domingo, 29 de abril de 2018

«Flexibilização curricular», aonde nos leva(rá)?

Esquema conceptual do perfil dos alunos à saída
do ensino obrigatório. Este perfil será consensual:
dúvidas (sérias) residem na (melhor) forma de o
alcançar.
O fim do ano (lectivo) aproxima-se a passos largos. Aumentam as preocupações dos professores e as pressões (não necessariamente por parte dos docentes) sobre os alunos, particularmente os que vão apresentar-se a exames. Idealmente, uns e outros deviam concentrar-se nas respectivas funções sem sobrecargas nem solicitações perturbadoras (e não apenas nem principalmente por causa dos exames…).
Mas os professores são submetidos a outras exigências, apesar de a sua colaboração e opiniões normalmente não serem tidas em conta. Desta vez, como há vontade de expandir a todo o sistema de ensino básico e secundário uma experiência sobre o que se designa «flexibilização curricular», que decorre desde o início do ano lectivo em 235 escolas, os docentes deviam pronunciar-se sobre o tema, até final deste mês de Abril, depois de estudarem uma série de documentos correlativos, sendo que o projecto de diploma legal já foi aprovado na Assembleia da República.
Acontece que, nas disciplinas da área de biologia e geologia do ensino secundário, os programas, que datam de 2001, 2003 e 2004, nunca foram revistos (e tanto que era necessário!), nem sobre o seu cumprimento foi dada qualquer notificação quando os tempos de leccionação foram diminuídos, como se verificou com o programa de biologia de 12º ano, no tempo do anterior ministério da educação. Ora, como os tempos horários do projecto de diploma atribuídos especificamente às disciplinas desta área são novamente reduzidos no 12º ano e, eventualmente, no 10º e no 11º anos, e como não se conhece documento que seleccione o que são as agora designadas «aprendizagens essenciais» de entre os conteúdos daqueles programas, ficam os professores sem saber o que e como fazer para os cumprir na totalidade, o que pode causar séria perturbação aos alunos e aos seus pais, sobretudo em face dos conteúdos sujeitos a exame.
Ou será que, finalmente, os programas de biologia e geologia do ensino secundário vão ser revistos? Nada o indica, pois que um dos documentos em análise, intitulado «Aprendizagens Essenciais/Articulação com o Perfil dos Alunos», relativo aos conteúdos programáticos de biologia e geologia, limita-se (casualmente?) a «alguns exemplos (…) concretizados em descritores das áreas essenciais elencadas por domínios» simplesmente retirados dos próprios programas (cuja execução, ao longo dos anos, tem dado resultados sofríveis), em suposta articulação com certos pontos definidos no «perfil dos alunos», mas de uma forma que padece de confrangedora vacuidade, nada acrescentando ao que já se tenta fazer…
O decreto-lei em projecto, no seu artigo 2, estipula: «o disposto no presente decreto-lei aplica-se às diversas ofertas e modalidades educativas e formativas do ensino básico e secundário, no âmbito da escolaridade obrigatória, ministradas em estabelecimentos de ensino público, particular e cooperativo, incluindo escolas profissionais, públicas e privadas»… O ponto dois do artigo 12 estabelece que «a autonomia curricular concedida às escolas, num intervalo de variação entre 0% e 25%, é localmente construída por iniciativa de cada escola.» O seja: as escolas podem decidir em que medida vão usar a «flexibilidade curricular», mas seria desejável que não fossem pressionadas a seguir por caminhos não isentos de riscos de que nunca haverá responsáveis…
É que muitos professores gostariam que se procedesse à avaliação criteriosa das experiências em decurso depois de finalizado o ano lectivo (auscultando preferencialmente os que têm a seu cargo a leccionação a mais que uma turma) e se procedesse então às necessárias correcções, de modo a que as escolas pudessem colmatar falhas ou reorientar metodologias ou, no limite, terminar as experiências, se não houver melhoria (objectivamente aferida) de resultados relativamente ao padrão médio conseguido antes. 
Seria imprevidente avançar sem um enorme esforço para medir as consequências, evitando alimentar o ciclo irracional de sucessivas mudanças na «educação», como tem sido hábito e segundo o velho modelo que obriga, quer a reuniões infinitas, em duração e frequência, para discutir subjectivismos etéreos sem senso nem consenso, quer às tradicionais e fastidiosas acções de formação de nenhuma substância e terrivelmente cansativas. Como se está já a fazer, em matéria de «cidadania», assunto que é menos de ensinar e mais de praticar, dar o exemplo e exigir em conformidade.

José Batista d’Ascenção

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