quinta-feira, 21 de dezembro de 2023

Sobre a educação, a encerrar 1º período lectivo, por Santana Castilho

É de ontem (no jornal Público), mas eu não sabia resumir melhor:

[…] «Se olharmos para a evolução dos resultados do PISA até 2015, vemos Portugal sempre a crescer. Faz pois todo o sentido analisar o que nos aconteceu a partir desse ano para que se tivesse invertido tão drasticamente esse ciclo positivo. Nesse ano, João Costa assumiu funções de secretário de Estado e os resultados não mais pararam de descer, como consequência das suas políticas bizantinas de destruição da escola pública: esvaziamento curricular, com programas revogados e substituídos por indigentes aprendizagens essenciais; nefastas políticas de flexibilidade curricular e pseudo-inclusão; abolição de avaliações rigorosas, internas e externas, e sucesso imposto, com passagens de ano praticamente obrigatórias; numa palavra, toda uma ideologia de cordel, de que os delírios Ubuntu, MAIA e quejandos são exemplos caricatos.

[…] Os oito anos do ministério de João Costa foram […] oito anos a promover devaneios, indecifráveis pelo senso comum, de mirabolantes inovações educacionais.

Seria importante que na campanha política para a eleição de 10 de Março todos os partidos dissessem que valores estão preparados para defender, antes de a escola pública perder definitivamente o seu ancestral significado.»

Boas Festas.

José Batista d’Ascenção

quinta-feira, 14 de dezembro de 2023

A esquizofrenia abúlica das escolas, a impotência dos professores e o (des)equilíbrio dos alunos

No início da semana, a meio de uma aula prática caiu-me o queixo. A dada altura, uma aluna que elogiara pela colaboração prestada, trazendo musgos para estudo do respectivo ciclo de vida, fez questão de referir, em voz alta, que ela, como outros alunos, só consegue aguentar-se à custa de medicação.

- Como? - perguntei - Toma calmantes!?

- Calmantes e antidepressivos. - Respondeu ela.

- E há mais alunos nessas condições? - Insisti.

- Eu conheço vários. - Foi a resposta.

Ainda quis explicar que isso não pode acontecer, que as escolas, realmente, não são exemplarmente reconfortantes, mas o discurso saiu-me frouxo e entaramelado, pela surpresa e pela despreparação. Mas ainda acrescentei: - que os professores, pelo menos os da minha idade, recorram enormemente à ajuda de psiquiatras, eu percebo bem; que os pais dos alunos, em média mais novos, sofram do mesmo mal, também entendo; e que os próprios psiquiatras, em certos casos, precisem da terapia de colegas, também é facto conhecido que eu aceito; mas que alunos tão jovens, e entre esses os que estudam muito e - talvez pelo que subjaz à condição - sofram de depressão quimicamente medicada, posso entender, mas não aceito.

Ah, teorias! Teorias! O que estamos nós a fazer?

Que pedagogia e cidadania são as nossas?

Aos meus e a todos os alunos empenhados desejo, sobretudo, ânimo e forças para atirarem quantas pedradas puderam ao charco em que estamos atolados. Neles deposito esperança.

Bom descanso.

Natal Feliz.

José Batista d’Ascenção

sexta-feira, 8 de dezembro de 2023

Em educação o mal é que todos sabem(os) pouco

Não me refiro aos conteúdos a leccionar. Quase quarenta anos de profissão - a mais bela das profissões - e não encontrei a chave para ensinar bem todos os que foram ou são meus alunos. Ou para fazer com que todos conseguissem aprender. Julgo que fui e sou bom professor com os bons alunos (o que não é difícil), mas nunca consegui nem consigo ser bom com os alunos com muitas dificuldades. Assumo-o humildemente.

A formação pedagógica que recebi, toda ela, a formalmente obrigatória e aquela que interessadamente procurei (e paguei, nalguns casos) foi como que «ao lado». Na sua maior parte não (me) ajudou nada. Por isso, nesta matéria, estou hoje como quando (me) iniciei na profissão.

A escola actual falha: não ensinamos bem as crianças (ou não conseguimos que aprendam o desejável, o que dá no mesmo) e, nessa medida, não as educamos convenientemente.

Não aceito as desculpas que se focam no aproveitamento dos bons alunos, que os há, mas em número bastante minoritário, nem, muito menos, me conformo com a empáfia que exalta a «geração mais bem preparada de sempre». Preparada para quê?

A dura realidade é que não fazemos ideia dos mecanismos neurofisiológicos subjacentes à (auto)aprendizagem. Vamos tacteando. Convinha que assumíssemos isto, com clareza.

Não há especialistas em educação - como podia, se é matéria tão vasta e intrincada? Não obstante, em todos os tempos existiram e existem excelentes pedagogos (as duas categorias não se confundem, mesmo em teoria). É este o meu entendimento.

Os bons pedagogos, habitualmente, percebem a enormidade da tarefa e reconhecem as insuficiências no seu desempenho. Por isso, dificilmente podem julgar-se sem «mácula».

Seja como for, o caminho obriga-nos a «caminhá-lo». Resta que, no meio das dificuldades, há também motivos belos e compensadores.

Se não fora isso…

 José Batista d’Ascenção

terça-feira, 5 de dezembro de 2023

Alunos portugueses pioram a Matemática e a Leitura no PISA de 2022

«Os quase sete mil alunos de 224 escolas portuguesas que realizaram as provas de 2022 obtiveram piores resultados do que os seus colegas em 2018, colocando Portugal entre os países que mais baixaram de pontuação a Matemática, refere o relatório da OCDE hoje divulgado.

Os alunos portugueses de 15 anos pioraram os seus desempenhos nos testes internacionais de Matemática e Leitura do PISA de 2022, invertendo a tendência de melhoria que se vinha registando na última década.

O Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA) voltou a analisar os conhecimentos a Matemática, Leitura e Ciência de alunos de todo o mundo – em 2022 participaram cerca de 690 mil alunos de 81 países e economias – e o retrato do desempenho dos estudantes releva “uma quebra sem precedentes”, em que Portugal não foi exceção.»

Fonte: https://onovo.sapo.pt/noticias/alunos-portugueses-pioram-a-matematica-e-a-leitura-no-pisa-de-2022/?utm_source=SAPO_HP&utm_medium=web&utm_campaign=destaques

Não espanta.

José Batista d'Ascenção

sexta-feira, 24 de novembro de 2023

Mensagem a uma ex-aluna, quase médica, que tem um problema de saúde

Olá, Inês.

Recordo com muito carinho uma menina muito inteligente, viva, curiosa, dedicada e sensível, atenta e trabalhadora. Foi minha diligente aluna. Minha e de outros professores, que tinham sobre ela uma opinião idêntica à que eu tinha. Tinha e tenho, porque perdurou e se mantém como se fora um prémio. Prémios destes são os que, velhos professores como eu, conservam gratamente, na memória e no peito.

Uma ou outra vez, professores assim, recordam os alunos, conjeturam possibilidades sobre o seu percurso e interrogam-se sobre se foram suficientemente eficazes a estimular cada um a descobrir e desenvolver as suas aptidões. Mas, há aqueles jovens em crescimento sobre os quais não têm receios apreciáveis, tal é a riqueza humana e as capacidades que sabem que eles possuem. A Inês pertence a este grupo.

Ora, há dias, vem na minha direcção um pai extremoso, o pai daquela menina, a quem, em encontros anteriores, normalmente fugazes, sempre perguntei interessadamente por ela, antecipando as respostas próprias de todos os pais que trazem os filhos no coração, e por maioria de razão, neste caso. Nesses momentos reforcei a ideia de que ser professor tem privilégios reconfortantes e únicos. Com a vantagem de que este pai não vê desfocadas as qualidades da sua menina. Tem um tesouro e aprecia-o com enlevo e ternura tocantes. Muito justificadamente.

Acontece que a vida é cheia de contingências que escapam à nossa vontade e ao nosso domínio. A saúde é uma sorte e uma conquista, e quase sempre a parte da sorte não é extensiva a todos os domínios, nem dura o tempo todo. Por isso, querida Inês, deixo um sinal de incentivo e de confiança nesta formulação firme e clara: acreditar em todas as esperanças, sonhos, energias e capacidades, tão merecidamente reais nesta situação. As dificuldades também servem para dar têmpera, enobrecer e tornar mais merecedoras as vitórias alcançadas e a alcançar.

Muita força, Inês.

Beijinho, do antigo professor   

José Batista d’Ascenção

sábado, 18 de novembro de 2023

A deriva da palavra «excepção»

A escrita da língua portuguesa, em Portugal, é um problema. Ou um conjunto de problemas. E nos países de língua portuguesa, provavelmente, não será diferente. Conto-me entre os que, desde o 25 de Abril libertador, que trouxe a escola para todos, acalentei esperanças de que a nossa bela língua passaria a ser bem tratada pela generalidade dos portugueses, cada vez mais escolarizados. Um engano.

Quando surgiu o chamado «Novo Acordo Ortográfico», receei que as coisas piorassem, e nunca percebi como é que se podia acreditar nos objectivos a que se propunha. E não era pela crítica furiosa de Vasco Graça Moura, que se me afigurava demasiado cortante. Era, simplesmente, por me parecer inviável: internamente desnecessário e contraproducente e externamente irrealizável.

Segundo Maria Regina Rocha, relativamente a Portugal e ao Brasil, «havia 569 palavras diferentes que se tornaram iguais e 1235 palavras iguais que se tornaram diferentes.» Com o Acordo Ortográfico, aumentou [para mais do dobro] o número de palavras que se escrevem de forma diferente! (1).

E escreve-se pior do que antes, jornalistas encartados, incluídos, diplomados do ensino superior e mesmo professores universitários. As legendas das televisões são tristemente reveladoras, tanto nas estações públicas como nas privadas.

Concordo inteiramente com os textos críticos da nova grafia e do modo como se ensina a língua portuguesa nas escolas, atribuídos a Teolinda Gersão.

Este ano lectivo, que ainda vai no início, já me surgiu mais do que uma vez, escrita por alunos, a palava «excessão» em lugar de «exceção», que eu escrevo (fora da escola) «excepção». Penso que este erro é filho do dito «Acordo Ortográfico». Se, correntemente, escrevêssemos «excepção», era mais difícil alguém dobrar o «ésse» a seguir a um «pê», creio. Para além de a palavra ficar amputada da sua raiz, diferentemente do que acontece noutras línguas em que deriva do mesmo étimo, permite desvarios desconcertantes, como é o caso.

Sublinho sempre os erros ortográficos dos alunos em todos os materiais que recolho deles e verifico e avalio. Porém, não sinto que a generalidade deles dêem relevância às minhas recomendações e penso que, muito menos, se apercebem do meu desgosto.

A revisão da grafia formal do português de Portugal é urgente e terá que ser feita mais tarde ou mais cedo.

Quanto mais tarde, pior.

 (1) In: «Por Amor à Língua Portuguesa». Manuel Monteiro. Objectiva. 1ª ed. 2018. Pg. 151 e 163.

José Batista d’Ascenção

quinta-feira, 9 de novembro de 2023

A escola que não prepara

Sempre, ao longo de muitos anos, senti enorme responsabilidade perante os bons alunos que tive e tenho e frustração pelos “menos bons”, que tenho e tive.

Depois da impreparação pedagógica de base que recebi na licenciatura (apesar de ter tido bons professores [também] na área de pedagogia, facto que afirmo com respeito), acentuada, dez anos anos depois, em mestrado em educação («especialização em ensino de biologia e geologia», como consta no diploma, note-se!), a realidade não fez mais que mostrar(-me), todos os dias de cada ano lectivo, que pouco sabemos e menos sabemos fazer para resolver o insucesso, que mascaramos de modos muito diversos.

E, contudo, ensinar (o que vamos fazendo cada vez menos…) é uma profissão desafiadoramente bela. Bela como poucas, suponho. E terrível, quando a douramos ilusoriamente. Que raio acontece para haver meninos de 12-13 anos, e são muitos, que nem o nome conseguem escrever sem erros? E que não percebem o que lêem, nem mesmo o que eles próprios garatujam?

Nunca imaginei que pudesse(mos) chegar ao ponto de leccionar disciplinas sem programa («as aprendizagens essenciais são uma fraude», escreveu Santana Castilho [in jornal «Público», de 08 Novembro 2023, pg.16], e eu concordo). Mas chegámos.

Inevitavelmente, os resultados mostram o que não queremos ver.

Que seja a escola pública a seguir (e impor) este trilho é (ainda) mais doloroso.

José Batista d’Ascenção

sexta-feira, 22 de setembro de 2023

As primeiras aulas deste ano lectivo correram-me bem

Cada recomeço, em cada Setembro, provoca em mim uma espécie de nervoso miudinho que não melhora com a idade. Não sei se pode ser útil (a alguém) confessá-lo, mas tenho a certeza que não é crime admiti-lo.

Gostei dos alunos e dentro em pouco entusiasmei-me. Terei sido muito palavroso (?) e não dei pelo tempo (longa hora e meia seguida de cada vez!) até escassos minutos antes do termo. Então convidei-os gratamente a descansar até à exacta hora de saída.

Este meu sentimento não se correlaciona com certas noções avançadas de aulas, que não partilho: muita excitação, às vezes balbúrdia, eventualmente com os alunos agrupados a fazer pouco e desordenadamente, ou, ao contrário, individualmente presos aos jogos em que disputam pontos para vencerem outros, seus adversários (chamam-lhe «gamificação» e há quem afirme que favorece a aprendizagem…). São os tempos.

A arte da pedagogia (que não considero uma ciência) para mim é outra: e tem que tocar os alunos, fazer-lhes vibrar as cordas do interesse e causar brilho nos olhos. Por isso, a maior parte das aulas (falo das minhas, naturalmente) causa-me dor.

A luta que me anima não é para conseguir claques de exibicionistas (as «evidências», diz-se), mas para conquistar almas. E isso é muito difícil. Cada vez mais difícil.

Mas não é impossível, às vezes acontece, tornando-se um bálsamo para todas as frustrações.

Gostava de estar à altura do que os meus alunos precisam e merecem, até porque alguns deles são maravilhosos, segundo informação recebida. Farei o possível.

Fica escrito. 

José Batista d’Ascenção

domingo, 17 de setembro de 2023

Dr Paiva – 90 anos. Uma vida dedicada à ciência, ao mundo das plantas e à luta cívica.

Hoje, no suplemento P2 do jornal «Público»

«Sou cientificamente realizado e civicamente desiludido.

Fiz mais de 2500 palestras [a maior parte delas em escolas básicas e secundárias]. Verifiquei que os alunos na escola gostavam muito de ouvir o que tinha para dizer e ficavam alertados para o que estava a acontecer. Escrevi muitos artigos de opinião. Mas depois os alunos são tão massacrados com propaganda consumista que, quando chegam à universidade, a maioria esquece-se. E, quando vão para as suas profissões, esqueceram-se. E, quando chegam a políticos, não fazem absolutamente nada. Estamos neste estado de desgraça das alterações climáticas. Há mais de 50 anos que estamos a falar nas alterações climáticas e que é preciso actuar. Os senhores políticos reúnem-se internacionalmente, em vários sítios, e promulgam acordos que nunca cumpriram. Nunca cumpriram nenhum acordo! Sempre pensei que o estado que estamos a atingir — pessoas a morrer queimadas [por tanto calor e incêndios] — ainda não seria na minha vida. É uma desilusão muito grande. Vai ser muito pior, porque os políticos continuam a não fazer nada.»

É a realidade, Bom Mestre. E, por questões intrínsecas e perante essa realidade, a escola falha. O pior é que grande parte dos “teóricos da educação” e dos políticos que mandam na escola que temos parecem igualmente refractários à assunção dos factos e… da responsabilidade.

Mas há sempre quem não vá na onda. E os bons exemplos, ainda que a custo, (também) contam.

Muitos parabéns. E um grandíssimo obrigado.

José Batista d’Ascenção

sábado, 9 de setembro de 2023

«Quando se tiram os livros da escola»

Por José Pacheco Pereira, no jornal «Público» de hoje

[…] «O deslumbramento é hoje mais grave quando se tiram os livros da escola, se reduz a leitura a textos jornalísticos, se permitem telemóveis nas salas de aula onde é muito difícil perceber a sua utilidade a não ser como distracção, e se está a reduzir o vocabulário circulante a cada vez menos palavras. Pensam que é possível ler Eça de Queirós sem saber nada da mitologia grega ou das histórias da Bíblia? Na verdade, seria melhor tirá-lo das leituras, ou escrever apenas com o número de caracteres do Twitter, agora X. O resultado é que se está a tirar poder às pessoas. Quem o faz? O Ministério da Educação, os pais, os directores das escolas e alguns professores, todos eles na sua maioria já “formados” nestes deslumbramentos e medos.» […]

Provavelmente, poucos vão ler e desses poucos concordarão.

O que é pena.

Grato a Pacheco Pereira.

José Batista d’Ascenção

quinta-feira, 31 de agosto de 2023

O retorno de Setembro


O sétimo mês do calendário romano (imagem adaptada)

Nascido no interior da zona do pinhal, o mês de Setembro sempre significou para mim um tempo de serenidade, de temperatura amena e de afastamento do calor tórrido propiciador do inferno tenebroso dos incêndios.

O tempo das vindimas, em que participei anos sucessivos na adolescência e juventude, associa-se-me na memória a ternura e harmonia suave, favoráveis à contemplação introspectiva.

O regresso à escola, como aluno, primeiro, e como professor, depois, tirando um ou outro ano menos entusiasmante, nunca foi um problema para mim e, no fundo, era coisa que desejava. Com uma excepção, que era quando, como docente, tinha que me apresentar numa nova escola. Então sim, sofria a sério por antecipação, num martírio que sempre derivou mais de mim do que da realidade a enfrentar.

Agora, sentado numa esplanada, no café «Os Coelhos», depois de servido pelo sempre simpático Sr. Miguel, dou comigo imerso em pensamentos que tais, conjecturando não sobre o Verão que caminha para o fim, mas antes sobre os alunos novos que vou ter e as minhas capacidades para os cativar. Não é fácil: porque eu fico (e sinto-me) cada vez mais velho e cheio de passado que não coincide com as vivências, o sentir e o pensar dos jovens de hoje. Não é um divórcio. É uma desconformidade de tempos, de modos, de perspectivas e de procedimentos que obstaculizam a transposição das dificuldades.

Como é diferente a prática pedagógica das “teorias” que a preconizam.

À entrega, corpo e espírito meus.

José Batista d’Ascenção

sexta-feira, 18 de agosto de 2023

«Rankings» de universidades - pequeninos mas contentinhos? (*)


O jornal «PÚBLICO» fez notícia com título de primeira página do ganho de posições das universidades portuguesas entre as 500 melhores no «prestigiado ranking internacional» de Xangai, tendo Coimbra entrado «no lote restrito onde há outras quatro universidades portuguesas»: as de Lisboa e do Porto algures entre as posições 201-300, e as de Aveiro, de Coimbra e do Minho entre as posições 401-500. Já a Nova de Lisboa é remetida para as posições 601-700.

Segundo a notícia, esta é a «mais antiga lista global que classifica as 1000 melhores universidades do mundo».

Mentalmente, ocorreu-me um paralelo com os famigerados «rankings» das escolas básicas e secundárias do país publicados todos os anos na comunicação social. Mantendo as posições relativas, creio que qualquer delas se orgulharia pouco do posicionamento conseguido…

O que pensarão as nossas universidades, mesmo as mais bem colocadas, sobre este indicador?

Há cerca de 40 anos, o Professor Joaquim Montezuma de Carvalho, em conversa restrita, referia que a «carruagem» da produção de conhecimento das universidades portuguesas seguia muito atrasada em relação às melhores do mundo e não via como é que podia deixar de continuar a perder distância no futuro (então) próximo… Aparentemente, tinha razão.

(*) Texto publicado no jornal «PÚBLICO» de hoje.

José Batista d’ Ascenção

sexta-feira, 30 de junho de 2023

Inflação de “notas” e correlativos [texto publicado hoje no jornal «Público»]

Qualquer análise das classificações dos alunos do ensino secundário, púbico e privado, particularmente nas disciplinas sem exame, faz ressaltar tamanha abundância de dezanoves e vintes que devia fazer soar os alarmes da decência e da prudência.

As razões são múltiplas, facílimas de evidenciar, mas difíceis de assumir e, sobretudo, de resolver. Se eu soubesse ser cauteloso não escrevia isto, mas não posso deixar de o fazer.

Os negócios relacionados com o ensino, que os famosos «rankings» estimulam, da atracção de alunos à venda de explicações (sempre justas se são boas, digo eu, que nunca cobrei nada por nenhuma), encerram os factores principais.

Mas não só. Como escasseiam horas para professores, alguns cedem à tentação das boas “notas”, particularmente nas disciplinas opcionais sem exame, como chamariz de alunos para as suas disciplinas e factor de preenchimento dos seus horários. Assim, não são poucos os alunos que fazem opções a pensar em médias em detrimento de conteúdos disciplinares.

No meio disto, muitos pais abrem os cordões à bolsa e/ou apertam o cinto e pressionam os professores, directa ou indirectamente, para atribuírem classificações altas. E os próprios alunos o fazem, não raro sem qualquer pudor. Descendentes e progenitores também ameaçam com reclamações, que sempre se traduzem em castigo burocrático para os docentes, mesmo que falhem o objectivo principal.

Outro efeito colateral é o recurso aos copianços, que os meios tecnológicos tornaram quase impossíveis de combater. E que alunos e muitos pais passaram a considerar não uma fraude, mas um “direito”.

É preciso assumir o descalabro, e tomar medidas legais e pedagógicas que lhe ponham cobro.

José Batista d’Ascenção

quarta-feira, 28 de junho de 2023

Algo bom no final do ano lectivo

Este ano, porque leccionei a 10º e a 12º anos, não tinha alunos para o exame de biologia e geologia, excepto os que, querendo repetir a prova, me pediram para lhes dar algum apoio, o que fiz graciosamente, na escola, ao longo do 3º período.

No dia 26 de Junho apresentei-me para recolher um lote de exames, na função costumária de classificador. A prova deste ano e desta fase respeita o que é habitual (e possível…) fazer-se nas aulas, apesar de os documentos fundamentais – dois fascículos de 12 e 11 páginas com o que se chama «aprendizagens essenciais», de 10º e 11º anos, respectivamente – serem de uma vacuidade limitadora, sem que haja programa específico desses ou de quaisquer outros anos!

Andaram bem os feitores das provas (terá sido uma equipa nova?), face às condições do tempo de pandemia e apesar de um certo desprezo e falta de gosto pelo saber, agora muito em voga, desconformes, porém, com “notas” altas mais ou menos irreais, que alastram avassaladoramente nas escolas, sob pressões diversas, incluindo ameaças de reclamação de alunos e encarregados de educação junto dos professores.

Pela minha parte, nunca me conformei com o despautério de certas questões dos exames de biologia e geologia desde 2006, e assumi-o por escrito, com a devida assinatura. E sou a favor dos exames. Porventura, a sua realização é necessária (também) nas disciplinas do ensino secundário em que não existem, por motivos de decoro, de imprescindível desinflação das classificações e de recredibilização da escola.

Relativamente às provas desta 1ª fase, discordo que se atribua a mesma cotação a todas as perguntas, mais fáceis ou mais difíceis, de opção ou de elaboração de resposta aberta. Claro que há largos trechos de matéria que ficaram de fora, mas compreende-se. E os critérios de avaliação das respostas abertas continuam a não ser tão objectivos como seria desejável, mas também se aceita…

Portanto, a prova está bem assim. Já era tempo. Os responsáveis do IAVE não são, pois, necessariamente alheios à realidade das escolas, ainda que a coerência e a comparabilidade dos exames, ao longo dos anos, sejam bastante duvidosas.

Embora me pareça que estes motivos não são preocupação de muita gente, são, contudo, razões de congratulação.

Que registo.

José Batista d’Ascenção

terça-feira, 27 de junho de 2023

Atribulações do final do ano lectivo (II)

Na manhã do dia 20 de Junho, eu e a minha serena e diligente colega Sandrine estivemos a vigiar o exame de geografia A do ensino secundário.

Na sala, apenas três examinandos. No início, em voz clara, doce e pausada, a Sandrine leu as instruções necessárias e convenientes.

Poucos minutos decorridos, um dos alunos, um latagão de barbicha, punha o braço no ar. E, acto contínuo, pedia aos professores um lenço de mão. A Sandrine procurou a sua (dela) bolsa, na secretária, olhando-me com ar interrogativo. Eu, apenas mexendo os lábios, disse(-lhe) que, por mim, não dava. E ela optou por não dar.

[Este desplante, que se tornou vulgar nas aulas, já vinha de antes, mas acentuou-se durante a pandemia. Sempre o combati: fazia sentir aos alunos que os toalhetes sobre a secretária se destinavam à desinfecção das mesas e deviam ser consumidos com parcimónia, evitando o desperdício injustificado e excessivo, e apelando a que cada um, salvo casos excepcionais, cuidasse da higiene de mãos e face a expensas próprias e do modo mais silencioso possível, reduzindo manipulações e trocas de material mais ou menos conspurcado (com vírus, bactérias, protozoários, fungos). Com sucesso, diga-se.]

Aquele mesmo rapaz, minutos depois, põe o exame de lado e deita-se sobre o tampo da mesa. Ninguém o incomodou.

Minutos mais tarde, outro dos examinandos chama a Sandrine para lhe apontar uma questão que, dizia ele, “era estúpida”. A Sandrine respondeu-lhe com um encolher de ombros que pretendia esclarecedor.

“Acorda” o examinando que se "deitara", volvidos mais alguns minutos, e pergunta à Sandrine se pode sair. Espantada, ela diz-lhe que não (repetindo o que havia dito antes de a prova começar…). E ele pergunta-lhe porquê. E a Sandrine explica-lhe, em tom baixo e muito resumidamente, que não pode. O rapaz volta a deitar-se sobre a mesa.

Pouco sossegado, o outro aluno, chama-me agora a mim, que me dirijo para a sua mesa, e lá está ele com o dedo apontado para a prova: «esta pergunta é estúpida». Dou meia volta, vou buscar a folha das «normas», coloco-me diante dele e aponto para o parágrafo a negro carregado, onde se diz que os vigilantes não podem fornecer quaisquer indicações aos alunos em prova. Ele olha para o meu indicador, depois para mim, e parece acatar.

Puro engano, poucos minutos depois, à passagem da Sandrine, junto de si, dispara outra vez: «esta pergunta é estúpida». Ela não lhe responde.

A 15 minutos do termo do tempo regulamentar, o “dorminhoco” põe o dedo no ar porque precisa de ir ao wc. Chama-se um elemento do secretariado para o acompanhar.

O terceiro aluno faz o seu exame, aplicado e em silêncio.

Antes do toque de saída, relembra-se que há 30 minutos de tolerância, que tem que ser usada até ao fim pelos que optem por beneficiar dela.

O aluno silenciosamente aplicado e o que não fez nada entregam as suas folhas de prova e saem. O segundo atira o enunciado para o balde do lixo.

O examinando sonoramente dubitativo opta por usar o tempo de tolerância.

Passados 10 minutos, este aluno diz que terminou e pede para sair. É-lhe dito que tem que esperar até ao fim. Esgotada aquela meia hora, o aluno entrega a sua prova, levanta-se, atira o enunciado para o lixo e sai.

Foi assim, aquela manhã de vigilância.

José Batista d’Ascenção

segunda-feira, 26 de junho de 2023

Atribulações do final do ano lectivo (I)

Em teste que apliquei em 02 de Junho numa das minhas turmas (10º ano) verifiquei a ocorrência de fraude, em escala, digamos, entre um turno e o seguinte de aulas desdobradas, como nunca me tinha acontecido. Devolvi as provas aos meninos sem apor qualquer classificação e pedi-lhes que esclarecessem os pais sobre o ocorrido, porquanto eram conhecedores dos detalhes que a mim, falho de vocação de polícia/detective, me escapavam. Quanto à avaliação aplicar-se-ia o previsto nos critérios em vigor para casos que tais.

Vários pais (mães, concretamente) entraram em polvorosa. Sugeri à directora de turma que os deixasse ferver à vontade. Pela minha parte, não ia entrar, nem entrei, em nenhum pingue-pongue via correio electrónico ou outro sobre o assunto. Nem queria ficar a par da chuva de comunicações que podia cair-lhe em cima, como caiu, sem deixar de apoiá-la quanto pudesse. Assim mesmo ainda fiquei a saber que uma mãe lhe enviou uma comunicação lapidar: «o culpado é o professor. Deveria ter feito teste diferentes, como é óbvio os alunos falam entre eles.» Em lugar de «falam», devia ter escrito «copiam», não por uma questão de descaramento, mas de objectividade. Outra mãe, proveniente do Brasil (lá como cá e vice-versa), ameaçava: «espero que a média dela [a sua educanda] não fique abaixo à do período passado, pois se assim acontecer, irei fazer uma reclamação às autoridades competentes»…

Até ao conselho de turma de avaliação nem os encarregados de educação nem os alunos se debruçaram sobre a batota em si, com excepção de uma menina que, na última aula, se lhe referiu levemente como «acontecimento lamentável».

Assim vão as coisas. Os meninos que iniciam o ensino secundário na escola pública, grosso modo, não vêm bem preparados (muitos, nem minimamente…) nem conseguem estar adequadamente no que deviam ser aulas. Dizem(-nos) que tem que se usar pedagogias activas, tomando-se por actividade qualquer balbúrdia na sala de aulas. Ensinar e aprender passou de moda. E copiar já não é uma fraude, é mais uma espécie de “direito”.

Militantemente, caminhamos para aonde?

José Batista d’Ascenção

sexta-feira, 12 de maio de 2023

«Aprender a aprender» - falácia que condiciona a prática pedagógica

A pedagogia é um oceano de dúvidas, onde muitas crenças predominam mascaradas de certezas fundadas na ciência, tão válidas como qualquer empirismo que não passe disso mesmo.

A nuvem de factores que envolve o acto de aprender e os seus protagonistas mais importantes - os alunos e quem os educa/ensina - não permite definir um sistema de equações que contemple o conjunto de todas as variáveis. Não obstante, há linearidades indiscutíveis, como a que relaciona as dificuldades económicas com o baixo rendimento escolar das crianças: indubitavelmente, a fome, o frio ou os maus tratos prejudicam a aprendizagem. Mas, o oposto, a ideia de que proporcionando condições materiais e afectivas a todos os alunos se garantiria sucesso universal não é, obviamente, uma verdade demonstrável. Na realidade, as condições intrínsecas de cada indivíduo: a constituição, a saúde, as capacidades, as aptidões e as tendências de cada pessoa (que a tornam única e irrepetível) podem não contribuir para que a melhor educação/formação se desenvolva com satisfação e proveito plenos, dos próprios e dos seus educadores/professores. Por isso, ensinar e aprender é uma luta de sempre.

O conhecimento dos mecanismos neuro-psico-fisiológicos decorrentes dos estímulos educativos deve fazer luz sobre a aquisição e integração do saber, e aí deve assentar a acção pedagógica. Contudo, apesar dos progressos da neurologia, não parece que estejamos perto de conhecer aprofundadamente aqueles mecanismos, esclarecendo de modo concreto e amplo os “algoritmos neuronais” que realizam a aprendizagem e proporcionam eficácia no uso do que se aprendeu, em cada contexto afectivo e sociocultural. Mesmo conhecendo-os, sobravam sempre os casos em que múltiplas deficiências lhes limitariam o bom funcionamento.

Assim, andamos à volta do(s) problema(s), sem saber se temos feito as melhores abordagens. Desconhecemos se há alguma via intrínseca particular que suporte o leque das mais variadas aprendizagens, traduzível numa fórmula-base que servisse a cada um para aprender qualquer coisa. Se existisse uma “fórmula mágica” todos poderiam aprender tudo, sem limites. Por outro lado, sabemos que há (relativamente) poucas pessoas geniais que aprendem (ou aprenderiam) bem qualquer matéria. Conhecemos igualmente muitos génios que o são (ou foram) em áreas restritas: na matemática, num ou noutro desporto, na política, na literatura, etc. Sabemos ainda que todas as pessoas aprendem: algumas muitíssimo e outras muito pouco (quaisquer que sejam as bitolas…). Agora, aprender significa aprender qualquer coisa, seja o que for. E aprender algo, concretamente, facilita ou é condição de aprendizagem de outras coisas. Mas não se aprende no vazio. “Aprender a aprender” é um jogo de palavras. Que podia ter continuidade em, por exemplo, aprender a “aprender a aprender”. E assim por diante.

Portanto, se a fórmula «aprender a aprender» fosse real e conhecêssemos a realidade que encerra, talvez já tivéssemos resolvido o problema do insucesso. Porém, nesta matéria o expediente tem sido outro…, e esse é absolutamente ilusório e tremendamente injusto. 

José Batista d’Ascenção

terça-feira, 2 de maio de 2023

Inteligência artificial, o «ChatGPT» e (alguns) perigos decorrentes

A «Inteligência Artifical» (IA) é um “mundo” extraordinário que evolui vertiginosamente, que nos espanta pelas “proezas” que já consegue, que tem possibilidades vantajosas, mas que levanta perplexidades e questões difíceis de esclarecer, sendo que a maior parte das consequências está para além do que conseguimos divisar.

Hoje, os computadores jogam xadrez e já nenhum humano os pode vencer. É um feito (relativamente) recente. Mas não sei de actuais campeões humanos da modalidade que se julguem melhores do que os de outros tempos, quando era fácil ganhar às máquinas, nem os grandes jogadores se terão tornado melhores ou mais capazes só porque jogam (e perdem…) com os dispositivos informáticos.

Esta manhã discuti durante alguns minutos com um colega professor de «física e química» do ensino secundário sobre possíveis vantagens pedagógicas de os alunos proporem ao ChatGPT a resolução de problemas e de aprenderem com essa resolução. Dizia aquele professor que a resolução pela IA de um exercício que fez ultimamente na aula estava quase perfeita e muito bem sequenciada, falhando apenas num pormenor na parte final. Uma maravilha, portanto. Até porque, referia o meu colega, dentro de pouco tempo, a performance dos dispositivos será necessariamente melhor.

Tudo bem, então?

Não, em minha opinião. E lá acrescentei que, do mesmo modo que o motor de busca «Google» não aumentou a bagagem de conhecimentos de ninguém, e conhecendo nós a tendência geral (muito lógica) das pessoas para funcionarem por esforços mínimos, isso pode levar a que muitos deixem de estudar por si próprios, na ideia de que todo o conhecimento está ao alcance e disponível na hora, sem dificuldade. Ora, os cérebros humanos podem tender para o vazio, perdendo capacidade para detectar falhas grandes ou pequenas em respostas que lhes são exteriores e sobre as quais não têm poder crítico. Ou seja, os humanos têm que continuar a estudar e a aprender, e isso exige esforço, tempo, dispêndio, determinação, paciência e, na maior parte das vezes, espírito de sacrifício. Não sendo assim, enormes massas humanas ficarão à mercê das elites que sabem e programam as máquinas para objectivos de supremacia, domínio e proveito material.

O tempo do intervalo passou e, por isso, já não tive tempo de acrescentar outro exemplo que me ocorrera: hoje qualquer jovem vai a qualquer lado com recurso ao GPS disponível nos telemóveis. Mas já pedi a um que, sem ligar o aparelho, me dissesse, a partir do local onde estávamos (e o local podia ser outro qualquer…), em que direcção ficava a capital do país. O rapaz olhou-me espantado, como se a pergunta fosse absurda. E não fazia a menor ideia para que lado apontar. Quer dizer, tal como o «Google» não aumentou a sabedoria global de ninguém, também o GPS não eleva as capacidades de orientação geográfica de quem o utiliza.

Resumindo: estudar e saber é tão necessário como sempre foi e será.

A IA dá-nos, de imediato, respostas espantosas, mas numa compilação estatística do que os humanos produziram, com uma proficiência que nenhuma pessoa pode alcançar. Mas a inteligência humana é imprescindível, hoje e cada vez mais, o que requer trabalho, trabalho, trabalho.

José Batista d’Ascenção

quarta-feira, 26 de abril de 2023

O que pensam os jovens universitários?

Braga, 26 de Abril de 2023, quarta-feira, 08.45 horas.

Chego de carro para apresentar-me numa unidade de saúde. Vejo como que um pelotão de jovens em exercício de «ordem unida» das paradas militares. Marcham, param, fazem gestos e emitem palavras ou sons que a minha deficiente audição não permite compreender, e que me parecem mais ou menos simiescos. Ao lado, um magote de outros jovens com os seus trajes negros universitários parece comandar e vigiar.

Penso nos meus alunos de décimo segundo ano que, daqui a uns meses, vão ingressar nas universidades e hão-de, possivelmente, ocupar tempos de manhãs primaveris de dias úteis, em acções parecidas, nos mesmos preparos.

E penso no que pensarão estes jovens, os que executam estas coreografias pindéricas e ridículas e os que os “comandam”.

E penso no estado do meu país e na impreparação (de grande parte) da juventude (incluindo a que frequenta universidades…). E no rotundo falhanço da escola, do que se chama «educação», da minha actividade profissional (de docência do ensino secundário) e de quem a define e supervisiona. E também penso no princípio de tudo, que é a educação familiar, que vem do berço, e é dada por pais que já foram formados neste caldo de cultura. E, naturalmente, penso no que o futuro nos reserva. E o futuro é já hoje. E amanhã.

Escrevinhei isto, fui ao meu destino, e quando saí, passava das 10.00 horas: os jovens lá continuavam, afincadamente.

Eles preparam-se para quê?

José Batista d’Ascenção

segunda-feira, 3 de abril de 2023

Aprendizagem, conservação e divulgação do património geológico de Portugal

Foi na passada sexta-feira (trinta e um de Março), último dia de aulas do segundo período. Éramos noventa e três alunos e seis professores. Viajámos em dois autocarros, de Braga às grutas de Mira de Aire e à Pedreira do Galinha.

A maior parte dos alunos nunca tinham visitado aquelas grutas, muito menos as pegadas de dinossaur(i)os, no que foi uma pedreira e é agora um geomonumento de categoria mundial, que carece da concretização de um projecto de valorização e divulgação à altura da sua valia. Esse projecto existe, muito pela acção do Professor Galopim de Carvalho, que luta denodadamente pela sua execução, em benefício do conhecimento científico e, mais directamente, do futuro dos nossos jovens e do país.

As grutas, com que os alunos se impressionaram têm, na proximidade da entrada, um «Jardim das Rochas» e o «Museu do Fóssil». O guia esteve bem e os alunos interessaram-se. Como sugestão de enriquecimento propusemos a inclusão no espólio exibido das «galopimites», embora não o tenhamos feito por escrito, como talvez fosse conveniente.

Na pedreira, o guia esteve impecável na clareza, incisão e simplicidade das explicações de matérias não propriamente simples. Os alunos perceberam(-no).

Pormenor menos positivo, que não fujo ao desconforto de registar (e que seria cobardia esconder): a linguagem entre os alunos, no autocarro, e algumas canções que tentaram entoar incomodam quem, como eu, aprecia a moderação conveniente no convívio entre professores e alunos. Isso lhes disse, o que aceitaram, mas com tendência notória de fuga do pé para a chinela, aspecto em que ser minhoto não é atenuante.

Porém, em cada um dos locais visitados os alunos estiveram excelentemente e só podem ter deixado boa impressão.

José Batista d’Ascenção

quarta-feira, 29 de março de 2023

O venerando Professor Jorge Paiva e os alunos do ensino secundário

Pedimos-lhe e ele vem. Vem sempre [de Lisboa a Braga ou a qualquer ponto do país]. Paga as próprias viagens e o que come e fala-nos com empenho das matérias que lhe propomos [hoje, o tema era: «Portugal Dendrodescoberto, ou os desertos rochosos em que se estão a transformar as nossas montanhas»]. Sente-se bem assim. Já me têm dito que o devemos poupar. Eu respondo sempre que o devemos aproveitar. Do alto dos seus quase 90 anos, do seu conhecimento, da sua generosidade e disponibilidade, faz com que eu me veja e a muitos da minha idade como pessoas envelhecidas de cansaço e não pouca desilusão. É assim, confesso-o.

Os alunos apreciam-no. Um, de entre os presentes (cento e dez de manhã e metade disso de tarde), já no ensino superior, soube e pediu para vir assistir, porque, desde que o conheceu, achou o Professor Paiva inspirador. Outros, que foram nossos alunos, escolheram os seus cursos e dão-se bem neles pela motivação que encontraram neste Mestre.

Nunca dei fé que protestasse por motivos de vencimento ou que manifestasse alguma vontade de se aposentar. Trabalhou e trabalha, trabalha sempre, com a paixão e o encantamento de um menino. E mostra, sem o referir, que a pedagogia é essencialmente uma arte e um dom, sem tempo nem idade.

De coração cheio: Muito bem haja, querido Professor.

José Batista d’Ascenção

terça-feira, 28 de março de 2023

Uma coisa chamada projecto «MAIA»


in: jornal «Público» de hoje, versão impressa, pg 13

O dito projecto é, em minha opinião, um conjunto de artifícios excessivos, morosos e inúteis. Em português simples e claro (embora não muito elegante), considero-o uma porcaria.

E lamento a subserviência dos professores que, não lhe dando crédito, e apesar de «muito desânimo», continuam a tentar aplicá-lo.

Vá lá que já há uma petição com mais de 9000 assinaturas a contestar o monstro.

Que repouse no fundo da lixeira para que deve ser remetido quanto antes.



José Batista d’Ascenção

quarta-feira, 22 de março de 2023

Tempo e discurso

Numa aula de história de 9º ano de escolaridade, a professora aborda a primeira grande crise do capitalismo, mostrando uma caricatura “clássica” do capitalista, em que realça a atitude, a vestimenta, o charuto e o facto de ser gordo.

Imediatamente, uma aluna intervém, diligente e incisiva:

- “Stora”: “gordo” não se diz, que é preconceito.

Com paciência e calma, a professora refere o valor das palavras, enquanto conceitos, e o respeito que devem merecer(-nos).

A menina rola os olhos, algo confusa, e a coisa fica por ali.

Há agora o que chamam «discurso inclusivo» e quem procure impô-lo nas escolas.

É um pequeno exemplo, que revela onde já chegámos.

O futuro (nos) revelará o que mais vier.

José Batista d’Ascenção

quarta-feira, 1 de março de 2023

A escola pública transformada em manicómio

«Chamam-lhes aulas de substituição. Não é designação errada, perante a prática em que o que deviam ser aulas se transformou.

Os alunos não querem abordar nenhum assunto em que o professor substituto possa ser útil. Apenas três se ocupam a trabalhar, em exercícios de matemática. Os restantes procuram distrair-se com os seus telemóveis, algo ruidosos e excitados. Outros jogam em grupo, mas, sobretudo, tagarelam e agitam-se.

O professor (substituto) contempla e faz (estas) anotações. Ninguém o interpela, exceptuando os alunos que pedem para ir lá fora. Que vão e voltam com o mesmo tédio com que saíram. Ou que demoram a voltar.

A escola é isto. Foi nisto que a transformaram. Faliu, a escola pública, por se ter reduzido ao absurdo. E à indignidade.

Felizmente, uma aluna manteve-se todo o tempo a trabalhar. Honrosa excepção. Merecedora de felicitações.»

Então, o professor pediu a atenção dos jovens (de 10º ano) e leu-lhes as curtas notas anteriores, título incluído. Fez-se silêncio gélido na sala. Vários deles pediram desculpa. Alguns acrescentaram: «obrigado».

Donde se prova que não é por causa dos alunos que a escola está em colapso, nos princípios e no funcionamento.

José Batista d’Ascenção

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2023

Os exames nacionais, o ingresso no ensino superior e o descrédito da escola pública

Há três décadas, pela “correcção” de cada prova de exame de 12º ano recebia-se um valor que era atractivo para muitos dos professores chamados à tarefa. Alguns tomavam a iniciativa de, na altura da entrega das provas “corrigidas” da primeira fase, se oferecerem para os mesmos serviços na segunda. Mais tarde, com o avolumar de dificuldades orçamentais, os professores perderam estatuto e remuneração, passando a ser obrigados a uma suposta formação para “correctores” de exames nacionais de uma estrutura com a sigla GAVE. E tal “distinção” acorrentou-os à realização da tarefa, para que passaram a ser “especializados”, tendo que executá-la de forma gratuita.

Consequência da acção dos “especialistas” em pedagogia do ministério da educação, sempre a atafulhar as escolas com a sua bizarra produção burocrática, fundada em crenças a que chamam ciência, as condições da leccionação não melhoraram, em contraste com os resultados formais da aprendizagem documentada nos registos, reforçados pela participação em testes internacionais, assente nalgum ilusionismo. Tanto que até um técnico da OCDE disse há não muitos meses que a educação em Portugal é um “rolls-royce”. Assim mesmo, como se todos nós fôssemos cegos.

Eu (também) fui um dos “correctores” de antanho, como sou dos de agora, e também recebi as formações do GAVE, sem nunca me ter proposto para qualquer das funções. Com o passar do tempo, fui reforçando a convicção do artificialismo e improvisação de todas elas e comecei a não me sentir bem na condição de funcionário involuntário do “funil” de ingresso no ensino superior. Alimentando uma ideia que se esfumava, procurava não perder o sonho de preparar alunos para que eles aprendessem os aspectos fundamentais dos programas. Posteriormente, desejava eu, os alunos haviam de prestar provas em exame (pois claro!) e, no caso dos que quisessem prosseguir estudos, as instituições a que se candidatassem que tratassem de os seleccionar pelo que soubessem, da forma que bem entendessem.

Em verdade, sempre defendi que a cada ciclo de estudos, a começar no final do ensino básico, se devem aplicar provas de exame, bem feitas: respeitadoras da aprendizagem dos alunos e do trabalho dos professores que os prepara(ra)m. E mais digo: nunca encontrei instrumentos mais adequados, nem mais rigorosos, nem mais fiáveis nem mais justos de testar alunos. Não medem tudo, nem têm que medir, medem o que podem, que não é pouco.

Bem sabemos que, no ministério da educação, os tais “especialistas” sabem que a escola pública entrou num caminho de degradação acelerada. E por isso se esforçam por esconder o fracasso, de que são grandemente responsáveis. A tentativa de eliminar os exames é apenas o expediente mais fácil. Embora inútil.

José Batista d’Ascenção

quarta-feira, 25 de janeiro de 2023

A ideia de educação de David Justino

David Justino, professor catedrático do Departamento de Sociologia da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa; ministro da Educação do XV Governo Constitucional, entre 2002 e 2004.

“Torna-se difícil para mim entender a educação que não assente no conhecimento e na cultura, no esforço e no rigor, na exigência e na disciplina. Não simpatizo com os novos profetas, eles prometem a escola do século XXI, a escola do futuro em que os alunos interagem com as tecnologias, desenvolvem competências e o professor se torna uma espécie de animador de sala de aula.” in: jornal "Publico" de 25 de Janeiro, pg 14, versão impressa.

Não podia estar mais de acordo.

E, apesar de não ter apreciado o governo (liderado por Durão Barroso) de que fez parte, gostava que estas posições tivessem sido percebidas com a mesma ênfase e clareza pelos professores e agentes do ministério da educação, ao tempo em que foi ministro (pelo menos).


José Batista d’Ascenção

quarta-feira, 18 de janeiro de 2023

Dobre de finados ou toque a rebate pela escola pública?

Vai tumultuosa a vida escolar, por oposição à paz podre dos últimos doze anos. O panelão levantou fervura e o testo saltou, com prejuízo para os alunos, perturbação e angústia dos pais e (acréscimo de) sofrimento para os professores. Nada que fosse imprevisível.

No meio da tormenta têm sido salientados problemas relacionados com a progressão na carreira, a precariedade, os concursos, a não contagem do tempo integral de serviço, o drama da “casa às costas”, a mobilidade por doença, todos motivos de razão. A mesma ênfase merece a vida penosa intra-escolas a que estão sujeitos os professores que dão aulas, como seja a inconcebível definição da componente lectiva, que contraria as reduções com a idade que a lei (faz de conta que) estipula efectivamente [de modo que um professor chamado a substituir outro numa aula da componente lectiva deste, vê esse tempo lectivo transmutar-se legalmente num tempo não lectivo para si. Como se não bastasse, o professor substituto pode ser remetido para a condição de guardador de alunos, chegando a indicar-se-lhe o espaço do recreio para deles tomar conta, sejam meninos do básico ou jovens do 12º ano], ou como sejam os conceitos extraordinários de inclusão, de educação especial, de flexibilidade, de supervisão, de sucesso pleno, ou de avaliação (de que é exemplo o fantástico projeto MAIA, como referi aqui), conceitos que implicam procedimentos burocráticos infernais que hão-de traduzir-se em estatísticas (de trazer por casa) que reflictam os “planos de melhoria”, que se exigem as vezes necessárias até chegar aos resultados de “sucesso” convenientes para publicar e comunicar à OCDE.

Por tudo isto, a escola pública faliu. Os políticos e os “teóricos” adstritos ou instalados no edifício formal da educação conseguiram o objectivo de destruir os professores, arruinando-a completamente. Perdem os alunos e perde o país. Mas as perdas não são universais, como bem sabemos.

Por isso, sem quaisquer ilusões, esta quinta, 19, faço greve.

José Batista d’Ascenção

quarta-feira, 11 de janeiro de 2023

«Clima de escola», além das lutas visíveis

Digo a mim próprio que, nos corredores da escola, hei-de ser (mais) enfático e afável nos cumprimentos a colegas professores e aos preciosos funcionários e alunos. Ontem falava com uma colega acabada de regressar de período de convalescença, muito animada, confessando-me que trazia uma farmácia ambulante que a havia de ajudar a reunir a energia necessária. Espero que tenha sentido a minha ternura. Mas há outras(os) que seguem de ou para as salas de aula, por entre magotes de alunos, sem que o seu olhar encontre o meu. Nesses casos saem-me frágeis saudações, eventualmente inaudíveis. Culpo-me e prometo que da próxima é que é. Só que na(s) próxima(s) não consigo a satisfação plena das intenções. São mais do que eu gostaria os olhares baços para o indefinido. Ou é dos meus olhos. Quem sabe se o reflexo pouco objectivo do que eu mesmo sinto.

Entre os mais chegados, porque do mesmo grupo de docência (agora chamam-lhe grupos de recrutamento), ainda combinamos uma ou outra refeição conjunta, mas a adesão não é universal e os que participam não transbordam de felicidade.

No bar da sala de professores, que ainda temos, servidos por santas senhoras, pronunciamos frases de circunstância, esforçamo-nos em atitudes de simpatia, mas prestamos pouca atenção ao que os outros dizem, e reciprocamente. Pelo que não há silêncio, que seria pesado, mas há cada vez menos quem oiça alguém com prazer de ouvir.

Entre o pessoal auxiliar, que ganha pouco, como todos os que trabalham nas escolas, há os que têm décadas de serviço e pesam o bom e o menos bom da profissão, sem sinais de júbilo, e há os que são mais jovens e se esforçam por ver mais que cinzento no futuro.

No que respeita aos alunos, que vêem em cada professor um velho em luta com forças e fraquezas, não se perdia nada se a alegria fosse mais notória.

Este clima contrasta com a atitude dos que (ainda) não perderam o humor e dão vivacidade ao quotidiano e aos dias festivos ou de comemoração.

O que fazer? - Tudo para alimentar a esperança, em primeiro lugar em cada um de nós.

Como? - Não me perguntem, digo apenas que sempre haverá dias luminosos e pessoas animadas da alegria de viver.

José Batista d’Ascenção