sábado, 21 de junho de 2025

Fragilidade psicológica de jovens universitários

Notícias de ontem referem o desânimo de muitos alunos universitários, razão por que consomem muitos químicos psicotrópicos. Adiantam-se vários motivos, entre eles, a pandemia. As análises, parece-me, falham num aspecto crucial: a (im)preparação dos alunos do ensino básico e secundário e o ambiente que se vive nas escolas, nestes níveis.

Criancinhas e os alunos mais jovens fazem o que querem nas aulas e fora delas, dependem dos telemóveis para toda a sua actividade bio-psico-social, copiam como se fosse um direito legítimo, e não valorizam as indicações preventivas dos professores - daqueles que ainda as procuram dar.

Chegados às universidades, parece que as suas energias só não faltam para praxes (mais ou menos horrendas, estética e culturalmente), que se prolongam por quase todo o ano lectivo.

Preparação, que é dela? Espírito de sacrifício, onde está? Resiliência à frustração, vê-se em quem?

E depois queixam-se.

José Batista d’Ascenção

domingo, 15 de junho de 2025

O krill antártico

Se se estiver no oceano Antártico e se vir a água avermelhada, ao longo de poucos metros ou estendendo-se por vários quilómetros, fica-se a saber que se está perante dezenas de milhares de animais minúsculos que, provavelmente, atrairão dezenas de outros muito maiores. Trata-se de um pequeno crustáceo parecido com o camarão, cuja carapaça apresenta uma cor vermelho vivo. Como muitas espécies de água fria, cresce lentamente e tem uma vida surpreendentemente longa. Os seus ovos eclodem nas profundezas escuras do oceano Antártico e as larvas nadam durante vários dias até à superfície para se alimentarem de fitoplâncton (plâncton que realiza a fotossíntese). Demoram então três anos até atingirem o tamanho adulto de 5-6 cm de comprimento.

Quando a estação escura começa a instalar-se e o fitoplâncton entra em declínio, por falta de luz, o krill abranda o metabolismo e adapta a dieta, passando a consumir algas que vivem no gelo, detritos do leito marinho e até zooplâncton (plâncton de natureza animal). Mais notavelmente ainda, o krill diminui de tamanho no Inverno (decresce, afinal), operando uma regressão da fisiologia sexual, retrocedendo, de forma efectiva, à sua fase juvenil, com necessidades energéticas mais reduzidas. Esta redução de porte permite-lhe usar a proteína corporal para subsistir durante esses períodos. Com o regresso da Primavera, recupera as suas características sexuais, tornando-se plenamente maduro, a tempo da época de acasalamento.

Pinguins, peixes, focas, e lulas contam com o krill como componente substancial da dieta. No caso das baleias-de-barbas, filtradoras, como a baleia-de-bossa, a baleia-azul e a baleia-sardinheira, o krill compõe uma porção muito grande da sua alimentação. Pode haver 10 000 krill num metro cúbico de água e uma baleia-azul consegue engoli-lo todo de uma só vez. As baleias dependem tanto do krill que se concluiu que as taxas de gravidez das baleias-de-bossa mantêm uma correlação com a disponibilidade de krill na zona.

Os excrementos das baleias são ricos em ferro (proveniente do krill, de que se alimentam), nitrogénio e fósforo e, regra geral, as baleias defecam à superfície ou próximo dela. Os excrementos fertilizam a água e promovem o crescimento do fitoplâncton. O fitoplâncton alimenta o krill. Por consequência, pensa-se que a presença de mais baleias leva, na verdade, à presença de mais krill, não menos.

in: «Oceano, o último reduto selvagem», David Attenborough e Collin Butfield. Ed. Temas e Debates. 2025. 343-351 p.

José Batista d’Ascenção

quinta-feira, 5 de junho de 2025

Experiências com a levedura que nos dá o pão, porque gosta (muito) de açúcar

Foto de Leonor Oliveira

Recorrendo a pasta de fermento comercial de padeiro como fonte de levedura Saccharomyces cerevisiae, hoje foi dia de pôr em evidência a fermentação alcoólica que aquele fungo unicelular realiza como via preferencial de obtenção de energia.

Em cada um dos turnos da turma C do 10º Ano de Escolaridade foi usado o seguinte protocolo:

    - Erlenmeyer 1 – 200 ml de água;

    - Erlenmeyer 2 – 200 ml de água + 1 colher de café de pasta de fermento (fonte de S. cerevisiae);

    - Erlenmeyer 3 – 200 ml de água + sacarose (duas saquetas de açúcar de 5-6 gr);

    - Erlenmeyer 4 – 200 ml de água + 1 colher de café de fermento + sacarose (duas saquetas).

Na boca de cada um dos balões Erlenmeyer ajustou-se um balão de látex.

Colocaram-se os quatro balões Erlenmeyer preparados como descrito numa estufa a cerca de 32ºC.

Quarenta e cinco minutos depois o balão de látex do Erlenmeyer 4 estava inflado de gás.

Esse gás correspondia ao CO2 libertado no processo de fermentação.

Os balões dos restantes Erlenmeyer mantiveram-se vazios.

Também se verificou que o conteúdo do Erlenmeyer 4 cheirava a álcool (devido ao etanol produzido).

Os Erlenmeyer 1, 2 e 3 funcionaram como controlo.

José Batista d’Ascenção

terça-feira, 3 de junho de 2025

Branqueamento de corais

Os corais precisam de águas pouco profundas com grande exposição solar e níveis perfeitos de temperatura e pH. Quaisquer alterações destas condições, a longo prazo, impossibilitam a sobrevivência dos recifes de coral.

Um perigo constante para os corais é a possibilidade de aí crescerem algas pluricelulares, que os poderão cobrir e privá-los da luz, que lhes é vital. Felizmente há exércitos de peixes herbívoros que se alimentam das algas e mantêm o recife limpo.

Nos últimos 12 000 anos, durante o período Holoceno, nas águas tropicais transparentes e tépidas, o coral cresceu e formou vastos recifes onde a vida marinha se tornou muito abundante.

Porém, agora, estas águas estão a mudar. Iniciou-se uma era definida pelos humanos – o Antropoceno.

O oceano desempenha um papel vital de moderação do clima global. Actua como uma esponja gigante que absorve dióxido de carbono (CO2) e calor. O oceano absorveu tanto do nosso excessivo CO2, que o valor do pH está a diminuir – está a tornar-se mais ácido. O pH baixo pode dissolver os esqueletos expostos deixando o coral mais vulnerável a partir-se. Na realidade, isto enfraquece a estrutura de todo o recife de coral, que é maioritariamente composta por calcário – o carbonato de cálcio dos velhos esqueletos de coral, o qual pode dissolver-se, degradando a base primordial da referida estrutura.

Para além deste efeito directo, a acidificação do oceano poderá conduzir a uma debilitação da atracção natural do recife, uma vez que o pH baixo enfraquece as conchas dos caracóis marinhos, dos crustáceos e dos bivalves. A comunicação feita pelos sons das conchas a bater e dos estalidos de camarões é afectada. O recife começa a calar-se. Os peixes não são atraídos pelos sons vindos do local onde podem instalar-se e ficam mais vulneráveis aos predadores. Ou seja: gera-se um ciclo de retorno negativo.

O branqueamento dos corais ocorre quando os pólipos são sujeitos a tensões causadas por alterações de temperatura, de pH, de salinidade e de poluição. Os corais toleram uma gama de temperaturas relativamente restrita. Fora desse intervalo, a fotossíntese começa a correr mal e as zooxantelas podem reagir produzindo substâncias nocivas para os pólipos de coral. Estes reagem também e expulsam as zooxantelas. Sem zooxantelas, o tecido do pólipo torna-se translúcido e revela o seu esqueleto branco – foi «branqueado». Quando a temperatura permanece demasiado tempo fora dos valores normais, os pólipos morrem de fome.

Com as alterações climáticas, as vagas de calor oceânicas podem durar semanas ou meses, aquecendo as águas a centenas de metros de profundidade e matando os corais.

Na recuperação de corais «branqueados» os peixes herbívoros podem desempenhar um papel muito importante limitando a proliferação de algas pluricelulares que recobririam os recifes fragilizados.

in:«Oceano, o último reduto selvagem», David Attenborough e Collin Butfield. Ed. Temas e Debates. 2025. 55-64 p.

José Batista d’Ascenção

domingo, 1 de junho de 2025

Recifes de coral, o que são?

Os corais, tal como os conhecemos hoje, habitam a Terra há cerca de 200 milhões de anos.

O recife é uma estrutura calcária que, com frequência, se vai formando durante milhares de anos, à medida que cada geração sucessiva de coral duro vai crescendo sobre os esqueletos da geração anterior. Há muitas espécies de coral, mas agrupamo-las por norma em corais «duros», que formam recifes, e corais «macios», que também se desenvolvem em recifes, mas não deixam esqueletos. A parte viva do recife é a zona do topo, onde se desenvolvem as colónias de corais, sendo cada uma composta por pólipos de coral – que por vezes se encontram em grande número. Os pólipos de corais são animais.

Uma das mais notáveis e bem-sucedidas relações de benefício mútuo de todo o mundo natural é a dos pólipos de coral com um tipo de alga unicelular chamada zooxantela. As zooxantelas vivem nos tecidos dos pólipos de coral e mantêm uma relação muito especial com o seu hospedeiro. O pólipo de coral, além de abrigo, fornece à zooxantela dióxido de carbono e água para ela fabricar alimento, por via da fotossíntese (como nas plantas verdes). Em troca, a zooxantela fornece este alimento (compostos orgânicos) ao pólipo de coral. Os pólipos usam então os açúcares, os lípidos (gorduras) e o oxigénio produzidos pelas zooxantelas para obterem energia, mediante o processo da respiração celular aeróbia, e para crescerem. Da respiração dos pólipos resulta dióxido de carbono, matéria-prima de que as zooxantelas necessitam.

É um sistema de produção em sistema fechado. Deste modo, os recifes de coral podem crescer em águas pobres em nutrientes.

O esqueleto do coral ostenta uma cor branca semelhante à cal, mas as zooxantelas criam pigmentos proteicos com cores diversificadas que associamos aos recifes de coral.

in: «Oceano, o último reduto selvagem», David Attenborough e Collin Butfield. Ed. Temas e Debates. 2025. 51-53 p.

José Batista d’Ascenção

terça-feira, 27 de maio de 2025

A recta final

Cada vez mais lento, vou fazendo as aulas com o (pouco) fulgor que consigo. Há dias, alguém me perguntou como é que ando, ao que respondi que agora não ando, arrasto-me.

Deve ser o peso da idade, mas não apenas.

Os meus alunos de décimo ano são umas jóias, tirando poucas excepções, que não sabe a gente o que lhes faça. Eu (até) sabia, mas só o digo aos alunos em causa, na presença dos restantes, sem grande efeito, e a pessoas mais próximas. A outros ou a outras instâncias, não vale a pena.

Os de décimo segundo estão a escassos meses de ingressarem no ensino superior. A vários destes, ao longo do ano, procurei morigerar a ideia de perfeição que atribuíam ao seu trabalho e alertá-los para os trambolhões da vida, que magoam, às vezes profundamente, mas nos dão oportunidade de, humildemente, aprendermos a sério e de exercitarmos, pelos outros e por nós, os deveres de compaixão e de cumprimento honesto das obrigações. Fi-lo com ênfase desde Setembro e notei efeito franco na maior parte, no terceiro período. De caminho deixei claro que não me revejo em muitos aspectos da (falta de) pedagogia formal das últimas décadas.

Naturalmente, desejo a todos os que são ou foram meus alunos as maiores felicidades, do fundo do coração.

Pelo meu lado, está quase a cumprir-se mais um ano de trabalho a somar(-se) a muitos.

Lá esforçar, esforcei-me.

José Batista d’Ascenção

segunda-feira, 19 de maio de 2025

Os alunos fazem, os alunos aprendem.

Mas é preciso que façam, e que percebam o que fazem. E para entenderem o(s) porquê(s) e os “para quê?” do que executam é preciso atenção, trabalho, disciplina e… gosto.

Estas condições elementares não estão reunidas em muitas aulas de muitas escolas do nosso país. Os professores (que dão – ou tentam dar – aulas) sabem-no bem.

Claro que há muitas outras condicionantes de que aquelas dependem, mas se elas não existirem, nada feito: com tecnologia, sem tecnologia, com trabalho de grupo, sem trabalho de grupo, com actividades lúdicas ou sem elas…

Para mim, que gosto de ser um professor “clássico”, não fazemos um trabalho profícuo com, pelo menos, dois terços dos alunos, desde há décadas. E o panorama não me parece animador, dourêmo-lo nós das (múltiplas) formas que quisermos.

Desta vez, na aula prática, tratámos da ascensão de água (e sais minerais) no tecido condutor de seiva bruta das plantas – o xilema. Ficou bonito, como a imagem documenta [mais à direita, com o caule rachado bem rectilineamente, de cima a baixo, e cada parte mergulhada numa solução de cor diferente, a rosa ficou corada de modo diferente em cada uma das metades do conjunto da corola].

A parte má é que (me) foi preciso dar ordem de saída do laboratório a um aluno, que não a queria aceitar e acabou por sair da sala a ameaçar que ia telefonar à mãe. Vejam só.

José Batista d’Ascenção

domingo, 27 de abril de 2025

Em que condições se fazem visitas de estudo nas escolas?

Em 26 de Abril de 2022, numa visita com alunos de 11º ano ao Porto, no momento da partida chegou um autocarro de dois pisos em vez de dois autocarros comuns, como havia sido combinado, faltando um lugar disponível. Para não comprometer a visita, aceitei viajar, na ida e no regresso, sentado nas escadas entre os pisos, violando a lei e contrariando as regras de segurança. Se tivesse havido uma travagem brusca e me tivesse magoado, percebe-se facilmente a quem seria atribuída a culpa…

Em 31 de Março de 2023, numa visita às grutas de Mira d’Aire e às pegadas de dinossauro da Pedreira do Galinha, com alunos de 11º ano, um dos autocarros teve de estar permanentemente com o motor a trabalhar, mesmo durante o período de merenda porque, no dizer do condutor, se parasse não funcionaria mais. Foi assim que esteve ininterruptamente durante as mais de onze horas de viagem… Se fosse Verão, o que poderia ter acontecido? Este incidente não foi o único nesse ano. Numa ida aos passadiços do rio Paiva, organizada por colegas meus, o autocarro fez a viagem de regresso engrenado sempre na mesma velocidade, sem abrandar convenientemente em rotundas nem parar em sinais de «stop», por falta de caixa de velocidades…

Em 16 de Abril de 2024, em nova visita de estudo ao Porto, também com alunos de 11º ano, a planificação da visita começou no início do ano lectivo, mas, duas semanas antes de se efectivar, ainda os professores não dispunham de orçamento que permitisse informar os alunos de quanto iam pagar. Um terço dos alunos da minha turma já não quis participar, o que me deixou na iminência de ter de adiantar o dinheiro por eles, circunstância que não chegou a acontecer.

Quarta-feira passada vi imagens televisivas (da estação SIC, na imagem acima) de um autocarro em chamas, onde iam quarenta crianças, duas ou três das quais tiveram de ir ao hospital.

Este ano lectivo declarei-me indisponível para participar em visitas de estudo se as mesmas não revestirem modalidade legal mais favorável de organização, como em toda a minha vida profissional aconteceu, sem que tivesse havido qualquer problema em qualquer altura.

José Batista d’Ascenção

Fermentações (III): alguns aspetos comparativos das fermentações alcoólica e lática (texto para alunos do ensino secundário)

As fermentações são vias catabólicas para obtenção de energia (ATP), muito comuns em microrganismos. As fermentações alcoólica e lática são basicamente a glicolise (etapa de transformação da glicose em ácido pirúvico), seguida da redução do piruvato, com formação de etanol, no primeiro caso, e de ácido lático, no segundo. Na glicolise formam-se dois ATP por cada glicose consumida, um rendimento baixo, de cerca de 2%, do total da energia acumulada na molécula (orgânica) da glicose. Como os produtos finais das fermentações incluem sempre compostos orgânicos, caso do etanol na fermentação alcoólica e do ácido lático na fermentação lática, é nesses compostos orgânicos que está contida a restante energia (que estava na glicose e não foi extraída, porque a glicose não foi completamente oxidada). Para demonstrar que o etanol é uma substância (ainda) rica em energia basta tomar uma pequena porção e pegar-lhe fogo, para vermos como se inflama vigorosamente (o etanol pode ser usado como combustível automóvel).

As fermentações não podem, portanto, ser a (ou ser a única) via de obtenção de energia em seres vivos complexos, muito exigentes energeticamente, uma vez que o seu rendimento não lhes permitiria a sobrevivência.

Se repararmos, em termos da produção de energia, a sequência de reações da glicolise devia ser suficiente, pois é nela que é produzido o ATP. A fase seguinte, de redução do piruvato, é, porém, absolutamente necessária para permitir a continuação (repetição sucessiva) da glicolise, ao regenerar a forma oxidada de uma coenzima - a NAD+ (nicotinamida adenina dinucleótido), que intervém nas reações de oxidação-redução da glicolise, convertendo-se de NAD+ em NADH durante essas reações. A não ser assim a glicolise bloqueava, por não haver NAD+ disponível (a coenzima estaria toda na forma reduzida, NADH), parando a sequência de reações e bloqueando a obtenção de energia (ATP).

Relativamente à fermentação alcoólica em Saccharomyces cerevisiae, levedura que também pode respirar aerobiamente (consumindo oxigénio - O2), é frequente encontrar um erro (antigo e persistente) que refere que aquele fungo unicelular respira se tem O2 e fermenta na ausência deste gás (em anaerobiose). Ora, não consta que os padeiros retirem o O2 dos espaços de panificação durante o levedar da massa e é bem sabido que a massa levedada cheira a álcool; como também não há notícia de que o O2 seja removido das adegas, durante a fermentação, para o vinho conter álcool… O que se passa é o seguinte: se o açúcar (glicose) é abundante, a Saccharomyces cerevisiae não se dá ao trabalho de respirar, fermenta simplesmente, esteja ou não em presença de O2. Contudo, se a concentração de glicose for muito baixa e a levedura estiver «esfomeada», digamos, e houver O2, então é ativada a via respiratória aeróbia, que é muito mais rentável energeticamente: 30-32 moléculas de ATP, em vez de duas, por cada molécula de glicose degradada – um rendimento 15 a 16 vezes superior.  

José Batista d’Ascenção.

sábado, 26 de abril de 2025

Fermentações (II): a fermentação lática (texto para alunos do ensino secundário)

Outro exemplo de um processo fermentativo é a transformação do leite em iogurte, por ação de bactérias láticas. O fundamento da obtenção de iogurte a partir do leite reside na transformação da lactose - o açúcar do leite - em ácido lático (a lactose é previamente desdobrada em galactose mais glicose, sendo a galactose isomerada em glicose, e é com a glicose que se inicia a primeira etapa da fermentação - a glicolise. À glicolise segue-se a redução do ácido pirúvico a ácido lático). A equação geral é a seguinte:

C6H12O6 (glicose) → 2 C3H6O3 (ácido lático) + 2 ATP (energia útil)

Em consequência da produção de ácido, o pH desce e a maior parte das proteínas do leite, com destaque para a caseína, alteram a sua estrutura (desnaturam), coagulando. Ao leite coagulado, com sabor azedo, devido à presença de ácido, chamou-se iogurte.

Como se vê, as pessoas que são intolerantes ao leite, ou melhor, à lactose, podem consumir iogurte, uma vez que, no iogurte, a lactose foi degradada, por fermentação, dando lugar a ácido pirúvico que, por sua vez, é reduzido a ácido lático. A conversão do açúcar do leite em ácido lático pára quando todo o substrato (lactose) tiver sido transformado em produto (ácido lático), ou seja, quando já não houver lactose.

O queijo, se resultar apenas da coagulação do leite, sem transformação da lactose (sem fermentação lática), continua a conter aquele nutriente, e por isso é, tal como o leite, um alimento impróprio para as pessoas com intolerância à lactose.

Em bactérias láticas, a produção do resíduo ácido lático pode conferir-lhes vantagens ecológicas para além da obtenção de energia. De facto, a acidificação que ocorre no meio torna-o desfavorável para uma variedade de outros micróbios que competem com aquelas bactérias, as quais, dessa forma, dispõem dos nutrientes só para si, podendo então aumentar o seu número.

A fermentação lática pode ocorrer nas células musculares humanas, em casos de insuficiência de aporte de oxigénio para a respiração aeróbia. Nesse caso, porque dispõem das enzimas necessárias, essas células podem recorrer àquela via fermentativa para obterem um suplemento de energia - ATP.

No nosso intestino também ocorrem fermentações. De algumas dessas fermentações libertam-se gases – os gases intestinais. Porém, há fermentações como a fermentação lática (na via metabólica que estamos a considerar, sendo que há outros tipos...), que não é predominante no intestino, em que não ocorre produção de qualquer gás. Na conversão de piruvato (ácido pirúvico), composto com 3 carbonos, em lactato (ácido lático), outro composto com 3 carbonos, não há descarboxilação, pelo que é impossível a libertação de CO2. Porém, no intestino humano, como se disse, ocorrem várias fermentações, e não faltam aquelas que originam a produção de substâncias gasosas…

José Batista d’Ascenção

quarta-feira, 23 de abril de 2025

Fermentações (I): a fermentação alcoólica (texto para alunos do ensino secundário)

As fermentações são vias catabólicas para obtenção de energia. Trata-se de sequências de reações em que cada uma delas é catalisada por uma enzima. Por definição, os produtos finais das vias fermentativas são compostos orgânicos ou também incluem compostos orgânicos. Os compostos orgânicos possuem energia química, o que significa que, no catabolismo fermentativo, não é extraída toda a energia química potencial do substrato inicial. Ou seja: o seu rendimento energético é baixo.  

Com interesse direto para o ser humano, particularmente no campo da alimentação e da produção de bebidas alcoólicas, as fermentações são muito importantes. 

Um exemplo de fermentação com importância fundamental na alimentação humana é a fermentação alcoólica. Esta fermentação, realizada por estirpes selecionadas da levedura Saccharomyces cerevisiae, está na base da produção de pão (é ela que constitui a pasta de fermento comercial de padeiro que faz levedar a massa…). A farinha é rica em amido. O amido é hidrolisado em maltose. A maltose é degradada (hidrolisada, também) em glicose. A glicose é o substrato inicial da primeira sequência de reações da fermentação, chamada glicolise, em que se ganha energia útil (sob a forma de ATP) e que termina na formação de ácido pirúvico; uma segunda etapa - chamada redução do ácido pirúvico - completa o processo fermentativo, com formação de dióxido de carbono e de álcool etílico. O processo ocorre segundo a equação global:

C6H12O6 (glicose) → 2 C2H5OH (etanol) + 2 CO2 + 2 ATP (energia útil)

Na panificação, o que interessa é a libertação de CO2, que faz crescer (levedar) a farinha humedecida (massa), antes de ir ao forno, razão por que o interior do pão fica com uma estrutura vacuolar (aspeto esponjoso, quando o abrimos ou cortamos). Devido à elevação da temperatura durante o cozimento, a expansão do CO2 fá-lo libertar-se e o etanol é também perdido por evaporação. Por vezes, em fermentações caseiras, o fermento fica contaminado por bactérias que realizam outras fermentações que não a alcoólica. Nestes casos, a libertação de produtos variáveis, como resultado de diferentes fermentações, entre as quais a fermentação lática (1), confere ao pão sabores diversos, nem sempre agradáveis.

Na vinificação (fabrico de vinho) e na produção de cerveja o que interessa é a produção de etanol (álcool etílico), próprio das respetivas bebidas. Em certos casos, os produtores de vinho adicionam açúcar ao mosto (sumo da uva), o que resulta num aumento de substrato que, por fermentação, vai ser convertido em etanol, aumentando a graduação (teor alcoólico) do vinho. Em qualquer dos casos, a quantidade de álcool obtido é sempre de duas moléculas de etanol por cada molécula de glicose consumida. É por isso que os vinhos feitos de uvas menos doces (com menos açúcar) têm menos álcool do que os vinhos feitos de uvas mais doces (com mais açúcar). A fermentação alcoólica do vinho termina por duas razões: pelo consumo do substrato (açúcar) e pelo enriquecimento do meio em etanol o qual, a partir de certa altura, se torna tóxico para as próprias leveduras, eliminando-as.

(1) sobre fermentação lática, ver texto seguinte.

José Batista d’Ascenção

segunda-feira, 31 de março de 2025

Carvalhos alvarinho (ou seus híbridos naturais) e repovoamento vegetal

Foram semeados em sete de Outubro. Duas bolotas por vaso (de tamanho pequeno). Lote limitado a cento e vinte vasos, por limitação de espaço e necessidade de fazer outras sementeiras/plantações, além de trabalhos diversos.

A estufa da Escola Secundária Carlos Amarante (ESCA) é frigidíssima no Inverno e desmesuradamente quente nos dias de sol, na Primavera, e durante o Verão.

Por alguma razão, a germinação dos carvalhos, este ano, demorou. As plantas estão agora na fase que a imagem documenta: algo frágeis para serem transplantadas para a floresta, de ora em diante, pelo risco de secaram, e, seguramente, incapazes de suportar o Verão na nossa estufa, onde as temperaturas podem chegar aos 60ºC. O remédio será transferi-las para o exterior, um dia destes, até ao início do próximo Inverno. Nessa altura, as que tiverem resistido serão fornecidas para plantio em espaços florestais pelos serviços da Câmara Municipal de Braga ou pelos utentes da ESCA que o queiram fazer.

A germinação das bolotas ocorreu (apenas) em pouco mais de metade dos vasos (63, exactamente), mas não se pense em desperdício natural. Algumas delas, no meio ambiente, teriam servido de alimento a animais, como aves (gaios, por exemplo) e mamíferos (ratos e outros…) e outras sofreram decomposição funcionando como fertilizante orgânico do solo.

Na Natureza nada se perde e tudo inevitavelmente se transforma.

José Batista d’Ascenção

quinta-feira, 27 de março de 2025

Crianças de 10 anos que mamam; adolescentes que dormem de fralda ou com a mãe; dependências de telemóvel...

Excerto de entrevista ao neuropsicólogo Álvaro Bilbau no jornal «Público»de hoje (p. 14)


[…] «Posso contar muitos casos que passam pela minha consulta: um rapaz de 17 anos que tem de dormir com a mãe, porque senão não dorme; miúdos de 10 anos que ainda mamam; e no outro dia um miúdo de 13 anos que dorme de fralda. Contaram-me isto no início de Fevereiro e na semana passada levaram-me um bolo, a mãe e o miúdo, porque ele tinha dormido toda a semana sem fralda e sem fazer chichi na cama. Só lhe faltava que alguém dissesse: não podes dormir com fralda aos 13 anos e, se fizeres chichi, terás de lavar os lençóis. O miúdo estava angustiado porque não podia ir acampar.»

[…]

«O que diria a um pai que decide dar um telemóvel a um filho?

Se eu fosse esse pai, a comprar um telemóvel para o meu filho de 13 anos, a primeira coisa que lhe dizia é: este telemóvel não é teu. Podes usá-lo, mas eu posso supervisioná-lo, posso decidir tirar-to, posso dar-to, não é o teu telemóvel, é meu. Assim, a criança vai perceber que não é uma coisa de uso livre, para fazer tudo o que quer. E tem de haver regras claras. Duas das mais importantes são que nos lugares onde estamos juntos não o podemos usar, ou seja, à mesa, quando estamos a comer, não podemos olhar para o telemóvel, nem tu nem eu. A segunda é que o telemóvel não pode dormir no mesmo quarto que tu porque isso vai transtornar-te o sono. E, claro, têm de ter as limitações de tempo, os espaços com e sem.» […]

Afixado por: José Batista d’Ascenção

sábado, 22 de março de 2025

Evolução molecular das espécies (*)

Linus Pauling e Emile Zuckerkandl, 1986.

Em meados da década de 1960, Linus Pauling e Emile Zuckerkandl inventaram um novo método de análise de evolução biológica: As proteínas, como o DNA que as codifica, servem de cartão de identidade de cada organismo. Comparando a sequência de nucleótidos, no DNA, ou dos aminoácidos, nas proteínas, de (macro)moléculas próximas, na estrutura e na função, em diferentes seres vivos, poder-se-ia encontrar a genealogia das espécies.

Zuckerkandl e Pauling compararam a hemoglobina de grande número de animais. Se as hemoglobinas de duas espécies diferissem num único aminoácido nas suas sequências, esses organismos teriam divergido mais tardiamente do que aqueles que apresentassem hemoglobinas com diferenças em 2, 3 ou mais aminoácidos.

Poder-se-ia assim reconstituir a árvore genealógica dos seres vivos: se as mutações que alteram pontualmente um aminoácido numa proteína, provocadas pelas radiações contínuas sobre o planeta, fossem aleatórias e se, por essa razão, afectassem as biomoléculas em intervalos mais ou menos regulares, as espécies próximas na evolução, provenientes de ancestrais comuns, teriam moléculas com sequências e estruturas pouco diferentes.

Na Ordem dos Primatas, o aparecimento do macaco rhesus pode ter ocorrido há 24-31 milhões de anos (Ma), o do gorila há 15-19 Ma, o do chimpanzé há 7-10 Ma e o do género Homo (a que pertence a espécie Homo sapiens) há menos de 2,5 Ma.

Não obstante, não cedamos demasiado à ilusão positivista da absoluta validade desta reconstituição.

O tempo não corre segundo um ritmo universal e imutável: o velho relógio molecular é 5 a 10 vezes mais rápido nos roedores do que nos macacos (ditos) superiores. Vá-se lá saber porquê! 

José Batista d’Ascenção

(*) Texto baseado na releitura do livro «A palavra das coisas» de Pierre Laszlo. Gradiva. 1ª edição, Lisboa, I995. (p. 252-254)

domingo, 16 de março de 2025

Plasmólise e turgescência em células vegetais

Foi já na manhã de Quinta-feira. Usaram-se pétalas de magnólia, de camélia e de sardinheira. Nestes casos, a variação do colorido ajuda, mas obriga à utilização cuidadosa do bisturi. Material muito mais fácil de usar e de resultados claros são as folhas de elódea, como a imagem documenta. Para imagens de células túrgidas, basta a água da torneira como meio de montagem, sem mais. Para obter imagens de células plasmolisadas (ver imagem, ampliada 400x) é suficiente dissolver três colheres de chá bem cheias de sal (cloreto de sódio) ou de açúcar (sacarose) em 400-500 ml de água (da torneira), e usar a solução (hipertónica) obtida como meio de montagem.

Mais interessante é começar com preparações temporárias usando água da torneira como meio de montagem (solução hipotónica) e observar as células túrgidas. A seguir, com uma pipeta de Pasteur, colocam-se duas ou três gotas da solução hipertónica num dos bordos da preparação, à direita ou à esquerda, e aspira-se o meio de montagem com uma tira de papel de filtro do lado oposto. À medida que a solução hipotónica é substituída pela solução hipertónica, que vai irrigando as células, vê-se estas a passarem do estado de turgescência ao estado de plasmólise.

Os alunos ficam entusiasmados e percebem então muito bem o que o discurso e as imagens do manual ou as explicações teóricas do professor não evidenciam tão convenientemente, dadas as limitações de leitura, de compreensão e de análise de muitos alunos. 

José Batista d’Ascenção

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2025

Aprender (II) – com Ausubel e Rómulo de Carvalho, por Nuno Crato (continuação)

«O construtivismo considera que a transmissão de conhecimentos não tem valor», o que é um erro pedagógivo (p. 37). «Não podemos esperar descobrir por nós próprios aquilo que a humanidade demorou muitos séculos a descobrir e entender» (p. 60). Há uma corrente educativa que pensa «que se podem desenvolver capacidades gerais de raciocínio, tais como o sentido crítico ou a criatividade, sem aprender nada de específico» (p. 43). Trata-se das competências, ainda na moda. «A ideia de que o conhecimento específico pouco importa (…) é um argumento contra a aprendizagem», porque «não há nenhuma destreza abstrata que, por si, permita obter conhecimento. É o conhecimento que permite adquirir mais conhecimento» (p. 44). «E a extraordinária criação que é a “internet” não substitui o conhecimento» (p.47)

Crato lembra que «[David P.] Ausubel [1918-2008] não defendia o método da descoberta como forma de tornar significativa a aprendizagem». Foi Ausubel quem escreveu, em 1963: A «exposição verbal significativa é, na realidade, o meio mais eficiente de ensinar matérias disciplinares e origina um conhecimento mais sólido e menos trivial do que nas ocasiões em que os estudantes são os seus próprios pedagogos» (p. 66).

«Pensar que as experiências e as descobertas são apenas fruto da criatividade, e que é simples fazê-las é terrivelmente falso». (…) É o que se passa com o ensino baseado em projetos ou ensino por descoberta ou ensino centrado no aluno, (…) naquilo que o motiva ou interessa» (p. 73-74).

Com veneração por Rómulo de Carvalho [1906-1997], seu professor, Nuno Crato lembra também que este insigne português, pedagogo, professor, orientador de professores, investigador, divulgador de ciência e poeta «alertava já para os exageros da pedagogia por descoberta» (p. 77). Havia nele a aguda «consciência do papel determinante do professor e da necessidade de este conduzir o estudante. Essa ideia [é] completamente contrária à posterior moda do ensino centrado no aluno» (p. 80). E o grande Mestre escreveu-a em 1959!

Muitos anos depois, o relatório sobre os resultados, muito claros, do PISA 2015 identifica factores positivos e negativos. O segundo mais forte dos aspectos negativos (t-ratio = -42,3) nos países da OCDE é o «índice de ensino por descoberta» (p. 82).

No estudo PISA, «os fatores mais positivos para os bons resultados são os associados à condução da aula pelo professor. Os mais negativos são os associados à iniciativa dos alunos na exploração dos conceitos científicos e na condução das experiências» (p. 82).

Rómulo de Carvalho sabia-o e escreveu-o. Muitos de nós, os professores que dão aulas, também o soubemos sempre, mas não o podíamos pôr em prática.

Foi e continua a ser assim.

José Batista d’Ascenção

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2025

Aprender (I)


Não temos qualquer fórmula mágica universal, mais ou menos complexa, predictora da aprendizagem. Temos muita experiência e trabalho de pesquisa, mas também temos muitas crenças sobre o assunto.

Sempre à procura, debrucei-me sobre o ensaio de Nuno Crato para a Fundação Manuel dos Santos, com o título que roubei para este texto.

Começa assim: …«temos obrigação de fornecer uma educação melhor aos nossos jovens. Mas estamos a falhar.» O autor contesta «a ideia de que o ensino por descoberta é mais eficiente e mais ativo do que o ensino explícito» e, contrastando conhecimentos com competências, sustenta «a primazia dos conhecimentos disciplinares para o desenvolvimento de capacidades de aplicação» (p. 1).

Os apoios em que se firma são a investigação científica em psicologia educativa e análises estatísticas internacionais, com dados do PISA e do TIMSS, tomando em atenção as evoluções havidas nos anos recentes, dependentes de acontecimentos como a interrupção das aulas devido à pandemia e das políticas educativas seguidas, antes, durante e depois dela, no nosso país.

«Havia quem alegremente ressuscitasse velhos mitos, dizendo que o ensino remoto era uma grande oportunidade para os alunos tomarem em mãos a sua própria construção do conhecimento» (p. 10). Intramuros, as avaliações das escolas não traduziram problemas e as provas de aferição que se lhes seguiram anunciaram «melhorias dos alunos»! Em Dezembro de 2023, os dados da OCDE chocaram com a realidade virtual. Portugal piorou, mas mais que a média dos restantes países da organização e «regrediu mais do que outros países que tiveram as escolas encerradas durante o mesmo tempo» (p. 10-11). «Verificou-se que nada substitui o ensino presencial, que o ensino direto é indispensável (…) e que as ferramentas digitais podem ser um grande apoio ao ensino (…), [mas] não como um substituto do professor». (p. 34 – 35).

Testes e exames são absolutamente necessários. «As provas podem assumir várias formas» (p. 14), mas têm de ser «válidas» e «fiáveis» (p. 14-15). «Nenhum teste é perfeito (…) nem mede tudo, (…) nem a avaliação pode consistir num só teste ou num só momento» (p. 17).

Professores experientes indicam «trabalhos de casa e perdem noites a corrigir esses trabalhos, semana após semana, ano após ano» (p. 22) e (…) «estão constantemente a fazer perguntas à turma e aos alunos» (p. 22). São tudo «formas de testar conhecimentos e de os reforçar» como preconizam as ciências cognitivas modernas» (p. 23).

«A única solução justa para um sistema educativo é ser exigente com todos (…). E acompanhar essa exigência com apoios especiais [sobretudo cognitivos e não apenas socio-emocionais] para os alunos que têm mais dificuldades» (p. 26).

«A psicologia cognitiva sabe que os jovens não aprendem ciência comportando-se como cientistas em miniatura» (p. 36), como também «não nos podemos restringir à utilidade prática imediata» do que se ensina (p. 37). «Nunca sabemos para que nos vai servir o conhecimento. Só o descobrimos mais tarde.» (p.57). Nenhum jovem poderia «descobrir e construir por si mesmo todo o conhecimento que se espera que adquira durante a sua escolarização» (p. 37).

A este propósito, recordo o que uma antiga aluna minha, de nono ano, me disse um dia numa aula, num exercício do manual que apelava à descoberta, e que foi mais ou menos isto: stôr: se eu pudesse descobrir alguma coisa gostava que fosse algo que ainda não tivesse sido descoberto – agora, descobrir o que já se sabe há muito tempo, faz sentido? E eu concordei com ela, reforçando que o que descobrimos para nós próprios que é sobejamente conhecido não é descoberta nenhuma.

(Continua)

José Batista d’Ascenção

sábado, 15 de fevereiro de 2025

Decompositores

Os seres biológicos que classificamos como fungos, alguns unicelulares e outros multicelulares, os quais incluem os que apresentam estruturas reprodutoras a que chamamos cogumelos (uns comestíveis e outros venenosos e/ou alucinogénios), desempenham globalmente um papel fundamental na Natureza.

Todos os seres vivos precisam de consumir alimentos. Por alimentos, entende-se aqui um conjunto de substâncias químicas incluídas nos compostos orgânicos. Os compostos orgânicos fornecem materiais de construção do corpo, como é o caso das proteínas, e também o combustível necessário ao desempenho de todas as actividades vitais, ou seja, a energia, contida sobretudo em glúcidos, que incluem os açúcares e o amido. Outro grande grupo de compostos orgânicos são as gorduras ou lípidos, tão fundamentais como construtores como fornecedores energéticos. Os compostos orgânicos incluem também os suportes em que estão codificadas as características genéticas de cada ser vivo de qualquer espécie. E há outros.

As algas e as plantas verdes (com clorofilas) são capazes de fabricar compostos orgânicos a partir de substâncias minerais (inorgânicas), bastando-lhas a presença das matérias-primas e uma fonte de energia luminosa, que é o sol. São produtores, ou seja, produzem o seu próprio alimento. O seu e o de todos os animais herbívoros que se alimentam de partes do corpo dos produtores. Os animais são consumidores de compostos orgânicos, que usam para converter nos seus próprios e para gastar como combustível, mas não fabricam compostos orgânicos a partir de matéria inorgânica, como a água, o dióxido de carbono e os sais minerais. Os predadores que se alimentam de outros animais são apenas consumidores de segunda, de terceira ou de quarta ordem…

Acontece que todos os seres vivos produzem resíduos: folhas mortas, dejectos, cadáveres… Ora, como sabemos, estes materiais apodrecem, às vezes com odores desagradáveis, e decompõem-se nos seus constituintes minerais. A decomposição é feita por seres microbiológicos (bactérias, protozoários e fungos) ou de tamanho macro (como outros fungos - por exemplo bolores - e pequenos animais dos solos e de troncos caídos).

Se não houvesse decompositores, as florestas «afogavam-se» na «manta morta» que todos os outonos se desprende das árvores, e não havia superfície disponível para mais cadáveres de animais ou os dos nossos tetravós, assim como os dos tetravós deles, etc.

O que também não havia era a mesma disponibilidade de elementos minerais para as plantas voltarem a fabricar alimento. Quebrava-se o ciclo. A matéria tem um fluxo circular nos ecossistemas, que a reciclam continuamente, no que usam energia solar. Essa energia é de fornecimento contínuo, e não cíclico, porquanto a que se gasta hoje já não está disponível amanhã.

José Batista d’Ascenção