar em matéria de biologia e geologia no ensino secundário em Portugal?

O «corpo de delito»
Em décadas que levo como professor (sobretudo) do ensino secundário, nunca percebi exactamente quem e como, no ministério da educação, por sua ordem ou delegação, define os conteúdos que me cabe ensinar.
Os professores da (minha) área, desde que ingressei na profissão, que me lembre, nunca foram envolvidos em algum trabalho de análise sistemática, consistente e consequente sobre a matéria; e as opiniões/sugestões ou comunicações/queixas que emitiram acerca de problemas de leccionação esbarraram, em regra, em olímpica indiferença.
Desde meados da década de oitenta do século passado várias foram, no entanto, as mudanças de programas e de disciplinas (que chegaram a multiplicar-se por socorrismo, ecologia e noções básicas de saúde, para além de biologia, propriamente dita, e geologia), das respectivas cargas horárias semanais, bem como da sequenciação e articulação de conteúdos em cada programa e entre os vários do mesmo ano ou, verticalmente, ao longo do ciclo trienal do ensino secundário.
Os programas e as disciplinas, quando mudavam, mudavam porque sim, e raramente resolviam os problemas sentidos, ao mesmo tempo que criavam outros. Tais foram sempre as coisas que, em muitos professores, chegou a haver receio de apontar falhas nos programas porque isso parecia uma garantia de que essas dificuldades i(ri)am permanecer, acrescidas de outras, como se fora algum tipo de condenação…
Os programas em vigor nos 10º, 11º e 12º anos foram homologados em 2001, 2003, e 2004, respectivamente. Até hoje, o único que viu incidir sobre si alguma medida legal foi o de 12º ano, mas apenas e só sobre a carga horária atribuída, que, ao tempo do anterior ministro da educação, passou de sete horas semanais para os alunos para apenas cinco quatro [corrigido em 03/05/2018], sem, no entanto, se indicar qualquer redução nos conteúdos, o que dificulta muito o seu cumprimento.
Nos 10º e 11º anos, a componente de geologia é a mais coerente e a mais bem articulada dos respectivos programas, embora com falta de conteúdos, que deviam incluir, por exemplo, o estudo dos solos, por razões de economia (das pessoas e do país) e de ecologia e ambiente (os solos influenciam o tipo e qualidade da vegetação: da agricultura, das florestas, logo do ar, da paisagem…), assim como se devia aligeirar outras rubricas, por exemplo certas especificidades relacionadas com metamorfismo e magmatismo ou outras consideradas de menor relevância geral.
O programa de biologia de 10º ano é absolutamente extraordinário no pior sentido. Os conteúdos que, considerados isoladamente, são bonitos e interessantes, mesmo do ponto de vista dos alunos, são de uma vastidão e diversidade imensa, só comparável à fraca relação e articulação entre si. Este programa falha clamorosamente na sequenciação e relacionação das matérias, que interliga de forma puramente artificial, de tal modo que cada unidade didáctica não tem apoio na(s) anterior(es) nem se continua ou aprofunda na(s) seguinte(s). A agravar o problema soma-se a indefinição do que realmente deve ser leccionado, porque qualquer aprofundamento vem com a recomendação específica «a evitar», restando apenas o que é ligeiro, genérico e vago para «enfatizar». Os manuais existentes estão de acordo com estas recomendações e por isso não facilitam o estudo, mormente em exercícios que parecem destinados a alunos sem neurónios… A pobreza destes auxiliares de trabalho é confrangedora e acarreta depois violenta punição nos exames nacionais, os quais, frequentemente, ignoram ou contrariam o que os programas estipulam. Não fossem as aulas práticas que se vão fazendo e o gosto dos alunos pela disciplina poderia reduzir-se à aversão mais profunda. Felizmente, o programa de biologia de 11º ano é muito melhor, mas não resolve o choque dos alunos no ano anterior nem os poupa ao embate subsequente da prestação em exame.
Porque é que aquele programa se mantém? A resposta é um mistério persistente, que nem o ministério da educação esclarece, nem os professores, nem as associações que, de algum modo, os representam (a Ordem dos Biólogos e a Associação Portuguesa de Professores de Biologia e Geologia) questionam publicamente. Repare-se que, na área de ciências, no tempo de Nuno Crato, os programas de matemática foram (bem ou mal) alterados, e em física e química foram definidas novas «metas curriculares», mas nos programas de biologia e geologia ninguém ousou mexer.
Será porque os responsáveis entendem que está tudo bem? E que não há nada a dizer sobre a matéria?
O silêncio durará até quando? 

José Batista d’Ascenção

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