segunda-feira, 9 de dezembro de 2024

Ortografia e a dor de ser professor

Trata-se de alunos de 12º ano, para todos os efeitos, alunos pré-universitários. São simpáticos, meigos e educados, embora suponham que podem conversar continuamente durante as aulas e, claro, pensam também que copiar nos testes é um procedimento banal, não condenável. Professores como eu têm uma pedagogia esquisita na opinião deles, é convicção minha.

Terminei a correcção dos segundos testes deste primeiro período. Um aluno, que tirou 18,4 (a segunda melhor nota), escreveu «impocível», «cituação» e «projenitores». Um outro, que tirou 11, redigiu «triçomia» e «penagem» (em vez de plumagem). Para muitos, a construção frásica é cheia de aleijões. Poucos escrevem bem, admito que por influência principalmente dos pais e dos professores do ensino infantil, que deviam receber prémios.

Não se deduza que inflacionei as notas, que variam entre 4 e 19.

A escola chegou ao estado em que está e não pára por aqui, se os meus temores se confirmarem.

O que devo fazer: Emigrar? Organizar uma manifestação ruidosa nas escadas do parlamento? Injuriar alguém?

Ou, simplesmente, guardar segredo?

José Batista d’Ascenção

P.S.: A dor dos professores pode ter origens diversas. Há quase década e meia, o jornal «Público» publicou um texto meu sobre o tema. Talvez o afixe aqui, para se poder aquilatar da evolução do «estado da síndrome».

terça-feira, 26 de novembro de 2024

“Botânica, Camões e Cultura”, pelo Prof. Jorge Paiva

Eram alunos de artes e (maioritariamente) de ciências. Eram professores, de vários grupos disciplinares. Limitámos as presenças porque é acanhado o auditório da Escola Secundária Carlos Amarante.

Imediatamente antes de o Professor “abrir o livro”, a introdução fez-se pela voz e viola de Margarida Corsino, entoando a “Senhora do Almortão”, na versão que fala de maçãs camoesas. Um deleite.

Seguiram-se as palavras e as imagens trazidas pelo Professor. Um regalo. Sobre a mesa espraiavam-se várias especiarias, como as dos tempos da «carreira da Índia», já lá vão quinhentos anos.

O tempo voava. O auditório ficou imerso no tema. Um tema sem fim, o que tornou a especificidade da sessão (ainda) mais preciosa.

A culminar, a distribuição do postal de Natal (de 2024) do Professor Jorge Paiva. Uma mensagem pungente, associada à imagem belíssima do Narcissus poeticus.

Bem a propósito, a música, a lição e a mensagem de Natal, homenageando o nosso Poeta maior, em ano de comemoração do quinto centenário do seu nascimento, e pugnando pela defesa do ambiente.

Há manhãs felizes.

José Batista d’Ascenção

quarta-feira, 20 de novembro de 2024

Caixa de «tetris»

Nunca, até um dia desta semana, em quatro décadas de ensino, um característico objecto de laboratório de biologia, tinha, que eu soubesse, merecido designação tão bizarra. Por mais de uma vez, na última aula laboratorial, designara eu as caixas de Petri antes da sua utilização. E não só as tinha chamado pelo nome, como o tinha escrito no quadro, noutra aula, em finais de Setembro (dia 26).

Donde pode, então, ter-se originado a confusão? Os alunos (porque foi mais do que um…) não sabem. Eu também não, por isso coloco a única hipótese que me ocorre.

Nos anos mais recentes, manuais, editoras e certos professores carregam no apelo ao que chamam «gamificação», que praticam com entusiasmo. Trata-se do uso de jogos para promover a aprendizagem. Vai daí, a coisa generalizou-se, porque é muito estimulante, senão da aprendizagem, pelo menos do jogo, mais ou menos viciante que possa ser.

Ora, «tetris» é nome de jogo comum em dispositivos electrónicos. Haverá relação?

Professores como eu não são adeptos da «gamificação». A ideia não é nova e já merecia dúvidas a Almeida Garret, quando escreveu: «Não sou grande apaixonado… do ensino por meio de brincos e bonitos. Digo que não sou apaixonado do excesso a que se tem levado»… [In: «Da Educação», MDCCCXXIX].

Assim vamos aonde não devíamos ou deixamos de ir ao que devia ser o mais importante.

E quem se importa?

José Batista d’Ascenção

sábado, 9 de novembro de 2024

Aulas de cidadania – e se acabássemos com elas?

Em minha opinião, a cidadania, como a educação, em geral, é mais algo que se pratica e de que se dá o exemplo, diariamente, do que matéria para ensinar em (doses de) aulas específicas. A introdução de uma disciplina de cidadania nos currículos escolares logo redundou em descrédito e tem dado azo a disputas políticas que não apoiam nem prestigiam as instituições escolares.

Para os alunos, as aulas de cidadania são tempos de aborrecimento e para os professores são igualmente pouco estimulantes porque não conseguem que as matérias e a acção que desenvolvem sejam levadas a sério. Por outro lado, como a escola tem de ser legal e formalmente uma «escola de sucesso», menos se admite que o aproveitamento em aulas a que não se dá importância possa ser avaliado negativamente, donde, há meninos que, não se comportando nelas de modo propriamente exemplar, têm tão boas classificações como os outros, o que só aumenta o descrédito.

Esta é a realidade que temos, sedimentada no tempo e na experiência. Convinha que atentássemos nela e fôssemos capazes de ser consequentes.

Os professores fazem educação e cidadania quando são educados, ensinam bem, com a cabeça e com o peito, cumprem as normas de cidadania e exigem conhecimentos e comportamentos em conformidade, apoiados na lei, no funcionamento das hierarquias e - muito importante - na vontade expressa da generalidade dos encarregados de educação.

Então, toda a acção escolar será de verdadeira cidadania.  

José Batista d’Ascenção

quarta-feira, 30 de outubro de 2024

MENDEL – «O Pai da Hereditariedade». Alguns dados biográficos.

Para alunos de biologia de 12º ano de escolaridade

Gregor Mendel nasceu em 1822 numa região que pertencia à Áustria, na cidade de Heizendorf, e que hoje pertence à República Checa. Foi padre, mas a atividade a que mais se dedicou foi a de professor do ensino liceal, atual ensino secundário.

Em 1840, tirou o curso dos liceus (atuais escolas secundárias) e depois pretendeu entrar para a Universidade, mas não tinha recursos para prosseguir estudos. Um professor sugeriu-lhe então que entrasse para um convento para que pudesse continuar a estudar.

Em 1843, entrou para um convento, em Brünn (Brno, em português), passando a chamar-se Gregor (o seu nome de nascença era João, João Mendel). Nesse convento fez estudos de Teologia e simultaneamente também estudou no liceu local, que era um liceu clerical.

Em 1849 ficou como professor no liceu da localidade, onde ensinou grego e matemática.

Em 1850 foi fazer exame para professor efetivo do ensino secundário, mas desistiu.

Em 1851, o superior do convento chegou à conclusão de que Mendel tinha qualidades excecionais para o estudo de Ciências Naturais e mandou-o estudar para a Universidade de Viena. Tinha então 29 anos. Aí tirou o curso que hoje poderíamos fazer corresponder ao de Biologia.

Em 1853 regressou à sua cidade – Brünn, e, como professor não efetivo, ensinou Ciências Naturais no liceu.

Em 1856 apresentou-se de novo a exame para professor efetivo do ensino secundário, mas tornou a desistir. Até 1858 ensinou no liceu de Brünn.

As suas experiências sobre hereditariedade foram iniciadas em 1862 no jardim do convento e foram realizadas com ervilheiras da espécie Pisum sativum, durante quatro anos. Em 1866, Mendel analisou os resultados dessas experiências e apresentou-os num trabalho intitulado “Experiências de Hibridação nas Plantas”, trabalho que contém as leis da hereditariedade. Nesse título, Mendel mostrou-se modesto, pois podia ter escolhido outro com mais impacto, como por exemplo: “Descoberta das Leis da Hereditariedade”.

A publicação do trabalho de Mendel foi feita numa revista local de Ciências Naturais sem grande importância. Daí que, durante mais de 30 anos, esse trabalho se tivesse mantido desconhecido. Devido à sua pequena divulgação, os autores contemporâneos de Mendel desconheciam-no, como era o caso de Charles Darwin (mais velho do que Mendel 13 anos – nasceu em 1809 - e que morreu 2 anos antes dele, em 1882).

Em 1868, Mendel foi nomeado abade do convento e quase suspendeu as suas experiências. Em 1871 viria a trabalhar com outra planta, a Hieracium pilosella, tendo obtido resultados que não conseguiu interpretar...

A atividade experimental de Mendel durou apenas nove anos, de 1862 a 1871, e o período mais importante decorreu entre 1862 e 1866.

Mendel tinha uma boa preparação matemática e tinha lido os trabalhos de outros autores sobre hereditariedade [casos de Georg Heinrich Koelreuter (alemão), Karl Friedrich von Gaertner (alemão), Charles Naudin (francês) e Darwin], pelo que possuía muitos elementos que lhe foram úteis e justificam o seu êxito. Outro aspeto que também lhe foi favorável foi o facto de ter escolhido uma planta que tinha todas as vantagens para o tipo de experiências a que se propusera.

Em 1884 morreu com 62 anos.

Os naturalistas contemporâneos de Mendel não compreenderam o seu grande mérito científico. Só em 1900, três investigadores redescobriram os seus trabalhos, de forma simultânea e independente. Foram eles o holandês Hugo de Vries, o alemão Carl Correns e o austríaco Tschermak-Seysenegg. Realizando estudos sobre variabilidade de plantas, ao lerem a obra de Gregor Mendel, reconheceram a sua importância para a interpretação dos dados que haviam obtido. As leis da hereditariedade foram redescobertas e divulgadas. Com cavalheirismo científico, aqueles investigadores resgataram o defunto monge do anonimato e elevaram-no à merecida condição de «pai das leis da hereditariedade».

José Batista d'Ascenção

quarta-feira, 23 de outubro de 2024

Botânica, Camões e Cultura, por Jorge Paiva


Em Camões, o sublime que engrandece.


Botânica, Jorge Paiva esclarece.


Cada um de nós disfruta e enriquece.



500 anos depois.


José Batista d'Ascenção

quarta-feira, 16 de outubro de 2024

Ainda há coisas boas no ensino

Um dos tempos de apoio (às minhas disciplinas) é às Quartas e começa a hora imprópria: 14.05 h.

Chegou afogueada, com quinze minutos de atraso, preocupada em justificar-se: a fila da cantina era longa, comeu à pressa, e viera directamente, de tal modo que deixara a mochila na biblioteca.

Sosseguei-a, disse-lhe que, se precisasse de algum material, podia ir buscá-lo e que, depois, me dava conta das suas dúvidas sobre a matéria. Tudo sem correr.

Pouco demorou. Trazia as dificuldades bem elencadas. Deu tempo para esclarecê-la e elogiar-lhe o esforço.

Não compareceu mais ninguém, afinal, o teste é “só” para a semana… Ela precata-se com tempo. Vai passar a trazer que comer de casa, para comparecer com mais frequência, disse-me, num sorriso aberto.

Ficou contente por se sentir esclarecida, agradeceu e despediu-se.

De nada, retorqui, e pedi-lhe para não ficar aflita – basta pedir ajuda.

Só, permaneci um minuto a saborear o gosto de me sentir útil – o troféu profissional que mais desejo.

Hoje foi um dia compensador.

José Batista d’Ascenção

terça-feira, 15 de outubro de 2024

A escola de hoje – notícias que deixaram de ser notícia

Mais de metade dos professores (55,4%) admite que já foi “vítima de agressões físicas ou verbais por parte dos alunos”, revela um inquérito realizado pelo movimento Missão Escola Pública, que alerta para o facto de este resultado evidenciar “uma deterioração preocupante das condições de segurança e respeito no ambiente escolar”.

In: jornal «Público» de hoje, 1º parágrafo de um artigo de Clara Viana, na pág. 14 da versão impressa.

José Batista d'Ascenção

domingo, 13 de outubro de 2024

Velhos professores e professores velhos

Obedeço às duas condições, mais por sentimento do que pela cronologia.

Sinto-me um velho professor porque me identifico com uma profissão valorizada, valorização que velhos profissionais sentiam, em tempos que já lá vão, tempos que não foram tão bons assim, nem para mestres nem para (muitos) alunos, mas em que, apesar de tudo, o professor se sentia respeitado.

Hoje, isso não acontece: nem pelas leis, nem pelas hierarquias, nem pelos alunos, nem pelos seus pais, nem pelas instituições forma(ta)doras, nem sequer pelos pares. E tudo e todos vão pagando entre si na mesma moeda. É a triste realidade, que constato e de que não me queixo.

E também me sinto um professor velho pelo muito que já vi e vivi na profissão, em que teorias e metodologias, sempre em mudança, porque inconsistentes e mal fundamentadas, nos trouxeram até ao presente, com uma grossa fatia de alunos a passar pela escolaridade obrigatória sem aprender a ler e escrever escorreitamente ou a pensar com racionalidade, mínimos que a ciência exige e recomenda.

Para uma fracção enorme de crianças e jovens - os filhos dos mais pobres, obviamente - a família e a escola não os preparam minimamente. Nessa medida, aquilo a que chamamos «educação» é ineficaz e a escola, tal como a conhecemos, é um falhanço crónico.

Não vale a pena encher a boca com «a geração mais bem preparada de sempre». É uma falácia, até porque todas as gerações deviam ser mais bem preparadas do que as que as antecedem.

Não escrevo isto por derrotismo, porque a «matéria-prima» não nasce intelectualmente defeituosa nem é incapaz. Quem falha somos nós, os adultos, forma(ta)dos por forma(ta)dores que eram e são tão limitados quanto nós, os «educadores».

Paradoxalmente, imperfeitos como somos, somos indispensáveis. Convém é que não nos enganemos, nem a nós nem aos outros. O mundo precisa de honesta assunção.

Por isso, sigo para a escola, em cada dia, com o mesmo sentimento de imprescindibilidade da primeira vez.

Mas não com a mesma crença nos resultados.

José Batista d’Ascenção

sexta-feira, 20 de setembro de 2024

Não educamos as crianças, tornámo-nos escravos delas

E elas - como nós - são escravas dos algoritmos digitais, dos conteúdos e da manipulação das redes sociais, assim como da publicidade e de grupos ou entidades cuja organização manobra desejos e comportamentos, desde tenra idade, à volta do desporto, de festivais de música, de excursões de «finalistas» de todos os ciclos de ensino, mesmo os mais iniciais…, e por aí fora.

Muito precocemente, os pais deixam de ser os principais orientadores da educação das crianças. Não raro por iniciativa comodista dos próprios, quando sossegam os infantes com recurso aos telemóveis e outros apetrechos, de que eles mesmos também são dependentes.

Não vão longe os tempos em que se liam alto histórias às crianças, mas parece. O léxico enriquecia-se, o pensamento faz-se com palavras e, nos petizes mais bem acompanhados, e afortunados, desenvolvia-se o gosto pela leitura, que potenciava as faculdades do raciocínio, da criatividade e da inteligência e alargavam-se os horizontes socio-afectivos e culturais. Tragicamente, quando os meninos começam a juntar as sílabas e deviam iniciar a leitura, pais que antes liam para eles deixam de o fazer, a pretexto de que devem passar a ler sozinhos. É matar à míngua a iniciação à leitura. E perder momentos íntimos de comunhão e partilha. Pior quando se pensa que aceder aos monitores favorece a leitura. É uma percepção errónea, que traz consequências nefastas. Vamos assim produzindo zombies digitais, viciados em jogos ou híper-estimulados a saltitar de comunicação em comunicação, ou entre anúncios ou pequenos vídeos, em que não se demoram, porque nem seriam capazes de ler meia dúzia de linhas que fosse. Algumas redes sociais limitam-se e limitam os seus assinantes a parcas dezenas de caracteres. Trata-se de cretinismo profundo e em expansão. Há meninos que, no fim de 5 ou 6 anos de escolaridade, não conseguem escrever o próprio nome sem erros. E alguns, ainda nos primeiros anos do primeiro ciclo, já reagem violentamente contra educadores infantis e professores. Muitos são prodígios de egoísmo e comodismo, acumulando quilos em proporção às horas que passam agarrados aos teclados. Outros não dormem e andam estremunhados nos tempos que deviam ser de aulas.

A tecnologia e a “inteligência artificial” não podem esvaziar o cérebro (de cada) humano, que tem de aprender o que lhe é fundamental, sob pena de alguém pensar por si – condição a que aspiram todos os ditadores e outros manipuladores.

Vêmo-lo diariamente, a investigação científica (digna do nome) fundamenta-o. Falta prevenir. 

José Batista d’Ascenção

terça-feira, 10 de setembro de 2024

O Senhor Ministro escreveu uma carta aos Professores

Chegou(-me) ontem. É simples e bem intencionada. Grandes e difíceis são os problemas. E a burocracia (habitual) para lidar com eles. Fala até em «libertar os Professores da carga burocrática que os exaura», a carta do Senhor Ministro. Oxalá. Nos conselhos de turma prévios, esta manhã, (ainda) não notei nada. Hábitos antigos.

Na carta é referida também a vontade do governo de «dar aos professores a importância que merecem». Vá lá saber-se porquê, esta parte provoca-me (sempre) reservas.

Mas, o novo ano lectivo e o trabalho com os alunos estão aí. Sinto o (mesmo) nervosismo de sempre.

À tarefa.

José Batista d’Ascenção

domingo, 8 de setembro de 2024

O elogio e a necessidade da leitura

Estamos na abertura de um novo ano lectivo. As escolas de maiores dimensões têm hoje alunos de dezenas de nacionalidades, o que acrescenta problemas novos e difíceis às muitas dificuldades que já tínhamos, que não conseguimos debelar e que continuam a agravar-se.

Uma dessas dificuldades radica no facto generalizado e incontestado de os alunos (os fracos e os bons) lerem pouco ou nada. Refiro-me à literatura e às obras dos autores de qualidade, clássicos ou recentes.

O livro «Ponham-nos a ler!», do especialista em neurociências, Michel Desmurget, põe o dedo na ferida, escalpelizando o assunto de forma documentada e factual, muito diversificada e completa - as referências bibliográficas, em letra miudinha, estendem-se por 53 páginas.

As vantagens dos livros e da leitura em papel, relativamente aos «écrans», não oferecem dúvidas. A sua importância e relevância começam na família, com a leitura partilhada com as crianças, a partir de tenra idade, e reflectem-se na escola e na vida, de modo notório e insubstituível – di-lo a neurologia. Por seu lado, a escola pouco pode fazer, se a batalha não for agradavelmente iniciada no seio familiar.

Os resultados de testes internacionais (PISA, PIRLS) e as análises de fóruns como a Comissão Europeia e a OCDE revelam a degradação que tem ocorrido nas últimas décadas. O trabalho docente confirma-o: muitos alunos, no final do ensino básico e no ensino secundário, têm um léxico muito reduzido e, simplesmente, não entendem o que os professores dizem. O desastre é manifesto, mas são muitos os que o negam. E afecta quase todos os alunos, mas mais os dos estratos socio-económicos desfavorecidos, num fosso que tende a alargar-se e que os especialistas baptizaram como «Efeito [S.] Mateus»: «A quem tem ser-lhe-á dado e terá mais, mas, a quem não tiver, até o que tem lhe será tirado» (227, 231, p).

Não é por acaso que os países nórdicos recuam na opção por manuais digitais. Em Portugal, encarregadas de educação encabeçam um movimento para proibição de telemóveis nas escolas (vide jornal «Público» de 02 de Setembro 2024, 13 p).

Não temos o direito de fazer de cegos. E também não podemos ignorar que cada vez mais professores de hoje e de amanhã são os não-leitores de ontem e de hoje, com consequências terríveis.

Em geral, os académicos das chamadas «ciências da educação» parecem alheios. Mas há uma boa notícia: os dados deste livro provêm, em grande parte, de estudos de investigação pedagógica.

Honra lhes seja.

José Batista d’Ascenção

segunda-feira, 26 de agosto de 2024

Acesso à Universidade – boas notícias, algumas com reverso

[Texto publicado hoje, no jornal «Público»]

Estas são alturas de expectativas relevantes para os jovens candidatos, que reflectem as políticas gerais de educação e formação. Felicitações aos que, merecidamente, ingressam no ensino superior. O país bem precisa deles.

Mas há aspectos que insistimos em ignorar. O último colocado em Engenharia Aeroespacial, na Universidade do Porto, entrou com 19,45. As médias dos restantes candidatos ao mesmo curso, naquela universidade, são (ainda) superiores. Não há nada de errado nisto? Muitas das nossas escolas secundárias transformaram-se em escolas de vintes. Aparentemente, isto incomoda poucos. Não é o meu caso.

Também se saúda o aumento do número de candidatos a cursos de formação de professores. Parece que as médias de entrada variam entre 11,3, em Bragança, e 15,6, no Porto. Para quem lida, há décadas, com os alunos do secundário, isto significa que alunos menos dotados e muitos deles muito mal preparados, no final do ensino secundário, serão os futuros professores (quem sabe se com boas notas de formatura). Dura realidade. E triste.

Também isto não é motivo de discussão. Só impertinentes podem referir o assunto.

Pois eu refiro.

José Batista d’Ascenção

terça-feira, 23 de julho de 2024

As escolas de vinte(s)

[Texto publicado hoje no jornal «Público», não a imagem]

Na procura de sucesso, ainda que apenas estatístico, coisa que até a OCDE estimula, e que zelosos intervenientes na educação fomentam no terreno, vemos agora escolas progredirem para um “sucesso” de topo de escala que, a ser verdadeiro, traduziria a quase perfeição dessas escolas, dos professores que nelas trabalham, dos alunos que as frequentam e dos seus encarregados de educação. Certos meios de comunicação encarregam-se, por seu lado, de lhes fazer o elogio, em encenações também elas perfeitas. Estes “ecossistemas educativos” correm o risco de vir a não conseguir progredir mais, por terem atingido o cume da excelência, a não ser que se arranjem escalas mais extensas, digamos…

Os vintes às catadupas parece que não levantam objecções.

Quarenta anos de experiência lectiva ininterrupta, em escolas do distrito de Coimbra, de Lisboa, de Leiria, de Viana do Castelo e de Braga, e o conhecimento vívido do que se passa nos conselhos de turma de avaliação, não me permitem partilhar de tal optimismo. Sobram-me dúvidas, muitas.

Aonde nos levará este caminho?

José Batista d’Ascenção

quinta-feira, 18 de julho de 2024

Escola ideal

seria aquela em que coubesse qualquer criança, que fosse estimulada a aprender, a saber e a prosseguir quanto pudesse, obtendo o melhor das suas características e capacidades, em observância de deveres procedimentais claros e formativamente bem definidos.

A investigação psicopedagógica em tempos de paz, após a 2ª guerra mundial, parecia encaminhar-se para grandes ganhos na aprendizagem, alargada a universos cada vez mais vastos e tendentes a erradicar o analfabetismo. Do mesmo modo, as normas de cidadania, em regime democrático, perspectivavam-se em expansão universal, pela bondade intrínseca e pela vontade das pessoas bem formadas, supostamente a maioria. O avanço da ciência, incluindo o conhecimento do cérebro humano, e o desenvolvimento extraordinário da tecnologia digital haviam de trazer resultados auspiciosos, revogando as pedagogias obsoletas dos séculos XIX e anteriores.

Não foi assim. A natureza humana e a psicofisiologia neuronal são incomensuravelmente complexas. A nobreza dos valores e comportamentos não é cumulativa através das gerações, nem anula instintos básicos. Estes morigeram-se na sequência de vivências históricas traumáticas como as guerras, mas recrudescem quando essas memórias se tornam longínquas ou remotas e são normalizadas no imaginário de crianças e adultos pelas vias sócio-comunicacionais, a que se somam jogos virtuais estimuladores de fundos psicológicos violentos.

Pelo meio, a escola perdeu-se. A educação democrática universal, onde se aplicou, falhou. As democracias perdem terreno. As ditaduras retornam com vigor inaudito. Os meios de terror vão das armas à informação (verdadeira, falsa ou nem uma coisa nem outra…) e aumentam vertiginosamente.

Tacteamos.

Muita humildade e muito trabalho e determinação, precisam-se.

José Batista d’Ascenção

quinta-feira, 4 de julho de 2024

Para aonde vais, «escola pública»?


Terminou no início da semana a classificação dos exames nacionais de biologia e geologia. Das provas que me couberam 60% têm negativa, tendencialmente muito baixa. Tomara que fosse outro o panorama a nível nacional, mas tenho receio. A prova não era perfeita, nem os critérios nem as respectivas especificações. Mas o mal não vem da prova, nem dos exames em geral. Se se pretende que os meninos tenham competências, então têm que ser competentes em qualquer exame bem feito, de qualquer disciplina.

Também não alinho no refrão que aponta a pandemia como causa principal. A situação da escola e da aprendizagem degrada-se devido a factores múltiplos que transformaram a sala de aula numa amálgama quase sem hierarquia, onde os meninos estão permanentemente ligados à rede, presos a solicitações diversas, raramente coincidentes com os assuntos (que deviam ser os) das lições. A realidade é esta, queiramos ou não.

Aprende-se pouco, em consequência. Como há uma luta feroz pelas «notas», os meninos pressionam os professores. Os seus pais fazem o mesmo, através dos directores de turma ou das direcções, pessoalmente ou enviando «e-mails», nem sempre com cortesia. Também podem queixar-se a instâncias hierárquicas exteriores à escola, até de forma anónima. Ou apresentar recursos para revisão das classificações, que podem resumir-se ao desejo de ter melhores médias ou invocar a facilidade de entrar nalgum curso. Por vezes, o recurso confirma a «ameaça» previamente dirigida a algum professor…

De tudo isto resulta um clima de pouca humildade, serenidade e persistência, coroado com pautas carregadas de notas altas, particularmente em disciplinas não sujeitas a exame.

Depois, no ensino superior, muitos estudantes precisam de apoio psicológico. Porque será?

Quem pára a bola de neve?

José Batista d’Ascenção

terça-feira, 18 de junho de 2024

Sobre o exame nacional de biologia e geologia (2024, 1ª Fase)

Prova realizada esta manhã. Menos fácil do que terá parecido a alguns alunos (que não usaram o tempo de tolerância). A questão 11 do grupo I seria legítima há quinze anos, quando o programa contemplava a matéria sobre «quimiossíntese»,  na actualidade não tanto, porque foi excluída dos normativos que estipulam os conteúdos a leccionar e, por isso, também deixou de constar nos manuais.

Algumas questões de dificuldade escusada, como a nº 14 do grupo I, ou de complexidade algo artificial, como a nº 17 do mesmo grupo. Há formulações, como uma afirmação da questão 13, que (me parece que) deviam ser mais claras.

No restante, a prova é equilibrada com perguntas bem elaboradas.

José Batista d’Ascenção

terça-feira, 11 de junho de 2024

Desvario da inflação de notas


Texto publicado hoje, no jornal «Público»

Ocorreram as reuniões de avaliação dos alunos do 9º, do 11º e do 12º anos de escolaridade.

Este ano, porventura ainda mais do que nos anteriores, sentiram-se pressões dos alunos e dos pais tão eficazmente que cada vez mais professores parecem transformados em defensores da inflação de classificações.

Desde há vários anos que as pautas de classificação das disciplinas de 12º não sujeitas a exame nacional revelavam uma fartura de vintes, nalguns casos, chocante.

O Prof. David Justino chegou a chamar publicamente a atenção para o caso, mas, depois, que eu me desse conta, calou-se sobre o assunto. Houve ainda umas acções da inspecção em algumas escolas, mas de nada adiantou.

Agora, o mal estendeu-se às próprias disciplinas que têm exame e manifesta-se igualmente no 11º ano e mesmo no 10º.

Basicamente, os professores entusiastas do procedimento advogam-no como medida pedagógica, “argumentando” com a importância de qualquer décima para se entrar no curso pretendido ou para ficar numa universidade mais perto de casa ou, simplesmente, por ser um procedimento de «justiça», para «não prejudicar ninguém».

A escola chegou a este ponto.

Sempre muito disponível para fazer sugestões e emitir opiniões no espaço público, o senhor presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas, Filinto Lima, não terá nada a dizer?

E o senhor presidente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares, Manuel António Pereira?

E organismos como o Conselho Nacional de Escolas?

E o senhor Ministro da Educação, Fernando Alexandre?

José Batista d’Ascenção

segunda-feira, 3 de junho de 2024

Estudos sobre o ensino em Portugal antes e depois do 25 de Abril. Análises reais, umas, e ilusórias ou delirantes, outras. [continuação]

Admiráveis, muitas referências destes livros, como: «Portugal é de longe o país onde os alunos mais consideram os seus professores e mais apreciam a sua disponibilidade» (pg 91, vol. 1). «Este padrão de admiração pela qualidade de trabalho e dedicação dos professores é constante desde 2003» (idem). Revelam-se «duas realidades antagónicas: (…) os alunos parecem idolatrar os professores e (…) os professores acusam falta de respeito e desvalorização da profissão» (ibidem). As mesmas ideias são vincadas mais adiante (pg 106, vol. 1).

Devem ser uns ingratos e insensíveis, estes professores, ainda que, «em relação aos alunos, apresentem poucas queixas» (idem), provavelmente porque sentem e sabem que de nada serviria...

Nem vale a pena interrogarmo-nos sobre aqueles tempos, não muito longínquos, em que era habitual os encarregados de educação irem à escola espancar professores (Carlos Fiolhais publicou um artigo sobre essa matéria, intitulado: «Bate que é professor», em 16/03/2007, no jornal «Público»). Os especialistas da pedagogia não deram por nada. Nem então nem agora, em que, por vezes, são os próprios alunos a fazê-lo no interior da escola, dentro e fora das salas de aula.

De resto, o vol. 1 fecha com chave de ouro: «Somos um caso exemplar em algumas das nossas práticas». (…) «Os nossos filhos e netos são a prova desse caminho.» (pg 108). Salazar, no seu tempo, não seria mais entusiasta do regime educativo que preconizava e impunha.

Outras asserções extraordinárias, por exemplo na pg. 106 do vol. 2: «o país encontra-se estável em termos políticos, a democracia parece ser inabalável»… A segurança destes autores não é proverbial apenas no sector educativo. Pela minha parte, não só não tenho certeza como sinto alguns receios, relativamente a Portugal e ao resto do mundo.

Mais adiante, a propósito de inclusão, refere-se a necessidade de as escolas «se ajustarem a todas as crianças, independentemente das suas condições físicas, sociais, linguísticas e outras (pg. 108, vol. 2), como estabelecido na lei (preâmbulo do dec. lei 54/2018), ignorando a realidade dramática, triste, impotente e ineficaz de certos casos com que convivemos nas escolas.

Muito mais poderia ser anotado. A escola continuará em crise, não sei se por o mundo ser como é e haver quem queira pintá-lo do modo que lhe convém. Também não sei se o mundo está como está por causa da educação, em cuja crise andamos perdidos.

Esta obra é útil, mesmo se nem sempre bem escrita (em particular, não fica bem a um ex-ministro da educação escrever «atingiria-se», pg 35, vol.2), mas não ilumina o âmago das questões principais.

José Batista d’Ascenção

domingo, 2 de junho de 2024

Estudos sobre o ensino em Portugal antes e depois do 25 de Abril revelam mais do que as suas conclusões

Sob coordenação de David Justino, saíram com o jornal «Público», no passado mês de Maio, quatro volumes sobre como foi, como é e como se supõe que deve ser a educação do futuro, de acordo com uma selecção de vários investigadores da área da pedagogia a afins.

Sobre o prefácio, de Sampaio da Nóvoa, fiz reflexão aqui.

A obra abarca dados desde a segunda metade do séc. XIX até à actualidade. Não se pode duvidar do rigor nem do tratamento desses dados, o que lhes confere grande importância e nos obriga ao seu conhecimento.

Já no que respeita à extracção de ilações estritamente pedagógicas, muito para além do controlo do poder político de cada época (decorrente da ideologia e da sociologia vigentes), dos interesses económicos e materiais, assim como do grau de respeito pelos direitos humanos, sobrelevam convicções ou crenças, modas psico-sócio-pedagógicas e motivações de nichos profissionais enfeudados em áreas académicas que querem fazer passar por ciência o que os métodos científicos não legitimam e apresentam-nos como bons resultados que deviam envergonhar-nos.

Detenhamo-nos em algumas afirmações espantosas ao correr destes livrinhos.

…«a universalização do sucesso não está a ser acompanhada pela melhoria das aprendizagens»…, o que «tende a gerar frustração»… (vol 1, pg 17). Pudera, se o sucesso é estatístico, se os estímulos formais e não formais são para se avaliar tudo positivamente, para compor uns gráficos bonitos para a OCDE, independentemente de os alunos saberem ou não, como podia ser de outro modo?

Sobre a própria OCDE se diz que «soube aproveitar o desenvolvimento dos testes PISA para se munir de influência política» (pg 84, vol. 1). Convinha, sobretudo, que se afirmasse como entidade exigente, rigorosa e credível relativamente aos dados que recolhe, [com que alimenta as estatísticas publicadas pela União Europeia e que fornece à UNESCO (pg 85, vol. 1)], e isenta nas influências que pretende exercer em matéria de políticas públicas de educação. A sua importância cresceu de tal modo que tem mesmo um programa («o TALIS») que define o professor “ideal”, «desconsiderando características como autoridade e ensino expositivo» (pg 85, vol.1), donde se pode retirar que o professor ideal nem manda nem explica, e as salas de aula, diferentemente de qualquer espaço humano organizado, vão-se transformando em caos progressivo a que se vai fechando os olhos. 

Lê-se que, olhando ao …«trilho percorrido ao longo de 130 anos»…«poderemos afirmar que a batalha educativa vai sendo ganha, aguardando que os Censos de 2031 o confirmem.» Quem cá estiver, verá. Em qualquer caso, não faltarão gráficos a elucidar o progresso, tão coincidentes com a realidade como os da actualidade, por exemplo no que se refere à assiduidade (as faltas dos alunos não são registadas em documentos como as pautas) e ao sucesso (sabendo-se que os professores quase não podem atribuir classificações negativas …).

José Batista d'Ascenção

(Continua)

quinta-feira, 30 de maio de 2024

A Santana Castilho, (o meu) obrigado

 

1944-2024
Morreu. Calou-se uma voz inconformada e lúcida, clara e incisiva. O que li dele sobre o «sistema de ensino» (que não foi muito) mereceu a minha concordância.

A escola está doente. No horizonte não se perspectivam melhoras. Santana Castilho cumpriu, em relação a ela, o seu dever, corajosamente.

Devo-lhe sincera gratidão.

José Batista d’Ascenção

quinta-feira, 9 de maio de 2024

O ensino em Portugal – vemos o que temos ou o que queremos ver?

Sob coordenação de David Justino, ex-ministro da pasta, saiu o 1º volume de um estudo que abrange um século do ensino no nosso país, antes e depois do 25 de Abril. Hão-de seguir-se, semanalmente, mais três volumes, até ao fim do mês que corre.

Quarenta anos ininterruptos a leccionar, no (chamado) 3º ciclo e no ensino secundário, levam-me a emitir (prévia) opinião, tendo, por ora, lido pouco mais que o prefácio de Sampaio da Nóvoa.

Diz Sampaio da Nóvoa que a escola do presente é muito diferente da escola do passado. É universalmente inquestionável, suponho. Igualmente irrebatível é a referência ao «atraso evidente da “escola para todos”, em Portugal», em «comparação com os países europeus».

Já considero infundamentada a asserção de que «as críticas periódicas à escola pública, que alguns consideram […] um dos grandes falhanços do 25 de Abril, baseiam-se mais em disputas políticas e ideológicas do que em análises rigorosas da realidade.» Leio regularmente textos do Professor Galopim de Carvalho e não vejo como pode aquele Homem protagonizar «disputas políticas e ideológicas» em matéria de ensino, no sentido da acusação. Tento olhar a minha prática, e a de tantos professores dedicados, face às dificuldades que enfrentamos e aos resultados gerais que se conseguem, e não vejo como disfarçar o falhanço com a maioria dos alunos, particularmente os filhos dos mais pobres, que não têm meios de colmatar as insuficiências e deficiências da escola. Não são questões teóricas, é a dura realidade de todos os dias.

Mais adiante, Sampaio da Nóvoa refere que «há uma permanência do “modelo escolar” dentro da sala de aula, com poucas alterações do decurso do último século» e que «a essência da relação professor-aluno mantém-se inalterada.» Não sei com que olhos Sampaio da Névoa enxerga a realidade. Lembro-me de quando era aluno e de como me intimidavam muitos dos professores que tive. E sei como, hoje, a maior parte dos professores se intimida perante os comportamentos da maioria dos alunos, nem falando de muitos pais/encarregados de educação. Esta cegueira é muito nefasta e anula o papel do ensino e da cidadania que devia ser o da Escola.

Invoca, Sampaio da Nóvoa, os relatos da UNESCO onde se refere a «necessidade de um “novo contrato social da educação”. Trata-se, acrescenta, «sobretudo de repensar o “modelo escolar”.» Também me parece, mas talvez esse contrato se deva fundar em dados estatísticos e gráficos (mais) reais (estou a pensar nos registos de assiduidade e de sucesso, por exemplo) do que aqueles que países como Portugal fornecem à UNESCO.

A Escola Pública não está bem de saúde. Precisamos de «não nos limitarmos a repetir as mesmas banalidades e preconceitos de sempre», pela boca dos teóricos que, quando vão às escolas, vêm uma realidade enfeitada, como pretendem. E que a UNESCO parece acolher com gosto. Para os professores que dão aulas, a realidade é outra.

Um bom princípio seria começar por exigir aos candidatos à docência uma sólida preparação nas áreas respectivas e uma formação pedagógica humildemente realista. Ficção e floreados de metodologias e técnicas milagrosas, dispensam-se.

Conto debruçar-me sobre este e os próximos volumes e confrontá-los com a realidade que experimento diariamente. Talvez sejam os últimos estudos sobre educação que vou ler, por saturação e relativa fraca utilidade. Se assim não for, alegrar-me-ei.

José Batista d’Ascenção

sábado, 4 de maio de 2024

Ideias do tempo que passa

Hoje, no jornal «Público», António Barreto, personalidade ponderada e de vasto conhecimento, com o óbice de ter opinião sobre todas as matérias, a propósito de tema na agenda mediática, afirma: «A muito pouca gente ocorre admitir a ideia de uma escola livre, de programas abertos e de manuais plurais. Ou antes, de uma pluralidade de manuais, ficando os estudantes e as suas famílias responsáveis pelas escolhas.» E mais adiante: «Porque não será possível conviver, na mesma escola, com todos os manuais possíveis, ficando às famílias a faculdade ou o dever de escolher? O término do texto também é curioso: «Reparar a escola opressiva não se faz com uma escola de livro único».

Todo o artigo tem fundamento com que concordo. Porém, esta medida como outras defendidas por António Barreto, no sector da «educação», levariam a uma prática com resultados bem diferentes do que o autor supõe.

Daqui a pouco começa a ser difícil perceber porque é que as escolas hão-de ter professores. Para que servem eles?

A não ser que seja para serem objecto de desprezo e… opressão.

José Batista d’Ascenção

terça-feira, 16 de abril de 2024

Quando ser professor é belo e compensador

Eram três turmas do 11º ano da Escola Secundária Carlos Amarante (Braga), a saber: A, E e F. Saímos da escola, esta manhã, e fomos visitar o Laboratório Ferreira da Silva da Universidade do Porto, a exposição de mineralogia, logo ao lado, na Cordoaria, e o Jardim Botânico e a Galeria da Biodiversidade, no Campo Alegre.

Com os alunos divididos em dois turnos, e alternando, uma sessão num lado, até ao meio dia, piquenique no Jardim Botânico, com todos os alunos, e a outra sessão no outro lado, da parte da tarde.

Os guias, em cada espaço, estiveram muito bem e os alunos, sem excepção, estiveram maravilhosamente. Aproveitaram, sentiram-se bem, deixaram boa impressão e regressaram bem dispostos.

A eles e aos seus pais fica um agradecimento sentido dos professores (de biologia e geologia e de física e química) que os acompanharam. Para estes professores, hoje foi um dia bonito, que terminou como se fosse um prémio.

Por ser verdade, acabadinhos de chegar, fica o registo, em nome de todos.

José Batista d’Ascenção

quarta-feira, 27 de março de 2024

Indicador(es) do estado da escola

(excerto de uma declaração para as actas do final do 2º período do ano lectivo 2023/24)

«A propósito de comportamento, o professor de […], declarou […] que se vem agravando e generalizando, nos anos recentes, a atitude de os alunos copiarem aquando da realização de elementos escritos de avaliação, como se tal procedimento configurasse um direito ao invés de constituir uma fraude. O problema vem do ensino básico e parece ter-se tornado um comportamento “natural”. Face a tão chocante anomalia, o docente dirige um apelo a todos os professores, aos órgãos da escola, aos serviços de inspeção, às instâncias hierárquicas do Ministério da Educação e, também, aos senhores encarregados de educação, com vista à conjugação de esforços na defesa de princípios e à aplicação firme de medidas que honrem o que deve ser o papel da Escola, promovendo valores de honestidade e de dignidade imprescindíveis à boa formação de crianças e jovens.

Por outro lado, tendo em conta o que se chama “clima de escola ou ambiente escolar”, o mesmo docente, dirige novo apelo às mesmas instâncias, e muito particularmente, aos senhores encarregados de educação para que ajudem os professores e os funcionários a conter comportamentos de incivilidade e agressividade que se têm verificado nos espaços escolares e que, já este ano, vitimaram professores. Em seu entender, para além de situações inaceitáveis em si, como os docentes estão (cada vez mais) envelhecidos e fragilizados, em resistência e saúde, se adoecerem têm que parar e os alunos perdem aulas. Entendendo-o como pertinente e conveniente, o professor abordou o problema neste conselho, em linguagem simples, clara e frontal, a fim de que se possa atalhar das formas mais expeditas e alargadas. Mais disse que o fez por imperativo de consciência e desejo de contribuir para manter e elevar o bom nome e prestígio da instituição escolar...»

José Batista d’Ascenção

sábado, 23 de março de 2024

Os professores vão (des)andando, e gemendo e chorando (baixinho)

A escola não está a preparar (minimamente) bem a maioria das crianças e jovens. A suposta eficácia do “sistema” é um logro. E a ideia da “geração mais bem preparada de sempre” é uma falácia triste. Os meninos do ensino básico chegam ao secundário sem a preparação mínima necessária. E os meninos/jovens que terminam o ensino secundário, muitos deles, saem sem os conhecimentos básicos desejáveis, nem, sequer, com a noção de que é preciso trabalhar para o conseguir. É a realidade, não vale a pena tapar o sol com a peneira.

O último ministro da pasta não deixa saudades, mas convém reconhecer que o mal não começou com ele, nem se extingue só porque ele e a sua equipa estão prestes a sair.

A escola pública afunda-se não por acaso. Muitos trabalharam para isso, consciente e inconscientemente, com eficácia inaudita.

Ou os pais educam e acompanham os seus filhos e a escola ensina e forma ou nada feito. Se não exigirmos isto de nós mesmos (pais, professores, políticos, sociedade… que os teóricos, esses - muitos deles - andam entretidos: frequentam congressos e batem palmas uns aos outros) vamos continuar a resvalar no plano inclinado, com fraco destino.

O “clima da escola” está como a violência doméstica: ou a escondemos ou a enfrentamos. Muitos professores reagem como aquelas vítimas de agressão em casa que, quando se tenta abordá-las, rejeitam que se “metam na sua vida”…

Obedientes, submissos e envergonhados, os professores (des)culpam-se com mil subterfúgios e, tantos deles, encharcam-se em antidepressivos (esta realidade é facilmente verificável).  Embora fragilizados pelo envelhecimento e, não raro, por diversos problemas de saúde, cabe-lhes a responsabilidade por não assumirem o que se passa.

Este (pequenino) texto só na aparência é genérico e vago. Concretizar, nomeando, era facílimo, e exemplificar dava listas intermináveis. Mas pouco adiantaria, ante a complacência das vítimas.

Por onde e até onde vamos não é de bom augúrio.

José Batista d’Ascenção

sábado, 17 de fevereiro de 2024

«A São»

Por Pacheco Pereira (excertos do seu artigo de hoje no jornal «Público»)

«Experimentem dizer alto “Ação”. Os mais velhos, que têm a memória de como se diz “Acção”, dirão direito, os mais novos educados já na novilíngua, e os mais velhos modernaços e oficialmente muito obedientes, dirão “A São”. Entrou, pois, a São na campanha eleitoral [...] uma das palavras que ficaram mais estragadas com o novo acordo ortográfico [...]. 

O Acordo Ortográfico de 1990, pomposamente assinado pela maioria dos países de língua portuguesa, foi um dos maiores desastres diplomáticos dos últimos anos, com países como Angola e Moçambique a continuarem na mesma e todos os outros com diferentes graus de implementação. E, mesmo no Brasil, cada um escreve como quer, o que é aliás um dos factores do dinamismo do português do Brasil, fruto da pujança da sociedade brasileira, para o bem e para o mal.

Os resultados do Acordo foram separar ainda mais, uns dos outros, os países cuja língua oficial é o português e, dentro de cada um, haver na prática duas ortografias, como se vê neste jornal. Mesmo quando todos os passos legais para a sua implementação foram dados, quem escreve português bem, recusa o Acordo. E mais: considera uma questão de princípio escrever com a ortografia antiga, o que torna muito mais radical a divisão. Basta comparar os jornais dos vários países da CPLP para perceber isso, já para não falar de Portugal. Só que em Portugal deu-se um passo, cuja legalidade é contestada, de obrigar instituições, escolas e outras dependências do Estado a usar esse abastardamento da língua portuguesa que é o Acordo de 1990. E isso trouxe, como aliás a decisão de fazer o Acordo, muitos interesses económicos em jogo, que só se têm reforçado e hoje são um lóbi poderoso. [...]

A memória de uma língua, que muitas vezes se traduz na ortografa — e não me venham com o “pharmacia”, que é outra coisa —, faz parte da sua riqueza, [e] nunca impediu ninguém que fale português no Brasil, em Angola, em Moçambique, em Cabo Verde ou na Guiné, de ler Camões, Vieira, Camilo, Eça de Queirós ou Pessoa. Aliás, são mais lidos no Brasil do que cá. O que atenta contra essa capacidade de ler é outra coisa, é o ataque à leitura em papel, é a progressiva desaparição dos livros nas escolas, como se os ecrãs os substituíssem [...]

A diferença entre a São e a Acção tem que ver connosco, com a nossa identidade, com a nossa língua, com a nossa cultura, com a nossa capacidade de falar bem, logo, de pensar bem, logo, de sermos mais fortes. E vamos muito precisar de ser mais fortes nos tempos que aí vêm.»

José Batista d'Ascenção

segunda-feira, 22 de janeiro de 2024

O que pode o empenhamento

Comemora-se hoje o dia do agrupamento de escolas Carlos Amarante, de Braga.

As escolas abrem-se à comunidade e são os seus alunos mais avançados, sob supervisão dos professores, que mostram o que se faz no dia-a-dia escolar e o que (eles) sabem.

É bonito vê-los muito disponíveis para receberem os visitantes, alunos mais pequeninos de outras escolas, e para lhes explicarem o que se propõe e/ou expõe em cada espaço, no âmbito das diferentes disciplinas.

Uma pirralha “perdeu-se” nas atividades do laboratório de biologia, desgarrando-se do grupo-turma em que veio integrada. Tendo-se apercebido, nada a perturbou. O que queria era espreitar em lupas e microscópios, ver os corações e os pulmões em dissecação e mais uns quantos pormenores. Alguém se disponibilizou a levá-la até ao seu grupo, que já se deslocara para a entrada, a fim de apanhar o autocarro de regresso. Mas ela não mostrou qualquer pressa, como quem dissesse: o autocarro que espere ou que se vá, que eu sinto-me muito bem. Dali a pouco, um outro menino era puxado pela sua professora, porque não dava sinais de querer prosseguir a visita pelas outras salas.

É um gosto.

A reflexão amarga é: porque é que se vai anulando a curiosidade e o gosto dos mais pequenos, à medida que crescem, até à mais triste indiferença pelo papel fundamental que devia ser o da escola? E a pergunta, arrepiante, é: o funcionamento da escola contribui para isso? A resposta, terrível, fica sob a forma de reticências… E sobram outras perguntas. Muitas perguntas.

Mas não para agora. Porque hoje, agora, quero apenas saborear.

Obrigado, muito obrigado, a todos os alunos que hoje fizeram diferente, melhor e mais bonito. 

José Batista d’Ascenção